Conflito no Oriente Médio afeta toda a cadeia produtiva da economia

Choque econômico se assemelha à pandemia, afetando a reputação global de Israel e ameaçando as perspectivas de paz na região.

Normalmente lotada de turistas, as ruas da Velha Jerusalém sofrem com o cancelamento de viagens, como se ainda estivesse em pandemia.

Diz-se que a insurgência do Hamas contra o cerco israelense tinha muitos objetivos estratégicos. Especula-se que a normalização das relações dos estados árabes com Netanyahu era um dos catalisadores da revolta de Gaza. No entanto, os efeitos desta insurgência em 7 de Outubro vão muito além. Com a resposta que provocou, vieram consequências inevitáveis para a reputação global de Israel e para as perspectivas de paz na região. Já se prevê o país saindo pior deste conflito do que outros embates que teve com o Hamas, devido ao prolongamento que ameaça ter.

Ainda em setembro, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, previu uma “nova era de paz e prosperidade no Oriente Médio”, baseada na crescente aceitação de Israel pelos vizinhos árabes. Em quatro semanas, esta afirmação soa patética e se mostrou a inabilidade diplomática do governante israelense, provocando manifestações até em países aliados contra sua ofensiva em Gaza.

Israel responde com uma implacável campanha de bombardeios na Faixa de Gaza que persiste há quatro semanas, matando mais de 7.028 palestinos até à data, incluindo 2.913 crianças, enquanto mais de 15.200 pessoas ficaram feridas, estimulando protestos em todo o mundo sobre o que foi descrito por muitos observadores como um “genocídio”.

Para quem acha que o conflito está distante, ele já tem implicações para toda a economia global, que foi atingida por uma série de choques nos últimos quatro anos: a covid-19, a inflação pós-covid, a guerra Rússia-Ucrânia e agora isto. A Palestina também sofre efeitos ainda piores que Israel.

O shekel, moeda israelense, caiu para o seu nível mais baixo em relação ao dólar em mais de uma década, o que levou o banco central de Israel a vender US$ 30 bilhões em reservas cambiais para sustentá-la. O preço do seguro da dívida do país contra inadimplência disparou. 

Mesmo antes da guerra, a economia de Israel já sofria com a controversa proposta de Netanyahu de enfraquecer o poder judiciário, gerando descredibilidade e instabilidade jurídica para empresas e investidores. Até então, sua dinâmica econômica rivalizava com potências da Europa Ocidental.

Com os investidores assustados com a proposta de enfraquecer o controle do judiciário sobre os políticos, e os protestos em massa que ela provocou, os investimentos em empresas tecnológicas caíram mais 68% no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com o Start-Up Nation Policy Institute de Israel. Com a tecnologia representando 48% das exportações de Israel, a sua prosperidade é crucial para a economia.

Remanejamento de orçamento

Devido à escassez de mão-de-obra que se seguiu aos ataques de 7 de Outubro, muitos canteiros de construção estão paralisados ​​ou funcionando lentamente.

Empresas, desde construtoras a restaurantes, fecharam. Em 19 de outubro, o Ministério das Finanças delineou planos para aumentar os gastos com a defesa e ajudar os que foram expulsos do trabalho. Além disso, a administração Biden quer que o Congresso dos EUA aprove US$ 14 bilhões em ajuda de emergência para Israel, a maior parte deles financiamento militar, além dos US$ 3,8 bilhões de dólares que recebe anualmente.

Quatro dias depois, o banco central reduziu a previsão de crescimento para o ano de 3% para 2,3%, caso o conflito termine logo. As ações israelenses apresentam o pior desempenho do mundo desde o início da guerra.

Segundo o JPMorgan Chase & Co., a economia de Israel de US$ 520 bilhões pode encolher 11% numa base anualizada nos últimos três meses do ano, à medida que a guerra escala. As agências de risco Fitch Ratings, a Moody’s Investors Service e a S&P alertaram nos últimos dias que uma escalada do conflito poderia resultar numa descida da classificação da dívida soberana de Israel.

Os analistas econômicos também comparam o efeito do esforço de guerra de Israel a um choque semelhante ao da pandemia de covid, com escolas, escritórios e estaleiros de construção esvaziando-se ou abrindo apenas algumas horas por dia.

Uma queda na atividade atingiu tudo, desde os serviços de hospitalidade ligados ao turismo até aos bancos. Desde empresas de alta tecnologia a um grande campo de gás gerido pela Chevron Corp., as empresas israelenses estão sendo convulsionadas. O especialista em energia Amit Mor estimou que a paralisação do campo de gás Tamar poderia custar a Israel US$ 200 milhões por mês em receitas perdidas.

Israel mobilizou um número recorde de 360.000 reservistas antes da sua ofensiva terrestre em Gaza, drenando cerca de 10% da força de trabalho da construção, da tecnologia, da agricultura e dos têxteis, todos afetados pela escassez de mão-de-obra. Na orla marítima de Tel Aviv, o canteiro de obras do luxuoso hotel Mandarin Oriental está paralisado. Guindastes e andaimes estão desertos. Quase 80% de todos os projetos em construção em Israel parecem ter sido congelados.

