“Se não agora, quando, ONU? Quantas vidas mais serão perdidas?”

Em discurso duro, o chanceler brasileiro Mauro Vieira cobrou posição da ONU no Conselho de Segurança. Segundo o diplomata, ajuda de EUA, Egito e Israel foi “pouco mais do que uma oportunidade de foto”.

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, discursa em sessão do Conselho de Segurança da ONU. Foto: UN Photo/Eskinder Debebe.

A falta de consenso e ação do Conselho de Segurança da ONU sobre a guerra de Israel é uma “vergonha”, disse nesta segunda o chanceler brasileiro Mauro Vieira, durante reunião emergencial do colegiado. Representante do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o ministro das Relações Exteriores fez duras críticas à demora do colegiado em aprovar uma resolução sobre o conflito entre Israel e o grupo islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza, no Oriente Médio.

“Desde o dia 7 de outubro, nos reunimos várias vezes e votamos quatro propostas de resolução. No entanto, continuamos com um impasse, devido a um desentendimento interno, particularmente entre membros permanentes e graças ao persistente uso do Conselho para atingir seus próprios propósitos em vez de colocar a proteção de civis acima de tudo”, disse. “Todos estão vendo nossa incapacidade de nos unir e responder a uma crise que nos desafia”, acrescentou.

Nas últimas semanas, quatro propostas de resolução sobre o conflito foram rejeitadas no Conselho: duas da Rússia, uma dos Estados Unidos e uma do Brasil, atual presidente do grupo. Ele acrescentou que ainda pode haver tempo para o Conselho de Segurança se posicionar do lado dos civis e contra as hostilidades na região. “Tanques e tropas estão no terreno em Gaza, e o tempo para agir está acabando. Minhas perguntas a todos vocês são: Se não agora, quando? Quantas vidas mais serão perdidas até nós finalmente nos sairmos da retórica para a ação?”, finalizou.

Crise do multilateralismo

“Continuamos em um impasse devido a divergências internas, especialmente entre alguns membros permanentes”, reconheceu. O custo do fracasso em responder à crise, disse Vieira, vai recair também sobre “o multilateralismo, a ONU e este Conselho, em particular”.

Vieira ressaltou que a situação atual na Faixa de Gaza, que sofre intensos bombardeios israelenses, é “chocante e indefensável de qualquer perspectiva humana e sob a lei humanitária internacional”, mas destacou que “nada justifica” as ações terroristas do Hamas. O chanceler citou o Hamas como o responsável por reacender a crise na região com “ações terroristas”.

“Desde a última vez que eu falei a este Conselho, na semana passada, a contagem de mortes de crianças aumentou em mil. Enquanto isso, o Conselho de Segurança realiza reuniões e ouve discursos, sem ser capaz de tomar uma decisão fundamental: acabar com o sofrimento humano”, disse. Segundo ele, o conselho tem falhado reunião após reunião em colocar as vidas dos civis como prioridade.

Assim, o ministro disse que a posição brasileira do conflito é “clara”, defendendo a liberação imediata de todos os reféns e o “fim da violência de qualquer forma”, para que a ajuda humanitária possa ser entregue à população de Gaza.

Além disso, pediu que cidadãos de diversos países que querem deixar a Faixa de Gaza possam sair do enclave. Ainda segundo destacou o chanceler, mais de 8 mil pessoas morreram desde o início da guerra, sendo 3 mil crianças.

Oportunidade para foto

“O preço da inação é inaceitavelmente alto. A crescente urgência para as famílias dos reféns e a dor insuportável para a população civil de Gaza não podem ser subestimadas”, advertiu, complementando que interromper as hostilidades será o melhor para os civis de ambos os lados do conflito.

Mauro Vieira afirmou que hospitais não têm como fazer tratamentos básicos para pacientes, e que a assistência humanitária mais ampla é fundamental. Até agora, a ajuda humanitária que chegou a Gaza, viabilizada por um acordo costurado pelos EUA, o Egito, Israel e a ONU, é insuficiente, disse o diplomata, sugerindo uma atitude retórica e marqueteira: “Pouco mais que uma oportunidade de foto”, disse ele, ecoando a crítica da ONU sobre os poucos caminhões de suprimentos que conseguiram entrar no território.

Durante o discurso, o ministro brasileiro também ressaltou que os países têm direito e dever de proteger seus cidadãos, mas seguindo as legislações humanitárias internacionais.

“O direito e o dever de proteger a população de um Estado não pode e não deve ocorrer à custa de mais mortes de civis e de mais destruição de infraestruturas civis. Como o secretário-geral da ONU [António] Guterres nos lembrou repetidamente, até as guerras têm regras”, ponderou.

“Quaisquer ataques indiscriminados contra civis e infraestruturas críticas, bem como a privação de bens e serviços básicos aos civis, são moralmente injustificáveis e ilegais à luz do direito humanitário internacional. O Brasil condena veementemente as ações que não façam distinção entre civis e soldados”, adicionou.

Vieira também comentou que é necessário evitar que a guerra escale ainda mais a nível regional.

Por fim, criticou novamente o que chamou de “ineficácia da governança” do Conselho de Segurança e falta de representatividade, citando que, desde 2015, nenhuma resolução abordando conflitos no Oriente Médio foi aprovada no órgão.

Reconhecimento palestino

O representante da Palestina nas Nações Unidas, Riyad Mansour, elogiou nesta segunda-feira (30) a atuação do Brasil como presidente do Conselho de Segurança do organismo multilateral diante do conflito no Oriente Médio.

Falando ao ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, Mansour disse que o fato de o diplomata estar pela terceira vez neste mês no Conselho “é uma ilustração do compromisso do Brasil” ao nível ministerial -normalmente, são os embaixadores dos países na ONU que representam seus países nas reuniões.

Mansour também afirmou estar certo de que a presença de Vieira ilustra “o apelo do presidente Lula de fazer tudo o que você puder com o objetivo de levar ao fim esse massacre e a tragédia que o povo palestino está vivendo, particularmente em Gaza”.

“Nós realmente valorizamos esse compromisso, esse esforço que o Brasil está fazendo”, completou.
Mansour elogiou também o secretário-geral da ONU, António Guterres, a quem chamou de “herói” por seus pedidos por um cessar-fogo humanitário. O tratamento é o oposto do adotado por Israel, que chegou a pedir a renúncia de Guterres, acusando-o de ser parcial.

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