Relatório aponta falhas em investigações da Operação Escudo no litoral paulista
Human Rights Watch aponta negligência nos protocolos de investigação das 28 mortes cometidas por policiais. A entidade fez uma análise detalhada. Em 12 dos 26 casos, os policiais foram ouvidos em grupos
Publicado 09/11/2023 18:39 | Editado 10/11/2023 16:00
Um relatório da Organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW), divulgado nesta terça-feira (7), revelou graves deficiências nas investigações das mortes ocorridas durante a Operação Escudo, deflagrada após o assassinato do soldado PM da Rota, Patrick Bastos Reis. O soldado fazia patrulhamento na Vila Julia, em Guarujá, no litoral paulista, quando foi morto em 28 de julho deste ano. A operação, que durou 40 dias, resultou em 28 mortes e 958 prisões.
O relatório, intitulado “Prometem Matar 30: Assassinatos de Polícia na Baixada Santista, Estado de São Paulo, Brasil,” aponta que as medidas iniciais tomadas pela Polícia Civil e Forense para investigar as 28 mortes durante a Operação Escudo foram inadequadas e não cumpriram padrões internacionais. A HRW conduziu uma análise detalhada, incluindo a revisão de 26 boletins de ocorrência, fotografias, 15 laudos necroscópicos e entrevistas com autoridades e membros da comunidade, incluindo uma vítima de agressão policial e familiares de três vítimas fatais.
A ONG destacou várias falhas nas investigações. Em 12 dos 26 casos, os depoimentos dos policiais militares foram colhidos em grupos, dificultando a verificação independente das versões apresentadas. Em seis casos, a Polícia Civil pareceu antecipar o resultado da investigação, concluindo, apenas com base nos depoimentos dos policiais, que a PM havia agido em legítima defesa.
Além disso, o relatório apontou a falta de solicitação de perícia em alguns casos e a ausência de exames residuográficos para determinar qual policial atirou na vítima e se esta estava armada. Em sete casos, os corpos chegaram sem roupas para o laudo necroscópico, prejudicando a análise das circunstâncias da morte.
A HRW também questionou a transparência das autoridades ao mencionar que pediu informações sobre as medidas investigativas tomadas, mas o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, e o delegado-geral da Polícia Civil, Artur Dian, não responderam às solicitações da pesquisa.
Dentre as principais falhas apontadas pela ONG estão:
- Colheita de depoimentos de policiais militares em grupos, em vez de individualmente, dificultando a verificação independente das versões apresentadas.
- Depoimentos breves e carentes de detalhes quando realizados individualmente.
- Aparente intenção de antecipar o resultado da investigação, com conclusões baseadas apenas nos depoimentos dos policiais envolvidos, alegando que a PM havia agido em legítima defesa.
- Solicitação de perícia em apenas 16 dos 26 boletins analisados, com ausência de solicitação de perícia em seis casos.
- Corpos chegando ao Instituto Médico Legal (IML) sem roupas relevantes para a autópsia em pelo menos sete casos.
- Falta de solicitação de exame residuográfico para determinar qual policial atirou na vítima em muitos casos.
A HRW também enviou as autópsias de 15 vítimas a peritos forenses internacionais, que concluíram que os exames dos mortos “são ineficazes e não cumprem os padrões mínimos aceitáveis na investigação de mortes relacionadas com armas de fogo no contexto da ação policial.”
O Ministério Público (MP) informou que, embora os policiais usassem câmeras corporais em 10 ações relacionadas às primeiras 16 mortes, imagens foram registradas em apenas 6 destes casos. Em 4 casos, as câmeras estavam sem bateria ou apresentaram problemas técnicos e não gravaram. Posteriormente, as gravações de outros 3 casos foram enviadas ao MP, totalizando 9 casos das 28 mortes com gravações.
Diante dessas revelações, a Secretaria Pública do Estado de São Paulo respondeu, afirmando que a Operação Escudo é um protocolo da PM acionado para restaurar a ordem e a sensação de segurança da população após ataques a agentes de segurança. A SSP-SP também alegou que os laudos oficiais das mortes, elaborados pelo IML, seguiram rigor técnico e isenção nos termos da lei, sem indicar sinais de tortura ou incompatibilidade com os episódios relatados.
Em relação às câmeras corporais, a SSP-SP alegou que, durante os 40 dias da operação, foram presos 976 criminosos, dos quais 388 eram procurados da Justiça, além da apreensão de 119 armas ilegais e quase uma tonelada de entorpecentes. Todos os casos de morte decorrente de intervenção policial estão sendo investigados pela Polícia Civil e pela PM.
A Ouvidoria das Polícias informou que está investigando denúncias de tortura e ameaças de morte relatadas por moradores durante a Operação Escudo. A questão das alegações de violência policial e irregularidades nas investigações levanta sérias preocupações e destaca a necessidade de um escrutínio completo e independente sobre as mortes durante a operação.