65,7% dos mortos pela polícia em 2022 eram negros, aponta pesquisa

Percentual equivale a 4.219 vítimas. Pesquisa analisou dados sobre mortes em ações policiais de oito estados brasileiros. Bahia lidera no número de óbitos.

Foto: Fernando Fazão/Agência Brasil

Um estudo da Rede de Observatórios da Segurança do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), realizado em oito estados brasileiros, expõe a alta letalidade policial que afeta majoritariamente a população negra. Os números revelam que, em 2022, 65,7% das 4.219 vítimas mortas pela polícia eram consideradas negras pelas autoridades. A pesquisa Pele Alvo: a Bala não Erra o Negro, divulgada nesta quinta-feira (16), apontou uma disparidade ainda mais preocupante quando considerados apenas os casos com cor/raça informada, chegando a assombrosos 87,4% (3.171).

Com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), dos estados analisados ​​- Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Ceará, Piauí, Maranhão e Pará, apenas o Maranhão não informou a cor/raça das vítimas. Já os estados do Ceará e Pará, a falta de identificação de cor/raça atinge percentuais alarmantes de 69,7% e 66,2%, respectivamente. A Bahia liderou como o estado mais letal, com 1.465 mortos em 2022 (1.183 tinham cor/raça informada), sendo que 94,8% (1.121) daqueles com cor/raça informada eram negros, ultrapassando significativamente a proporção da população negra no estado (80,8%).

O estudo ressalta que o problema vai além das estatísticas, deixando claro que o racismo estrutural é o principal fator para a disparidade nas mortes pela polícia. Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), destacou a dificuldade em obter dados transparentes e ressaltou que essa ausência revela uma face do racismo, onde a falta de evidências parece anular a necessidade de políticas públicas eficazes.

“Quando se comparam essas cifras com o perfil da população, vê-se que tem muito mais negros entre os mortos pela polícia do que existe na população. Esse fator é facilmente explicado pelo racismo estrutural e pela anuência que a sociedade tem em relação à violência que é praticada contra o povo negro”, disse à Agência Brasil. “A dificuldade de ser transparente com esses dados também revela outra face do racismo, que é a face de não ser tratado com a devida preocupação que deveria. Se a gente não tem dados para demonstrar o problema, a gente ‘não tem’ o problema e, se ‘não há’ problema, políticas públicas não precisam ser desenhadas”, continuou.

Em sua quarta edição, a pesquisa também evidencia a constante letalidade policial contra pessoas negras, sem perspectiva de mudança significativa. Silvia Ramos, pesquisadora da rede, enfatiza a necessidade de considerar essas características como uma questão política e social, afirmando que as mortes geram prejuízos não só para as vítimas, mas também para as próprias instituições policiais.

“Em quatro anos de estudo, mais uma vez, o número de negros mortos pela violência policial representa a imensa maioria. E a constância desse número, ano a ano, ressalta a estrutura violenta e racista na atuação desses agentes de segurança nos estados, sem apontar qualquer perspectiva de real mudança de cenário”, falou. “As mortes em ação também trazem prejuízos às próprias corporações que as produzem. Precisamos alocar recursos que garantam uma política pública que efetivamente traga segurança para toda a população”, completa. 

Diante dessas revelações, os órgãos de segurança pública se manifestaram através de notas. A Secretaria de Segurança de São Paulo destaca intervenções técnicas e cursos antirracistas para a Polícia Militar, enquanto a Polícia Civil paulista busca diretrizes objetivas sem discriminação racial. A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) informa redução de 22% nas mortes por intervenção policial em 2023 e enfatiza a não obrigatoriedade do preenchimento do campo “raça/cor”, sendo a informação de natureza declaratória por parte de parentes ou da vítima no momento do registro. A Bahia, por sua vez, afirma investir em capacitação e novas tecnologias para reduzir a letalidade policial.

Já no Rio de Janeiro, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar destaca, com prioridade absoluta, a inclusão de disciplinas como direitos humanos, ética, direito constitucional e leis especiais nos cursos de formação e aperfeiçoamento dos agentes. A questão racial perpassa, de forma muito incisiva, por todas essas doutrinas na formação dos quadros da corporação.

A assessoria diz ainda que, internamente, a PM do Rio tem feito a sua parte para enfrentar o desafio do racismo estrutural ao longo de mais de dois séculos, sendo a primeira corporação a oferecer a agentes pretos uma carreira de Estado, e hoje mais de 40% do seu efetivo é composto por afrodescendentes.

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com informações da Agência Brasil

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