Ucrânia: Derrota da contraofensiva ocorre sem ter a paz como horizonte
Mais: Por falar em Paz… / Partido Democrata dos EUA envia delegação ao Brasil / Decisão sobre possível invasão do Níger ainda será tomada.
Publicado 08/08/2023 23:10 | Editado 09/08/2023 16:31
A contraofensiva ucraniana foi cercada de grande expectativa e preparada em detalhes. “De acordo com a modelagem que fizemos com muito cuidado, os ucranianos estão em uma boa posição”, declarou à CNN, no dia 26/4, o chefe do Comando Europeu dos Estados Unidos, general Christopher Cavoli. Depois da sangrenta derrota de Bakhmut, totalmente ocupada pelos russos no dia 20 de maio, era urgente que os investimentos ocidentais mostrassem algum resultado. Tendo recebido bilhões de dólares, armas de última geração, treinamento especial da OTAN e combatendo, segundo a mídia, contra “russos desmotivados”, a meta da Ucrânia em sua contraofensiva era ambiciosa. No dia 30 de abril, o jornalista Roman Goncharenko escreveu um artigo especial para a agência estatal alemã DW, onde afirmava que a contraofensiva ucraniana “deverá ser uma guinada na massacrante guerra de exaustão em curso, e expulsar a Rússia dos territórios ocupados; poderá ser uma batalha decisiva, um ato de libertação”. O jornalista dizia então que “a região de Zaporozhie, no sul do país, é considerada como principal foco para os ataques. A partir de lá, os ucranianos pretendem seguir até a Crimeia, a fim de cortar o abastecimento das tropas russas por via terrestre”. Este era o tom da mídia hegemônica em geral, quando, em 4 de junho, finalmente começa a contraofensiva. O resultado foi um constrangedor desastre já nos primeiros movimentos, com a Rússia esmagando qualquer possibilidade de avanço. Diante do silêncio de Kiev, estabeleceu-se um clima de confusão na mídia atlantista, que chegava a colocar em dúvida se a esperada contraofensiva havia ou não se iniciado. Quando começou a ficar claro o que ocorreu, adaptou-se o discurso. “Os avanços serão lentos”, “é uma maratona, não uma corrida de cem metros”, foram algumas das muito originais frases repetidas mil vezes. Afinal, aproximava-se a Cúpula da OTAN em Vilnius (Lituânia), realizada nos dias 11 e 12 de julho, um palco privilegiado de propaganda, que não podia ser manchado pelo que era mais um evidente fiasco, apenas um mês depois de Bakhmut. A operação midiática para esconder o fracasso continuou. Até que uma nova esperança (ou nova narrativa, como preferirem) surgiu. Na verdade, a contraofensiva para valer ainda não havia começado! O que os ucranianos estavam fazendo até então, usando seus jovens como carne de canhão, era testar os pontos fracos da defesa russa para, aí sim, investir com o que tinham de melhor para a arrancada final.
Ucrânia: Derrota da contraofensiva ocorre sem ter a paz como horizonte II
E, de fato, na noite de 26 de julho, Kiev anunciou que a contraofensiva entrava em uma nova fase. Analistas declararam às agências de notícias que “na primeira fase da contraofensiva as forças de Kiev se limitaram a sondar as linhas inimigas em busca de pontos fracos. Nos últimos dias, porém, a estratégia foi alterada, com a mobilização da maior parte de suas tropas treinadas pelo Ocidente na porção sul do país (…) e os ucranianos fazem avanços significativos em Zaporozhie”. No entanto, a realidade é implacável e vai se impondo antes do que se imagina. Nesta segunda-feira (7), a CNN, que teria ouvido fontes situadas nos altos escalões estadunidense e europeus, informou que o Ocidente está recebendo cada vez mais notícias decepcionantes sobre a contraofensiva ucraniana. “Os relatórios que recebemos são desanimadores. Somos lembrados dos desafios que eles (militares ucranianos) enfrentam. Este é o período mais difícil da guerra“, disse Mike Quigley, congressista dos EUA. A agência Sputnik News, citando a mídia hegemônica dos EUA, reporta que o Exército ucraniano novamente sofreu enormes perdas, o que o obriga a recuar. “Os russos têm uma série de linhas defensivas e eles [forças ucranianas] realmente não passaram pela primeira linha. Mesmo que continuem lutando nas próximas semanas, se eles não foram capazes de fazer mais avanços ao longo dessas últimas sete ou oito semanas, qual é a probabilidade de que vão de repente fazê-los com forças mais esgotadas?“, perguntou um diplomata sênior ocidental. Tudo isso parece incapaz de convencer os patrocinadores de Kiev a estimular negociações de paz sem pré-condições. A quantia incrível de dinheiro circulando em torno da guerra, enriquecendo ainda mais a poderosa indústria bélica, a esperança de que o desgaste de um longo conflito faça erodir a popularidade do atual grupo dirigente russo, o teste de novas armas de combate em batalhas reais, a continuidade da hegemonia política das forças neonazistas em Kiev, entre outras razões, infelizmente não coloca a paz como uma perspectiva viável em curto prazo, como reconheceu Sergei Ryabkov, vice-ministro de relações exteriores da Federação Russa, que neste domingo (6) afirmou, segundo a agência TASS, que “não há espaço para negociação agora. A operação militar especial continuará no futuro visível“.
