Empresa privada mantém 500 mil sem luz três dias após temporal em SP

Enel reduziu quadro de funcionários em 36% desde 2019. Mas o lucro cresceu 37% em 2022

Foto: Marcelo Camargo

Após as fortes chuvas da última sexta (3), a empresa de energia privada de São Paulo, a Enel, segue sem fornecer eletricidade para cerca de 500 mil imóveis da Grande São Paulo mais de 72 horas após o temporal que atingiu diversas cidades do estado.

No final de semana, o número de cidadãos que ficaram desassistidos pela companhia passou de 2 milhões. As pessoas tiveram prejuízos como o armazenamento de alimentos ou a falta de comunicação com familiares e amigos, devido as descargas nas baterias dos celulares.

Há registro de pessoas que perderam medicamentos vitais, como insulina. Em outros casos, idosos precisaram subir mais de 10 andares de escada devido ao apagão. Os problemas também atingiram os donos de comércios, como restaurantes, farmácias e mercados.

À época considerado um leilão caro até mesmo pelo mercado, a empresa italiana Enel pagou R$5,5 bilhões pelo controle da distribuição de energia para cerca de 24 municípios da região metropolitana de São Paulo, incluindo a capital, São Bernardo do Campo, Santo André, e Osasco.

Foram negociadas 122,7 milhões de ações da Eletropaulo a um valor de R$45,22, cerca de 73% de um total de 167 milhões de papéis.

Logo que foi anunciado a concretização da compra, em junho de 2018, o então presidente da Enel Brasil, Carlo Zorzoli, assumiu o compromisso de aportar R$1,5 bilhão em recursos para melhorar indicadores de qualidade do serviço. Uma balela privatista.

Passados mais de cinco anos, dados apresentados pela Enel São Paulo à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) revelam que a privatização almejada pela dupla João Dória e Bruno Covas, ambos do PSDB, mirou apenas o lucro da empresa italiana em detrimento dos maus serviços prestados pela concessionária.

Desde 2019, a  Enel já cortou 36% dos funcionários da ex-estatal de distribuição de energia de São Paulo, enquanto o volume de clientes atendidos pela distribuidora cresceu 7% na região metropolitana.

Atuando para o enxugamento no quadro de funcionários da empresa, em 2019, eram 23.835 funcionários, destes, 17.367 eram terceirizados e 6.468 próprios da empresa. No terceiro trimestre deste ano, a distribuidora contava com apenas 15.366 empregados, sendo 3.863 próprios e 11.503 terceirizados.

 20192023
Funcionários         23.835         15.366
Próprios           6.468           3.863
Terceirizados         17.367         11.503

Em 2019, a Enel SP tinha um empregado para cada grupo de 307 clientes. Hoje, cada funcionário trabalha para atender 511 consumidores. Nessa conta, cada consumidor é uma residência ou empresa – independentemente do número de ocupantes.

A redução no quadro de funcionários associada ao aumento da base de clientes levou ao questionamento sobre a capacidade da empresa de responder às situações de emergência. A previsão da companhia é que a normalização completa aconteça apenas na terça (7), quatro dias depois dos eventos climáticos.

Por conta da falta de luz, 12 escolas municipais não abriram e 77 semáforos seguem sem operar nesta segunda (6).

A Enel Brasil, que mantém operações em diversos estados brasileiros, tais como Rio de Janeiro, Ceará, Goiás, Piauí e Rio Grande do Sul, encerrou o ano de 2022 com um lucro de R$ 3,3 bilhões, o que corresponde a um  crescimento de 37% frente ao ano anterior, segundo balanço da empresa.

Para o deputado federal Orlando Silva (PCdoB), é “um absurdo” a empresa deixar mais 1,5 milhão de pessoas sem luz. “Os prejuízos são imensos, com eletrodomésticos e alimentos perdidos. Até quando esse descaso? Cadê os arautos da privatização agora?”, questionou o parlamentar.

“Mais de 24 horas depois das chuvas, diversos bairros ainda estão sem luz”, afirmou o Deputado Federal, Guilherme Boulos (PSOL). “O povo de São Paulo não pode ficar à mercê de uma empresa que, além de cobrar tarifas absurdas, não garante o mínimo de qualidade no atendimento”, postou Boulos em seu Twitter.

Um protesto está agendado para às 14h desta segunda (6) no vão livre do Masp. “Não podemos ficar calados. Vamos denunciar os culpados e esse modelo que deixa o país e o Estado vulneráveis diante de qualquer anormalidade”, dizem os organizadores.

Privatizações são revertidas pelo mundo após fracasso nos serviços

Especialistas advertem que experiências de privatização demonstram que a venda do patrimônio público traz consequências negativas para a população.

Entre os impactos, as sucessivas pioras piora na qualidade dos serviços ofertados pelas empresas e o aumento das tarifas chamam a atenção, em especial quando se trata de áreas estratégicas, como saneamento, transporte e energia.

No Rio de Janeiro, por exemplo, após a venda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), o percentual de tratamento de esgoto caiu 7%, entre 2020 e 2021, e cresceu a quantidade de reclamações por falta d’água.

Em Alagoas, Ceará, Rio Grande do Sul e Manaus, a população lida com a diminuição de cobertura de água tratada, altas tarifas e falta de transparência por parte das empresas.

Em Ouro Preto, município da região Central de Minas Gerais, moradores lutam pela remunicipalização do tratamento e da distribuição de água. Eles relatam que, desde que a empresa privada Saneouro passou a ser responsável pelo serviço, a população convive com cortes de abastecimento e cobranças de tarifas abusivas.

Ao mesmo tempo, é possível notar que, mundialmente, há uma onda de reestatização de empresas responsáveis por serviços essenciais. É o caso, por exemplo, do setor elétrico francês e de gás alemão, que foram reestatizados em 2022.

Dados da Public Futures, demonstram que 1.601 empresas já foram reestatizadas ao redor do mundo. A maioria delas atuam no fornecimento de água potável e tratamento de esgoto

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