A crítica de Celso Marconi a Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça

O filme de Kleber é inteiramente ligado à linguagem, ao mesmo tempo à linguagem tradicional, à linguagem de Hollywood e também consegue ser um filme brasileiro.

Cartaz do longa documental brasileiro, Retrato Fantasmas de Kleber Mendonça Filho. Wikipedia/Divulgação

Você tem que compreender que Kleber Mendonça Filho tem realmente um lugar especial no cinema brasileiro.

Ele é bem depois do pessoal do Cinema Novo, mas ele tem uma ligação com o pessoal que fez cinema nos anos 60, 70, 80. Kleber conseguiu reincorporar, aprendeu, ele deve ter tido muitas influências do cinema europeu, do cinema americano, e com isso ele conseguiu formar uma linguagem que é consistente, no sentido do cinema fundamental, quer dizer, o cinema técnico. Se você pega a relação dele com a linguagem, ele conseguiu fazer o contato do conteúdo artístico transformando-o numa linguagem que é popular no Brasil. Se a gente lembrar o que era comentado nas reuniões, nos grupos de cinema, a gente chega à conclusão de que a presença dele traz uma estrutura diretamente, do que é contido no que é o cinema técnico, popular. A grande influência dele foi justamente a técnica. Ele conseguiu dos anos 70, por exemplo, nos debates que havia na Bahia, e eu participava, a gente chega à conclusão agora de que Kleber é uma pessoa que tem conhecimento pessoal, próprio, da técnica. Então você vê o atual filme dele.

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O filme atual de Kleber é inteiramente ligado à linguagem, ao mesmo tempo à linguagem tradicional, à linguagem de Hollywood inteiramente, e também consegue ser um filme brasileiro. O que o cinema do pessoal do Cinema Novo sempre quis fazer era justamente o filme que tem o conteúdo artístico, político, e tem também a presença, a maneira de ser tradicional do filme americano.

Kleber conseguiu isso. Isso era o que todo o pessoal do cinema, no tempo do Cinema Novo, queria: era achar uma maneira de enfrentar o público brasileiro e ser reconhecido por esse público. Eu revi depois de ver Retratos Fantasmas, eu revi o filme O Som ao Redor, e você vê que ele já tinha essa imagem, essa linguagem. Ele fez o filme O Som ao Redor, que é o primeiro longa dele, ele conseguiu fazer como se fosse um cineasta de Hollywood, mas falando uma linguagem brasileira. Isso foi fundamental para ele ser reconhecido pelo público. Ele ganhou o público porque colocou uma linguagem que é fácil de ser compreendida, porque tem a linguagem do público, a linguagem do cinema técnico americano. O importante é que ele conseguiu também colocar a sua linguagem pessoal, nordestina. Ele fala tudo através de uma maneira nordestina, o que consegue em tudo uma maneira nordestina; tanto que você vê o filme exibido na Netflix, e tem legenda, porque é muito ligado à linguagem brasileira, nordestina. Aí a fala, a forma de falar o cinema, a forma de falar do nordestino, quer dizer, é você ver que ele, o importante é que ele conseguiu, o que o pessoal queria sempre:  Nelson Pereira dos Santos, Glauber, Jabor, todo esse pessoal sempre tentou, procurou o máximo se comunicar com o povo brasileiro, porque o povo brasileiro é totalmente dominado pela linguagem americana. Kleber conseguiu o que o pessoal do Cinema Novo procurou. Isso é que é a grande força do cinema de Kleber.  

(Fala de Celso Marconi gravada no celular da sobrinha Trude e enviada para Urariano Mota, que organizou o texto)

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