Por falar em Paz…
“De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo”, a bem-humorada frase do Barão de Itararé (pseudônimo do jornalista Aparício Torelly) caí como uma luva para descrever a tal Negociação de Paz promovida por EUA e Kiev em Jidá, na Arábia Saudita, durante o final de semana, sem a presença da Rússia. Nem mesmo a mídia hegemônica, reconheçamos, deu muita bola para o convescote. Participaram 42 países, nem todos presencialmente (Brasil inclusive) e uma parte significativa compareceu para lembrar o óbvio ululante: se dois vizinhos brigam e um terceiro convoca uma reunião para pacificar a situação chamando para participar apenas um dos brigões, significa que daí não sairá qualquer solução que dê fim ao quiprocó. Foi o que disse, em linguagem diplomática, o representante brasileiro, Celso Amorim, assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais. O veterano diplomata afirmou, participando por videoconferência, que ambos os lados precisam ter suas preocupações ouvidas e foi além, ampliando a questão: “Isso não é apenas um conflito entre Rússia e Ucrânia. É também um capítulo da longa rivalidade entre a Rússia e Ocidente“, afirmou. A China foi no mesmo diapasão e a Índia igualmente. O conselheiro de segurança nacional indiano, Ajit Doval, enfatizou a necessidade de todas as partes interessadas estarem envolvidas, para alcançar um acordo justo e duradouro, “é com esse espírito que a Índia participa da reunião em Jidá”, disse ele. O presidente ucraniano, que foi a Jidá, volta para casa de mãos vazias. Anatoly Antonov, embaixador da Rússia em Washington, declarou que “testemunhamos mais uma tentativa fracassada da administração dos EUA de criar esperanças vãs (…) Daí o resultado esperado da reunião – ausência de uma posição comum sobre como avançar para resolver a crise na Ucrânia. Não houve qualquer apoio à tal ‘fórmula de paz’ de Kiev“, disse o embaixador. O jornal The Wall Street Journal chegou a afirmou, na edição de domingo, que durante a reunião Kiev não insistiu mais na adoção do “plano de paz” de Zelensky, tal a inviabilidade da proposta. Como sabemos todos os que militam politicamente, a expressão de uma reunião improdutiva é aquela que tem como principal resolução convocar uma outra reunião e foi exatamente essa a decisão. Como a conferência da Arábia Saudita foi considerada a continuidade da reunião de Copenhagen (em junho), uma terceira ficou de ser convocada, mas sem data ou local definidos.
Partido Democrata dos EUA envia delegação ao Brasil
A jornalista Mônica Bergamo, em coluna publicada na última sexta-feira (4), no jornal Folha de S. Paulo, informa que uma delegação do Partido Democrata chefiada por Alexandria Ocasio-Cortez (conhecida como AOC) vem ao Brasil e será recebida por integrantes do primeiro escalão do governo Lula, entre eles quatro ministros de Estado. Segundo a jornalista, “os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, das Relações Exteriores, Mauro Vieira, da Igualdade Racial, Anielle Franco, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, estão entre os que receberão a comitiva em Brasília”. Além de AOC, considerada da “ala esquerda” do Partido Democrata, farão parte da delegação os deputados Joaquín Castro, Nydia Velázquez, Greg Casar e Maxwell Frost. Nenhum dos parlamentares fazem parte do grupo de 4 líderes democratas na Câmara de Representantes (correspondente a nossa Câmara dos Deputados). A chefe de gabinete do senador Bernie Sanders, Misty Rebik também integra a comitiva. O objetivo da delegação é ajudar a traçar um plano para revitalizar a relação entre os Estados Unidos e a América Latina. Mônica Bergamo destaca que “um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está sendo articulado, e uma resposta do cerimonial do mandatário é aguardada — o que só deve ocorrer em uma data mais próxima à da reunião”. Apesar de que toda iniciativa de diálogo respeitoso entre as nações deva, em princípio, ser saudada, merece ponderação o fato de o Brasil mobilizar vários importantes ministros e talvez até o presidente da República para receber uma delegação de deputados (e uma chefe de gabinete) dos EUA. Isso é cagoete de outros tempos, que o governo Lula, com competência e coragem, superou em curto período.
Decisão sobre possível invasão do Níger ainda será tomada
Chefes de Estado da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) estão se preparando para uma cúpula na quinta-feira para discutir seu impasse com a junta do Níger, que desafiou o prazo de 6 de agosto para restabelecer o presidente deposto Mohamed Bazoum. Existe até mesmo a ameaça de intervenção militar por parte dos países da CEDEAO. O presidente Joe Biden disse que os Estados Unidos estão apoiando os esforços da CEDEAO para restaurar a ordem constitucional. Ele se recusou a comentar sobre o futuro de cerca de 1.100 soldados dos EUA no Níger, onde tropas francesas, alemãs e italianas também estão estacionadas. A vice-secretária de Estado interina dos EUA, Victoria Nuland, voou para Niamei (Capital do Níger) nesta segunda-feira, mas não teve permissão para se encontrar com o líder dos militares, Abdourahamane Tiani, ou com Bazoum, o presidente deposto. Os militares que tomaram o poder no Níger acusam França e as potências ocidentais de posturas neocoloniais, têm grande respaldo popular e contam com o apoio dos governos de Guiné, Burquina Faso e de Mali, sendo que os dois últimos países já declararam que reagirão a qualquer tentativa de intervenção militar contra Níger.