“Vou até o fim contra os racistas, mesmo que longe daqui”, diz Vinícius Jr.

Vini Jr. sofre seguidos ataques racistas sem providência das autoridades espanholas

Foto: Reprodução (Twitter)

Aos 70 minutos de jogo, Vinícius Junior explodiu. “Foi ele, foi ele”, gritava o jogador do Real Madrid, apontando para um torcedor adversário nas arquibancadas do estádio Mestalla, onde o Valência mandava o jogo contra os merengues, pela 35ª rodada do campeonato Espanhol.

Vinícius Junior ia na direção da arquibancada norte do Mestalla, onde os ultras Yomus, espécie de torcida organizada com tendências neonazistas, estavam insuflando o estádio a cometer os atos racistas.

O árbitro, Ricardo de Burgos Bengoechea, se viu obrigado a parar a partida por 10 minutos, enquanto o sistema de som do estádio difundiu por duas vezes mensagem contra os insultos.

Minutos antes, durante a transmissão do jogo era possível ouvir muitos torcedores no estádio em Valência gritando, em coro, “mono, mono, mono” (macaco, em espanhol). Por diversas vezes a transmissão brasileira na ESPN mencionou os gritos racistas: “eu escutei mais uma vez gritos racistas vindo da torcida do Valência para o Vinícius Junior”, disse o narrador.

Nos acréscimos, com o time mandante ganhando a partida, e escapando do rebaixamento, uma confusão dentro de campo acabou com o valenciano Hugo Duro arrastando Vini pelo pescoço em uma gravata, mata-leão. O brasileiro, se desvencilhando, atingiu o espanhol no rosto, e, de forma absurda, acabou recebendo o cartão vermelho do árbitro.

Desde 2021, a estrela brasileira já sofreu pelo menos 10 ataques racistas. Destes, nove dos incidentes resultaram em algum tipo de processo disciplinar. Três já foram arquivados e os demais correm na justiça.

Em um dos episódios, em janeiro deste ano, antes do clássico de Madrid, entre Atlético e Real, pelas quartas de final da Copa do Rei, a capital espanhola amanheceu com um boneco com a camisa de Vini Junior pendurado pelo pescoço em uma ponte, simulando um enforcamento.

Uma faixa com as cores do Atlético exibia os dizeres “Madrid odeia o Real”, em referência ao adversário daquele dia.

O sonho de criança de Vinícius Junior sempre foi brilhar no Real Madrid, um dos maiores clubes do mundo. Mas a não providência de medidas efetivas para os contínuos ataques raciais de torcedores por toda a Espanha vêm levando o jogador a repensar a sua carreira. “[…] Vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui”, disse o jogador nas redes sociais, após o episódio de ontem em Valência.

Logo após os fatos de domingo, uma avalanche de apoio se solidarizou com o atacante da seleção brasileira e do Real Madrid. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Japão, enviou mensagem de apoio ao jogador e exigiu da Fifa e da La Liga sérias providências. “Não é possível que quase no meio do século XXI a gente veja o preconceito racial ganhando força em vários estádios de futebol na Europa”, falou o presidente.

O Itamaraty cobrou, nesta segunda (22), da embaixadora da Espanha no Brasil, Mar Fernández-Palacios, esclarecimentos e medidas contra os casos no país.

A reação da chancelaria e do governo brasileiro são consequências das notícias que chegam ao Brasil de que a maior estrela brasileira da atualidade se sente desprotegida. “Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga.  A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato […] hoje é dos racistas”, publicou em suas redes sociais.

10 casos de racismo desde 2021

Os primeiros anos de Vinícius Junior não empolgaram tanto. Prova disso é que nos primeiros dois anos no time principal do Real Madrid, o atleta teve apenas uma convocação para a seleção brasileira de Tite, em 2019, contra o Peru (amistoso internacional).

No anos seguintes, no entanto, todo o potencial do atacante foi revelado ao ponto do carioca de São Gonçalo fazer o gol do título da Champions League, em maio de 2022. O campeonato europeu é considerado o mais difícil do mundo entre clubes.

