Economistas alertam para “devastação” em eventual vitória de Milei na Argentina

Novo manifesto de economistas estrangeiros se alia aos 600 argentinos que apontam riscos da dolarização, da redução dos gastos e da privatização

Apoiadores de Milei espalham cédulas de dólar com o rosto dele, destacando sua proposta de abandono do peso e das políticas monetárias do Banco Central

A apenas 11 dias do segundo turno das eleições presidenciais argentinas, a figura do candidato Javier Milei, representando o partido A Liberdade Avança (LLA), tem chamado a atenção internacional. Milei, um ultradireitista que prega medidas radicais para reverter a crise econômica no país, recebeu recentemente um alerta contundente de mais de 100 economistas renomados contra suas políticas.

Economistas de renome internacional expressaram sérias preocupações em relação ao programa econômico do candidato presidencial argentino Javier Milei, alertando para os potenciais danos que suas propostas ultraliberais poderiam causar à economia do país. Mais de 100 acadêmicos, intelectuais e políticos, incluindo figuras proeminentes como Jayati Ghosh, Branko Milanovic, Thomas Piketty e José Antonio Ocampo, assinaram um documento conjunto destacando as implicações negativas das ideias defendidas por Milei.

O texto, intitulado “Os Perigos do Programa Econômico de Javier Milei na Argentina”, foi divulgado a menos de duas semanas do segundo turno das eleições, marcado para 19 de novembro. Este segundo turno decidirá se Milei, um economista ultraliberal adepto da Escola Austríaca, ou Sergio Massa, defensor dos princípios básicos do peronismo, assumirá a presidência em um momento crítico para o país, com uma inflação anual de 140% e alta taxa de pobreza.

Na carta conjunta, expressaram preocupação com a possibilidade de uma vitória de Milei causar “devastação” na já fragilizada economia argentina. O candidato obteve uma expressiva votação nas prévias eleitorais e ficou em segundo lugar no primeiro turno. Pesquisas eleitorais recentes apontam uma disputa acirrada. O excêntrico economista recebeu o apoio de dois conservadores proeminentes: a terceira candidata mais votada, Patricia Bullrich, e o ex-presidente Mauricio Macri, que agravou a crise econômica. Além disso, a escassez de combustível das últimas semanas prejudicou a campanha de Sergio Massa.

Milei defende propostas como o fechamento do Banco Central, a substituição do peso argentino pelo dólar americano, o fechamento de empresas públicas e a retirada da Argentina do Mercosul. Seu discurso, caracterizado por críticas às elites e apelos por rupturas, atraiu um número significativo de eleitores descontentes. Os economistas dizem que as propostas de Milei são apresentadas como “uma saída radical para o pensamento econômico tradicional”, mas dizem que, na verdade, elas se baseiam em receitas velhas do “laissez-faire econômico”, o neoliberalismo, que já causou enormes danos à economia e à população argentina.

No documento, os economistas alertam que, embora soluções aparentemente simples possam ter apelo imediato, elas podem causar mais danos no curto prazo e reduzir significativamente o espaço para políticas de longo prazo.

Entre as propostas controversas de Milei estão a dolarização da economia, argumentando que o peso argentino “não vale nada”, e a redução drástica do papel do Estado. Os economistas reconhecem que a dolarização pode parecer tentadora diante da inflação desenfreada, mas advertem que a escassez de reservas cambiais tornaria a taxa de conversão inicial do peso em dólar tão alta que geraria mais inflação. Os economistas argumentam que a dolarização pode levar a efeitos colaterais prejudiciais, incluindo uma diminuição dos salários reais e a perda da soberania monetária.

Os economistas enfatizam que a experiência passada da Argentina com a “protodolarização” dos anos 1990, quando o peso foi equiparado ao dólar, resultou em ilusões de estabilidade seguidas por uma crise econômica ainda maior em 2001. A redução do gasto público proposta por Milei também é criticada, pois poderia agravar os já elevados níveis de pobreza e desigualdade na Argentina, potencialmente gerando tensões sociais significativas. Os economistas destacam que o modelo “laissez-faire” pressupõe erroneamente que os mercados não regulamentados são benignos, ignorando as falhas inerentes a eles.

