50 anos do golpe no Chile: como o cinema retratou a ditadura de Pinochet

Produções como A Batalha do Chile, Machuca e No mostram o país sul-americano após o golpe de 1973

O Chile lembra nesta segunda-feira (11) os 50 anos do Golpe de 1973, que depôs o presidente Salvador Allende, do Partido Socialista, e instalou uma criminosa ditadura militar, liderada pelo general Augusto Pinochet.

Ao longo de 17 anos (1973-1990), o país sul-americano viveu sob o terrorismo de Estado – e até hoje não há consenso sobre a extensão das violações cometidas pelo regime. A lista “oficial” de vítimas da ditadura, elaborada inicialmente em 1991 pela Comissão da Verdade e Reconciliação do Chile, é atualizada de tempos em tempos.

O levantamento mais recente aponta para cerca de 40 mil vítimas, que sofreram com tortura ou prisões à margem da lei. Entidades ligadas aos direitos humanos, porém, falam em mais de 100 mil. Se no Brasil 434 pessoas morreram ou desapareceram sob o regime militar (1964-1985), o total de militantes mortos ou desaparecidos no governo Pinochet chega a 3.225.

O cinema retratou a ditadura chilena sob vários aspectos e em diferentes gêneros – mas invariavelmente em tom repúdio. Embora a maioria dos filmes seja de origem chilena, há longas-metragens produzidos nos Estados Unidos, em Cuba, no Brasil e até na Europa. O Vermelho lista, abaixo, alguns títulos que ajudam a contextualizar – e a denunciar – o golpe e a era Pinochet. Confira.

A Batalha do Chile

Gênero: documentário

Direção: Patricio Guzmán

Lançamento: 1975-1979

Produção: Chile/Cuba

Por que ver: considerada um marco do documentário latino-americano, A Batalha é dividida em três partes – A Insurreição da Burguesia (1975), O Golpe de Estado (1976) e Poder Popular (1979). Os dois primeiros filmes, em especial, ajudaram a influenciar a percepção da comunidade internacional sobre o golpe de 1973. Quando a ditadura de Pinochet descobriu o projeto, seus realizadores foram perseguidos e parte das filmagens foi transferida clandestinamente para Cuba, onde ganhou a edição final. A trilogia sobressai não apenas por sua narrativa contundente – mas também por imagens e entrevistas que, de imediato, ganharam valor histórico. Para o crítico Tim Allen, trata-se de nada menos que “o maior filme político de nossos tempos”.

A Casa dos Espíritos

Gênero: drama

Direção: Bille August

Lançamento: 1993

Produção: Alemanha/Dinamarca/Estados Unidos/Portugal

Por que ver: baseado no romance homônimo de Isabel Allende, este é o mais hollywoodiano e melodramático dos filmes sobre o golpe de 1973. Tem no elenco nomes como Meryl Streep, Jeremy Irons, Glenn Close, Winona Ryder e Antonio Banderas. A trama cobre a ascensão e a queda de Esteban Trueba, homem mundano que enriquece e se torna um dos líderes da elite local. Após concorrer ao Senado e ser derrotado pela esquerda, apoia o golpe militar. Mas suas ideias conservadoras são postas à prova com a ditadura – Blanca, filha de Esteban, é presa e torturada. A Casa dos Espíritos expõe um traço comum às ditaduras do Cone Sul: os militares, uma vez no poder, não pouparam nem mesmo aliados no golpe de Estado, como empresários e políticos de direita.

Machuca

Gênero: drama

Direção: Andrés Wood

Lançamento: 2004

Produção: Chile/Espanha/França/Reino Unido

Por que ver: a exemplo do argentino Kamchatka, lançado dois anos antes, Machuca aborda os impactos de uma ditadura militar pelo olhar infantil. Mas o filme de Andrés Wood avança ao mostrar os conflitos de classe que se acirram no Chile durante o governo Allende. Os adultos, aqui, são absolutamente secundários à trama, a não ser o padre McEnroe, que abre as portas de seu colégio particular a estudantes de baixa renda e tenta promover a aproximação entre dois mundos tão díspares. O filme põe em pauta o impacto emocional e cultural do autoritarismo, em meio à violência injustificada e crescente do regime de Pinochet.

Salvador Allende

Gênero: documentário

Direção: Patricio Guzmán

Lançamento: 2004

Produção: Alemanha/Bélgica/Chile/Espanha/França/México

Por que ver: em 1970, Allende se tornou o primeiro socialista a chegar ao poder pela via eleitoral. Três anos depois, suicidou-se no Palácio de La Moneda em meio à deposição de seu governo. É com foco nesse período que se debruça Salvador Allende, filme que marca o reencontro de Guzmán com o Chile, após três décadas no exílio. Ele próprio narra o documentário e é visto em cena, conduzindo entrevistas e, não raro, inserindo suas próprias opiniões pessoais. O documentário tenta responder à dúvida que, até hoje, atormenta a esquerda chilena: afinal, dava para ter evitado o golpe?

No

Gênero: drama

Direção: Pablo Larraín

Lançamento: 2012

Produção: Chile/França/Estados Unidos

Por que ver: Larraín já havia dirigido dois filmes sobre a era Pinochet – Tony Manero (2008) e Post Mortem (2010). Em No, o cineasta retrata o plebiscito de 1988, que precipitou o fim da ditadura. O protagonista é René Saavedra (Gael Garcia Bernal), contratado para organizar a campanha do “Não”. Contrariando a opinião dos opositores do regime – que queriam aproveitar o plebiscito para endurecer o discurso –, o publicitário cria uma campanha leve e descontraída. As peças logo caem no gosto da população. Quando No foi lançado, a esquerda chilena acusou Larraín de tratar o tema de forma despolitizada, parcial e manipuladora. O filme, de fato, exagera ao transformar Saavedra numa espécie de herói da vitória do “Não”, mas vale sobretudo por mostrar como a propaganda pode impactar a opinião pública.

Remastered: Massacre no Estádio

Gênero: documentário

Direção: Bent-Jorgen Perlmutt

Lançamento: 2019

Produção: Estados Unidos

Por que ver: o brutal assassinato do cantor e compositor chileno Victor Jara, apenas cinco dias após o Golpe de 1973, foi o prenúncio das atrocidades que marcariam a era Pinochet. Com a redemocratização, mais de 350 pessoas foram condenadas pelos crimes da ditadura, incluindo 39 coronéis e 16 generais. Mas os envolvidos na morte de Jara, em pleno Estádio Chile, em Santiago, permaneceram livres por quase 50 anos. Produzido pela Netflix, Massacre no Estádio celebra a luta da viúva Joan Jara para identificar, julgar e punir os agentes responsáveis pelo martírio do grande artista popular, notadamente o ex-oficial do Exército Pedro Barrientos.

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