Enquanto Brasil luta contra desigualdades, OCDE quer travas às políticas sociais

Instituição criticou investimentos em saúde e educação. Governo segue com agenda de combate às desigualdades e usará presidência do G20 para defender medidas em nível global

Lula na Índia, após presidência do G20 ser passada ao Brasil, em setembro. Foto: Ricardo Stuckert

Com uma agenda voltada ao combate à fome e às desigualdades com desenvolvimento e respeito ambiental, o Brasil assumiu, durante um ano, a presidência rotativa do G20. E, em busca de colocar em prática essas diretivas, o Ministério das Relações Exteriores teria excluído a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) da lista de instituições que contribuirão com a presidência do G20 no próximo ano. Ao mesmo tempo, incluiu o Banco dos Brics. 

A informação sobre o rearranjo dessas instituições foi dada pelo portal Poder 360 e, uma vez confirmada, converge com a visão que o Brasil tem defendido de colocar o combate às desigualdades, casado à luta ambiental, no centro das iniciativas globais, permitindo assim o avanço socioeconômico dos países pobres e em desenvolvimento de maneira soberana. 

Na cerimônia que marcou a passagem da presidência do G20 da Índia para o Brasil, em 10 de setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva salientou esses objetivos e criticou organismos internacionais que ainda não refletem a nova realidade multilateral internacional. “Nossa atuação conjunta nos permitiu enfrentar os momentos mais críticos, mas foi insuficiente para corrigir os equívocos estruturais do neoliberalismo. A arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas”, declarou. 

Lula disse, ainda, que “vivemos num mundo em que a riqueza está mais concentrada. Em que milhões de seres humanos ainda passam fome. Em que o desenvolvimento sustentável está sempre ameaçado. Em que as instituições de governança ainda refletem a realidade de meados do século passado. Só vamos conseguir enfrentar todos esses problemas se tratarmos da questão da desigualdade”. E é neste sentido que as visões do Brasil e da OCDE podem se chocar.

Travas neoliberais

Criada em 1960, a organização conta, atualmente, com 38 países e mantém relações com outros 70. Em 2017, sob Michel Temer, foi enviado um pedido de adesão do Brasil à OCDE. Desde que Lula assumiu, o processo está sob análise. 

Entre os objetivos da organização — segundo informa o site do Conselho Administrativo de Defesa Econômica — estão “fomentar a boa governança estatal e empresarial, o desenvolvimento social e o crescimento econômico por meio de cooperação institucional e política, assim como a utilização de mecanismos de monitoramento”.

No entanto, é importante salientar que o organismo é guiado pela visão de mercado, neoliberal, e defende medidas que muitas vezes acabam restringindo o crescimento de países e a implantação de políticas públicas em benefício da população.

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Isso fica claro, por exemplo, em seus relatórios. No mais recente, divulgado no começo desta semana, a OCDE opinou que a dívida pública brasileira continuará a crescer, podendo atingir 90% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2047, criticou o aumento das aposentadorias de acordo com o salário mínimo e os gastos em saúde e educação, que estão ligados ao crescimento da receita. 

“A indexação [das aposentadorias ao salário mínimo] levou a um aumento considerável nas despesas obrigatórias e à redução do espaço fiscal”, disse, ignorando que sem esse mecanismo, os  benefícios ficariam ainda mais baixos do que já são. 

Além disso, a OCDE apontou: “Embora garantir financiamento suficiente para a saúde, a educação e a segurança social seja compreensível a partir de uma política social perspectiva, isso limita a flexibilidade da política fiscal [das contas públicas] para dar conta das mudanças demográficas ou ajustar-se a choques econômicos adversos”. 

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Para piorar, defendeu uma reforma administrativa para a redução dos gastos em até 8% do PIB em dez anos — o que atingiria diretamente os serviços públicos que atendem toda a população, sobretudo a mais vulnerável. 

Reações

No programa semanal “Conversa com o Presidente”, desta terça-feira (19), Lula criticou a posição da OCDE: “Vou aproveitar para chamar eles, ano que vem, para tomar um café e mostrar que a previsão deles estava errada. O Brasil vai crescer. Os investimentos que estamos fazendo vão ajudar o Brasil a crescer”, afirmou.

A presidenta do PT e deputada federal pelo Paraná, Gleisi Hoffmann, também reagiu, pelas redes sociais, ao comunicado da instituição: “Em março, a OCDE reduziu o crescimento do Brasil em 2023 de 1,2% para 1%. Depois, em junho, elevou para 1,7%. Agora, com o crescimento de no mínimo 3%, divulgam um relatório econômico sobre o Brasil questionando ‘a dívida brasileira em alta’, e sugerindo ‘reformas’. Sem tocar na extorsiva taxa de juros de Campos Neto, defendem limitar gastos com saúde e educação e não dar aumento real para aposentadorias”.