A atividade de consumo de uma sociedade traumatizada está reduzida a suprimentos para sobrevivência. Os restaurantes nas grandes cidades não reabrem devido à falta de funcionários e até de clientes. Milhares de voluntários chegam agora de cidades do interior para compensar a falta de trabalhadores para colher a fruta da época. Surgiram grupos de WhatsApp para enviar voluntários a hospitais e supermercados, mas é difícil dizer se esta onda de solidariedade durará. É difícil compensar o deslocamento de 360 mil reservistas de ambos os sexos, e outros 250 israelenses que tiveram que deixar suas casas em áreas vulneráveis a bombardeios.

Acima de tudo, as empresas de alta tecnologia de que o país tanto se orgulha viram a sua força de trabalho de “geeks” e executivos qualificados derreter em 10-15%, num setor que contribui com 18% do produto interno bruto (PIB) do país.

O turismo também é um setor lucrativo para a Terra Santa, com caravanas de religiosos vindas de todo o mundo. No entanto, os pontos turísticos estão esvaziados. A proximidade de Tel Aviv a Gaza esvazia suas praias movimentadas. As companhias aéreas cancelaram a maioria dos voos para Israel e os turistas cancelaram viagens. 

Israel já está envolvido em combates de baixa intensidade em três frentes adicionais – Líbano, Cisjordânia e Síria. Se a milícia Hezbollah, aliada do Hamas, no Líbano, aderir à guerra com força total, isso poderá afetar a produção em dois outros campos de gás, incluindo o maior de Israel. 

Popularidade de Netanyahu

Os protestos que se espalharam por Israel contra a proposta de enfraquecimento do Poder Judiciário por Netanyahu já vinham afetando a economia do país.

O Ministério das Finanças de Israel apresentou um plano de ajuda econômica que inclui um bilhão de dólares em subvenções para empresas afetadas pela guerra. A briga política já começou, sabendo-se que estes recursos serão atribuídos a projetos favoritos de partidos ultraortodoxos e pró-colonos no âmbito de acordos de coligação.

Esta semana, um grupo de 300 economistas renomados apelou a Netanyahu e ao Ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, para “recuperarem o juízo!”

“O grave golpe sofrido por Israel requer uma mudança fundamental nas prioridades nacionais e uma recanalização massiva de fundos para lidar com os danos da guerra, a ajuda às vítimas e a reabilitação da economia”, disseram numa carta, prevendo que as despesas de guerra aumentariam em bilhões de dólares.

Instaram Netanyahu e Smotrich a “suspenderem imediatamente o financiamento de quaisquer atividades que não sejam cruciais para o esforço de guerra e para a reabilitação da economia – e, acima de tudo, os fundos orçamentados para acordos de coligação”.

Efeitos globais

A forma como isto se desenrola terá implicações para as vidas humanas, para o equilíbrio de poder regional e talvez até para a paz global. Com a guerra Rússia-Ucrânia, o Banco Mundial já apontava para um aumento (subestimado) em mais de 200 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar no mundo. Isto deve-se, em parte, ao seu efeito direto sobre os preços dos alimentos e, em parte, aos preços mais elevados da energia. Outro grande salto nos preços da energia tornaria a situação pior.

A gravidade deste cenário depende ainda de saber-se até onde e quando vai se alastrar o conflito. O jornalista do Financial Times, Gideon Rachman lembra-nos que a Primeira Guerra Mundial começou como um conflito entre a Áustria e a Sérvia, ambas aliadas de potências maiores. Neste caso, Israel pode ser visto como um representante dos EUA e o Hamas e o Hezbollah como representantes do Irã (que pode acabar por ser um representante da Rússia ou mesmo da China). Uma cadeia de acontecimentos desastrosos poderá, observa ele, alastrar-se ao próprio Golfo e envolver superpotências.

O embargo petrolífero extremamente prejudicial de 1973 não foi um resultado direto da guerra, mas uma resposta política dos produtores de petróleo árabes. A região é, de longe, o produtor de energia mais importante do mundo, com 48% das reservas provadas globais e produziu 33% do petróleo mundial em 2022. Além disso, de acordo com o Administração de Informação sobre Energia dos EUA , um quinto do fornecimento mundial de petróleo passou pelo Estreito de Ormuz, no fundo do Golfo, em 2018. Este é o ponto de estrangulamento do fornecimento global de energia.

O Banco Mundial também observa que os choques energéticos anteriores foram significativamente dispendiosos. A invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990 aumentou os preços médios do petróleo três meses depois em 105%, o embargo petrolífero árabe de 1973-74 aumentou-os em 52% e a revolução iraniana de 1978 aumentou-os em 48%.

