Ouvidor suspeita que sumiço de imagens oculta abusos da PM

Ouvidor das Policias de São Paulo, Claudio Aparecido da Silva, diz ao Portal Vermelho que o uso das câmeras de segurança é obrigatório, mas as imagens da Operação Escudo sumiram, indicando ocultação dos abusos da PM

O secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, em visita a local de atuação da Operação Escudo, na Baixada Santista. Foto SSP-SP

O ouvidor da polícia de São Paulo, Claudio Aparecido da Silva, afirma não conseguir acesso às câmeras corporais dos policiais que participaram da Operação Escudo, ocorrida na Baixada Santista (SP), desde 28 de julho. Embora a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo justifique a operação letal da Polícia Militar por supostos confrontos violentos entre polícia e criminosos, as imagens não são disponibilizadas para comprovar.

A Operação Escudo foi deflagrada após o assassinato do soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Patrick Bastos Reis, baleado no dia 27 de julho em Guarujá, e matou 16 pessoas. Desde então, os moradores da comunidade pedem socorro e relatam casos de invasões de casas, ocupações de barraco, agressões, torturas e homens arrastados e executados. Com isso, a Ouvidoria das Polícias tem denunciado o clima de terror e vingança instaurado nas comunidades do litoral, pela Operação, sob a alegação de sufocar o crime organizado.

Em entrevista ao Portal Vermelho, o ouvidor Claudio Aparecido da Silva atualizou o acompanhamento que tem feito no território, assim como as ameaças que têm sofrido pelo trabalho de questionar os supostos abusos policiais. Como muitas outras entidades da sociedade civil, ele defende a suspensão imediata da operação, mas tem sido ignorado pela Secretaria de Segurança Pública.

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Por isso, ele desafia o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) a abrir um diálogo com os moradores do Guarujá, e questionar a efetividade da operação que o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, defende. Claudio até acredita que o “ímpeto homicida da Operação Escudo” arrefeceu, mas continua registrando ilegalidades e abusos de autoridade ao aterrorizar as famílias das comunidades pobres.

Mas o que mais chama a atenção da Ouvidoria é a falta de acesso às imagens gravadas pelo equipamento obrigatório dos policiais, o que o leva a desconfiar de ocultação de abusos pela corporação. Cláudio diz que cenas de crimes não foram preservadas, o que prejudica os laudos periciais; e nem todos os policiais usavam câmera, pois estariam defeituosas, sem bateria ou não gravaram. 

O servidor pediu ao Portal Vermelho para divulgar que a Ouvidoria da Polícia continua aberta para os reclamos da população, especialmente nesse caso da Baixada Santista, colocando os canais do órgão à disposição.

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“Nós temos um telefone 08000-17-70-70 e temos também um e-mail que é [email protected] que estão à disposição da população para receber mais informações, materiais como vídeos, fotos e reclamações, inclusive garantindo total sigilo da fonte”, afirmou.

Leia a íntegra da entrevista:

Como está a Operação Escudo no Guarujá? Como o senhor está acompanhando tudo? 

Claudio Aparecido – A nossa posição é pela suspensão imediata da operação. E nós temos várias razões pra defender essa posição. Uma razão é que a operação é muito letal e letalidade não oferece segurança para a população. Esse é um aspecto. Outro aspecto é que não param de chegar denúncias de policiais invadindo casas, esculachando as pessoas, maltratando, agredindo e também destruindo cenas de crime, uma vez que os locais, boa parte dos locais onde ocorreram as mortes, não foram preservados para a devida perícia técnica.

Então a gente avalia que a Operação Escudo, além de continuar praticando ilegalidades, atua na contramão das normas vigentes no nosso país e das legislações que garantem proteção e cidadania para as pessoas. 

A pressão está surtindo efeito? Afinal, eles disseram que vão prolongar a operação. 

Claudio Aparecido – Eu não acho que a arrogância do secretário de Segurança permita que ele consiga ter humildade de escutar o ouvidor e as instituições de direitos humanos. Penso que o governador esteja descontextualizado sobre tudo o que está acontecendo lá.

Inclusive, o meu desafio para o governador é que ele possa ouvir as pessoas da Baixada. E não ficar ouvindo só o secretário de Segurança, já que ele não topa nos ouvir, nem às instituições de direitos humanos. Que ele ouça as pessoas, as comunidades, que ele vá lá, para ver se a gente consegue sensibilizá-lo, de alguma forma. Pra ver se a gente consegue que ele ouça um outro lado dessa história, que não só a versão do secretário, que diz que a operação está “um amplo sucesso”. 

Na minha opinião não está “um amplo sucesso”. Nós temos diversos casos de morte, por exemplo, que demonstram que não tem sucesso na operação. A história de um morador de rua — usuário de crack, aqui em São Paulo —, que nunca foi pro Guarujá, não tinha nenhum motivo pra ir ao Guarujá, não conhecia ninguém lá e apareceu ali com duas pistolas e uma quantidade enorme de drogas, como se fosse um traficante super perigoso, sabe? Uma pessoa em situação de rua!

Essas histórias demonstram pra nós que a operação não tem qualquer efetividade, ao contrário. A operação faz com que o nosso aparato de segurança pública seja cada vez mais descredibilizado pelas pessoas que mais precisam das políticas públicas, que são os mais pobres, os mais carentes. Isso não é bom nem para as instituições constituídas e nem para o governo do estado. 

Depois daquele número de pessoas mortas, houve um arrefecimento da letalidade. O senhor acha que foi por causa da pressão? 