A ascensão do jogador, no entanto, despiu todo o racismo da sociedade espanhola que passou a ter o craque como principal alvo nos estádios do país. De outubro de 2021 para cá impressionantes 10 casos de racismo resultaram em algum tipo de processo na justiça do país ibérico. O Portal Vermelho fez um levantamento dos casos:

1. Barcelona x Real Madrid (24/10/2021)

Torcedores gritaram “macaco” para Vinícius Junior no Camp Nou. LaLiga apresentou denúncia à Procuradoria de Ódio, de Barcelona. Os autores dos ataques não foram identificados e o caso foi arquivado.

2. Mallorca x Real Madrid (14/03/2022)

Foram ouvidos sons imitando macacos das arquibancadas do estádio Son Moix. A LaLiga abriu nova denúncia, por sons imitando macacos vindos das arquibancadas do estádio Son Moix, em Mallorca. A denúncia foi arquivada. De acordo com à Procuradoria de Ódio local, “a expressão e os sons emitidos, indubitavelmente típicos de atitudes profanas e desprezíveis, bem como vexatórios e absolutamente rejeitáveis, não parecem abranger inicialmente, para o presente caso, a dimensão penal pública que se postula”.

3. Atlético de Madrid x Real Madrid (18/09/2022)

Nos arredores do estádio Wanda Metropolitano, antes do clássico, vários torcedores gritavam “Vinícius você é um macaco, você é um macaco”. A nova denúncia da LaLiga foi arquivada pela Procuradoria de Ódio de Madrid.

4. Valladolid x Real Madrid (30/12/2022)

Alguns torcedores chamaram Vinícius Junior de “negro bastardo” e “negro m…” no estádio José Zorrilla. A partir deste caso, a LaLiga trocou de estratégia e apresentou denúncia em três frentes: na Comissão Anti-Violência, na Comissão da Competição e diretamente no Tribunal de Valladolid. Vários responsáveis pelos insultos foram identificados e o processo penal foi instaurado. O clube de Ronaldo Fenômeno abriu processo interno com 11 identificados e retirou seus ingresso da temporada.

5. Real Madrid x Atlético de Madrid (26/01/2023)

Antes do clássico, válido pela Copa do Rei, Madri amanheceu com um boneco simulando Vini, pendurado numa ponte. LaLiga apresentou uma queixa ao Tribunal de Instrução de Madri. O processo segue em andamento para identificar responsáveis.

6. Mallorca x Real Madrid (05/02/2023)

Outro ataque racista no estádio Son Moix: um torcedor gritou “macaco” para Vinícius Junior. O caso foi relatado novamente e o processo foi aberto. Através de um vídeo no TikTok, o autor foi identificado. Ele já havia proferido ataques racistas ao jogador “Chukwueze dias antes. O torcedor perdeu a carteira de sócio por três anos. Além disso, a Comissão Anti-Violência impôs uma multa de R$ 22 mil e um ano de banimento de qualquer instalação esportiva.

7. Osasuna x Real Madrid (18/02/2023)

Ofensas racistas foram proferidas contra a estrela brasileira no estádio El Sadar. Os atos foram denunciados pela LaLiga perante os tribunais de instrução de Pamplona. Os autores ainda não foram identificados.

8. Betis x Real Madrid (05/03/2023)

Gritos de “macaco” foram dirigidos a Vinícius Junior nas arquibancadas do estádio Benito Villamarín. LaLiga apresentou denúncia ao tribunal investigativo de Sevilha após detectar o autor dos insultos.

9. Barcelona x Real Madrid (19/03/2023) Mais uma vez no clássico contra o Barça gritos de “macaco” e “morra” para Vinícius Junior foram ouvidos nas arquibancadas do Camp Nou. O caso foi denunciado nos tribunais de instrução de Barcelona.

10. Valencia x Real Madrid (21/05/2023) No domingo, Vini acusou parte da torcida do Valencia de chamá-lo de “macaco” no segundo tempo. O jogo chegou a ficar paralisado por cerca de oito minutos. Nos minutos finais, o brasileiro foi expulso após confusão com o goleiro Mamardashvili.

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