Relatório aponta falhas em investigações da Operação Escudo no litoral paulista

Human Rights Watch aponta negligência nos protocolos de investigação das 28 mortes cometidas por policiais. A entidade fez uma análise detalhada. Em 12 dos 26 casos, os policiais foram ouvidos em grupos

Foto: reprodução de redes sociais

Um relatório da Organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW), divulgado nesta terça-feira (7), revelou graves deficiências nas investigações das mortes ocorridas durante a Operação Escudo, deflagrada após o assassinato do soldado PM da Rota, Patrick Bastos Reis. O soldado fazia patrulhamento na Vila Julia, em Guarujá, no litoral paulista, quando foi morto em 28 de julho deste ano. A operação, que durou 40 dias, resultou em 28 mortes e 958 prisões.

O relatório, intitulado “Prometem Matar 30: Assassinatos de Polícia na Baixada Santista, Estado de São Paulo, Brasil,” aponta que as medidas iniciais tomadas pela Polícia Civil e Forense para investigar as 28 mortes durante a Operação Escudo foram inadequadas e não cumpriram padrões internacionais. A HRW conduziu uma análise detalhada, incluindo a revisão de 26 boletins de ocorrência, fotografias, 15 laudos necroscópicos e entrevistas com autoridades e membros da comunidade, incluindo uma vítima de agressão policial e familiares de três vítimas fatais.

A ONG destacou várias falhas nas investigações. Em 12 dos 26 casos, os depoimentos dos policiais militares foram colhidos em grupos, dificultando a verificação independente das versões apresentadas. Em seis casos, a Polícia Civil pareceu antecipar o resultado da investigação, concluindo, apenas com base nos depoimentos dos policiais, que a PM havia agido em legítima defesa.

Além disso, o relatório apontou a falta de solicitação de perícia em alguns casos e a ausência de exames residuográficos para determinar qual policial atirou na vítima e se esta estava armada. Em sete casos, os corpos chegaram sem roupas para o laudo necroscópico, prejudicando a análise das circunstâncias da morte.

A HRW também questionou a transparência das autoridades ao mencionar que pediu informações sobre as medidas investigativas tomadas, mas o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, e o delegado-geral da Polícia Civil, Artur Dian, não responderam às solicitações da pesquisa.

Dentre as principais falhas apontadas pela ONG estão:

  1. Colheita de depoimentos de policiais militares em grupos, em vez de individualmente, dificultando a verificação independente das versões apresentadas.
  2. Depoimentos breves e carentes de detalhes quando realizados individualmente.
  3. Aparente intenção de antecipar o resultado da investigação, com conclusões baseadas apenas nos depoimentos dos policiais envolvidos, alegando que a PM havia agido em legítima defesa.
  4. Solicitação de perícia em apenas 16 dos 26 boletins analisados, com ausência de solicitação de perícia em seis casos.
  5. Corpos chegando ao Instituto Médico Legal (IML) sem roupas relevantes para a autópsia em pelo menos sete casos.
  6. Falta de solicitação de exame residuográfico para determinar qual policial atirou na vítima em muitos casos.

A HRW também enviou as autópsias de 15 vítimas a peritos forenses internacionais, que concluíram que os exames dos mortos “são ineficazes e não cumprem os padrões mínimos aceitáveis na investigação de mortes relacionadas com armas de fogo no contexto da ação policial.”

O Ministério Público (MP) informou que, embora os policiais usassem câmeras corporais em 10 ações relacionadas às primeiras 16 mortes, imagens foram registradas em apenas 6 destes casos. Em 4 casos, as câmeras estavam sem bateria ou apresentaram problemas técnicos e não gravaram. Posteriormente, as gravações de outros 3 casos foram enviadas ao MP, totalizando 9 casos das 28 mortes com gravações.

Diante dessas revelações, a Secretaria Pública do Estado de São Paulo respondeu, afirmando que a Operação Escudo é um protocolo da PM acionado para restaurar a ordem e a sensação de segurança da população após ataques a agentes de segurança. A SSP-SP também alegou que os laudos oficiais das mortes, elaborados pelo IML, seguiram rigor técnico e isenção nos termos da lei, sem indicar sinais de tortura ou incompatibilidade com os episódios relatados.

Em relação às câmeras corporais, a SSP-SP alegou que, durante os 40 dias da operação, foram presos 976 criminosos, dos quais 388 eram procurados da Justiça, além da apreensão de 119 armas ilegais e quase uma tonelada de entorpecentes. Todos os casos de morte decorrente de intervenção policial estão sendo investigados pela Polícia Civil e pela PM.

A Ouvidoria das Polícias informou que está investigando denúncias de tortura e ameaças de morte relatadas por moradores durante a Operação Escudo. A questão das alegações de violência policial e irregularidades nas investigações levanta sérias preocupações e destaca a necessidade de um escrutínio completo e independente sobre as mortes durante a operação.

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