Claudio Aparecido – Primeiro, eu acho que a gente não tem que dar de barato que são apenas 16 mortes. Eu tenho muito cuidado pra falar sobre mortes, porque são pessoas, né? Então a gente precisa ter muito cuidado. É importante considerar que a operação ainda está em curso, e as pessoas não podem, não querem, estão com medo de falar sobre uma série de questões. Acho que nesse bojo entram também as mortes. 

Mas, de qualquer forma, eu considero, sim, que houve uma arrefecida no ímpeto homicida da operação. Porém, a operação continua atuando e praticando a ilegalidade, segundo as informações que nos chegam através dos moradores, lideranças e ativistas da Baixada Santista.

Até o domingo, dia 30, a opinião pública não estava olhando para a operação como ela é. Até então, entendia-se apenas que havia uma operação para enfrentar o crime que tinha matado um policial, e não uma operação que estava matando uma série de pessoas que não tinha nada a ver com a situação. 

Ainda assim, a gente defende que, mesmo os que tinham alguma ilegalidade cometida — como atirar no policial —, deveriam ser presos, e não mortos. Houve esse arrefecimento homicida da operação, porém, do ponto de vista das ilegalidades e das agressões, continuam sendo cometidas contra aquela população, que está assustada, com medo e se sentindo insegura.

Fale-me sobre essas ameaças que o senhor sofreu. O senhor registrou isso tudo. Como tem repercutido? 

Claudio Aparecido – Eu tenho certeza que existem mais ameaças, do que as que eu tenho conhecimento. As que chegaram ao meu conhecimento com algum conteúdo de prova, eu fiz boletim de ocorrência. Eu fiz dois boletins de ocorrência: um em relação a uma manifestação racista e uma ameaça objetiva contra a minha vida em um grupo de policiais penais. 

E outras ameaças sobre uma ligação muito esquisita que a ouvidoria recebeu. Pessoas que atuam na ouvidoria foram indagadas sobre questões relacionadas à minha dinâmica de trabalho, ao meu cotidiano, perguntando sobre o carro que o ouvidor usa, a placa do carro, a cor do carro, o modelo do carro, se o ouvidor teria agenda, se a escolta do ouvidor era de policiais civis ou de militares, perguntas assim bem capciosas, sabe?

Mas o senhor sabe quem fez isso? 

Claudio Aparecido -Conseguimos levantar o número do telefone da pessoa que fez a ligação e está sendo apurado. Tem informações dessa investigação que eu não posso passar, mas a polícia já caminhou bem sobre esse caso. 

O senhor avalia que essas ameaças estão relacionadas ao incômodo que esse trabalho tem gerado? 

Claudio Aparecido – Não tenho nenhuma dúvida. Se estão ocorrendo incômodos em relação a nossa atuação, imagino que a nossa atuação não esteja equivocada e está no rumo certo. 

Mas como que isso bate para o senhor e sua família?

Claudio Aparecido – Primeiro, que a gente acha um absurdo no de 2023, as pessoas ainda não estarem acostumadas a conviverem com os órgãos de proteção, defesa e controle externo das atividades públicas, inclusive a policial. É um absurdo a gente ainda conviver com essa insatisfação em relação ao outro lado do olhar. Lógico, temos tomado todas as providências de proteção, porque sabemos que, efetivamente, isso pode acontecer. A gente vive uma condição política bastante delicada, em razão do acirramento de posicionamentos e da mobilização de sentimentos absurdos de pessoas contra pessoas.

Estamos tomando todas as providências e os cuidados. Informamos o governador e pedimos reforço da nossa segurança. Informamos a Secretaria de Segurança Pública e pedimos reforço da nossa segurança. Informamos também o Ministro da Justiça e o Ministro de Direitos Humanos e estamos dando continuidade ao trabalho. 

Isso não intimida? 

Claudio Aparecido – Não, não intimida de forma alguma. Ao contrário, isso nos dá mais força e a certeza de que a gente está no caminho certo. 

Sobre as câmeras dos policiais. Vocês tiveram acesso?

Claudio Aparecido – Não, a Ouvidoria não teve acesso às câmeras. Isso é um dos motivos que nos leva a acreditar na possibilidade de estarem ocorrendo ilegalidades e abusos na ação. Quando se tem legalidade e tecnicidade na ação, como disse o secretário de Segurança, a gente não tem receio de apresentar toda a transparência que o caso requer. 

A gente avalia que essa postura de não preservar cenas de crimes prejudica os laudos de local que seriam conteúdo de prova. Não apresentar as câmaras corporais, não ter todos os policiais usando câmaras corporais, apresentar algumas câmaras argumentando que estavam com defeito, ou que não estavam gravando, ou que não estavam com bateria… Todas essas nuances levam a crer que tem alguma coisa que precisa ser escondida para não desqualificar ou não deslegitimar o discurso do secretário de Segurança Pública. Isso é muito grave, na nossa opinião. 

É sempre bom lembrar que essa tecnologia usada no estado de São Paulo, nas câmeras corporais, é a mesma tecnologia usada naquela que é considerada “a polícia mais eficaz do mundo”, que é a de Londres. É também a mesma tecnologia usada na polícia de Nova York e na polícia de Chicago.

Nós não estamos falando de uma tecnologia desqualificada, mas de uma super tecnologia, — que inclusive é usada na Nasa —, e então não tem justificativa para as imagens dos ocorridos não aparecerem.

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