Os 108 signatários da carta, que incluem acadêmicos, intelectuais e políticos, alertam para os perigos dessas ideias ultraliberais, especialmente considerando o histórico argentino de crises financeiras e inflação elevada. Eles concluem que a população argentina precisa estar ciente dos potenciais impactos negativos das propostas de Milei e da importância de considerar alternativas mais equilibradas para o desenvolvimento econômico do país.

Jayati Ghosh, uma das signatárias e secretária executiva da International Development Economics Associates (IDEAS), enfatiza a necessidade de políticas econômicas concebidas para catalisar investimento privado e público e promover a inclusividade. Ghosh acredita que as propostas de Milei são perigosas e podem levar a mais sofrimento para a população argentina, enfatizando a importância de conscientização sobre as implicações dessas medidas extremas.

Entre os signatários, destacam-se economistas com vasta experiência internacional, ligados ao estudo da pobreza e da desigualdade. Eles ressaltam que a abordagem defendida por Milei pressupõe que os mercados funcionam perfeitamente sem intervenção governamental, mas alertam que mercados não regulamentados podem resultar em falhas, como demonstrado por crises econômicas anteriores. A carta destaca a importância de políticas econômicas diferenciadas e multifacetadas que reconheçam as necessidades de diferentes grupos sociais. Além disso, os economistas afirmam que a abordagem laissez-faire proposta por Milei ignora as complexidades das economias modernas e as lições aprendidas com crises históricas.

O alerta dos economistas se junta a outras críticas feitas por líderes argentinos de diversas áreas, incluindo economia, cultura e ciência. O documento foi divulgado em um momento crucial, quando os argentinos se preparam para decidir entre as visões divergentes de Milei e Massa, representando uma escolha entre propostas econômicas extremas e a busca por estabilidade e inclusão social.

A carta dos economistas reforça o cenário de polarização política na Argentina e a crescente preocupação internacional sobre os rumos econômicos do país sul-americano.

600 economistas argentinos

O Grupo de Economia Política para a Argentina (EPPA) lançou uma petição contundente assinada por 600 economistas, contestando veementemente as propostas consideradas explosivas do candidato presidencial Javier Milei. Em um momento crucial para o país, a petição destaca a importância de uma “ampla unidade nacional” e expressa apoio a Sergio Massa como presidente, afirmando que em 19 de novembro de 2023, “dois modelos de país estão em jogo”.

Os economistas da EPPA analisaram as crises econômicas e episódios de inflação elevada que marcaram a história argentina desde 1976, especialmente após a última ditadura civil-militar. Contrariando as propostas de Milei, o grupo enfatiza que a solução não é a dolarização, mas sim a recuperação da moeda nacional, investimento na produção e salários.

O documento destaca a experiência da sociedade argentina diante de desvalorizações significativas, mencionando especificamente a hiperinflação no período de 1989 a 1991. A resposta àquela crise foi a convertibilidade, a paridade de um a um entre o peso e o dólar. No entanto, o documento argumenta que essa medida resultou em uma distribuição regressiva de renda, levando à privatização de empresas públicas, endividamento externo e uma abertura indiscriminada às importações, resultando no fechamento de empresas e aumento do desemprego e da pobreza.

A EPPA ressalta que, após o colapso desse modelo em 2001, a solução não foi a dolarização, como proposto por alguns setores, mas sim a recuperação da moeda nacional, do crédito, crescimento econômico, recomposição salarial e estabilidade macroeconômica. O documento também destaca os anos de crescimento durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner, com a criação de empresas, aumento de salários e aposentadorias, e um período de alívio da dívida, que foi revertido durante o governo de Mauricio Macri.

A petição adverte sobre as propostas de Milei, destacando que a instituição do dólar como moeda legal ou a consolidação de uma economia bimonetária resultaria em uma megadesvalorização, prejudicando salários e pensões e levando à desindustrialização do país, ampliando o desemprego e a pobreza.

Entre os signatários da petição da EPPA estão nomes proeminentes, como Carlos Heller, Eduardo Basualdo, Ricardo Aronskind, Paula Español e outros, todos alinhados na visão de que a abordagem de Milei representa uma ameaça significativa à estabilidade econômica e social da Argentina. À medida que a eleição se aproxima, a petição da EPPA adiciona uma voz poderosa ao coro de vozes que buscam influenciar o destino econômico do país.

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