Até o momento, o efeito tem sido irrelevante, segundo o relatório do Banco Mundial. O petróleo tornou-se menos importante e os mercados petrolíferos menos vulneráveis desde a década de 1970: a intensidade petrolífera da produção mundial diminuiu perto de 60% desde então; as fontes de abastecimento também se diversificaram; as reservas estratégicas são maiores; e a criação da Agência Internacional de Energia melhorou a coordenação.

No entanto, o petróleo continua a ser um combustível vital para os transportes. O gás natural liquefeito do Golfo também é uma parte importante do abastecimento global de gás natural. Grandes perturbações nestes fornecimentos teriam um impacto poderoso nos preços da energia, na produção mundial e no nível global de preços, nomeadamente nos produtos alimentares. Ainda estamos na era dos combustíveis fósseis. Um conflito na maior região fornecedora de petróleo do mundo poderia ser muito prejudicial.

A grande aposta é que o conflito seja contido para que os efeitos econômicos permaneçam insignificantes. Mas é possível que se espalhe e se torne muito mais grave. A agitação civil também poderá forçar os governos da região a considerar embargos. Neste momento, a grande questão é o que Israel irá fazer. Acima de tudo, até que ponto será sensato comportar-se tal como o Hamas tão evidentemente queria?

Consequências na Palestina

Ônibus estacionados na estação rodoviária central de Ramallah em 24 de outubro de 2023

Na Palestina que resta para além da Faixa de Gaza, a situação é desanimadora. O ponto central de ônibus no centro de Ramallah, na Cisjordânia central ocupada por Israel, costuma estar cheio de gente e trânsito. Mas desde 7 de outubro os ônibus estão estacionados e os motoristas ficam parados, assistindo ao noticiário, fumando cigarros e tomando café para passar o tempo, enquanto pensam em como sustentar a família.

Embora os motoristas geralmente possam ganhar entre 350 e 400 shekels (US$ 86 a US$ 98) por dia, sua renda diária caiu para cerca de 100 shekels (US$ 24). As restrições militares foram intensificadas e colonos israelenses atacam os palestinos da Cisjordânia, paralisando a região de 3 milhões de árabes.

Os principais postos de controle estão fechados, os cafés estão vazios, as salas de aula universitárias, antes lotadas, estão vazias de estudantes e os produtos nas prateleiras das lojas estão começando a diminuir. Viajar entre cidades e aldeias vizinhas tornou-se uma tarefa perigosa e difícil. Há casos de motoristas espancados com brutalidade por policiais israelenses sem motivo aparente.

Na Cisjordânia ocupada e em Jerusalém Oriental, o exército israelense intensificou seus  ataques mortais diários contra bairros, aldeias e cidades palestinas. Os assassinatos de residentes por colonos armados também se tornaram mais frequentes, deixando as pessoas num estado de medo.

Mais de 100 palestinos foram mortos pelo exército e pelos colonos nessas áreas nos últimos 21 dias. O fornecimento diário de produtos agrícolas demora até três dias para chegar de Nablus a Ramallah com vendas pela metade. As prateleiras estão vazias.

A Cisjordânia estava numa crise financeira muito antes dos recentes acontecimentos, como resultado da ocupação de 56 anos por Israel e das fortes restrições à circulação. As Nações Unidas estimaram em 2019 que a ocupação custou à economia palestina cerca de US$ 47,7 bilhões em receitas fiscais entre 2000 e 2017.

“Costumávamos importar produtos no valor de quase US$ 2 bilhões através do porto de Asdod [Ashdod] [em Israel]”, disse Rashad Yousef, chefe de política e planejamento do Ministério da Economia Nacional da Autoridade Palestiniana (AP). “Isso acabou.”

Além disso, a grande maioria dos 200 mil trabalhadores palestinos que trabalham dentro de Israel e em colonatos israelenses ilegais na Cisjordânia ocupada estão agora desempregados. “Costumávamos ganhar US$ 1,2 bilhões em salários de trabalhadores em Israel e em colonatos, o que ajudaria a economia. Esse número caiu drasticamente – apenas cerca de 5% desses trabalhadores vão trabalhar”, disse Yousef à Aljazira.

Yousef acrescentou que, antes do início da guerra, a AP esperava que o produto interno bruto (PIB) da Cisjordânia aumentasse 3% em 2023. Em vez disso, espera agora que o PIB caia nesse montante.

As fábricas estão sendo forçadas a reduzir a sua capacidade de produção porque não conseguem transportar os seus produtos para outras partes da Cisjordânia. Também há dificuldades para importar e exportar através da fronteira com a Jordânia. A AP está particularmente preocupada com a baixa oferta de produtos básicos, como óleo vegetal, arroz, farinha e açúcar.

De volta à estação rodoviária de Ramallah, Taleb, um motorista, diz que embora esteja preocupado com o futuro da Cisjordânia, a situação ainda é suportável. “Olhe para as pessoas em Gaza. Pelo menos ainda temos comida e água. Nossos filhos ainda estão seguros, vivos e brincando ao nosso redor.”

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