Milei anuncia decreto que desmonta Estado e desregula a economia argentina

Advogados constitucionalistas veem atropelo sobre competências do Congresso. O líder da extrema direita não tem sequer um terço do legislativo

Foto: Reprodução

O presidente Javier Milei anunciou nesta quarta (20) um megapacote neoliberal com reformas que restringem as funções do Estado e fortalecem as forças de mercado.

As medidas incluem a privatização de empresas como as Aerolíneas Argentinas e praticamente todas as estatais, a reforma trabalhista, de aluguéis e de abastecimento. O anúncio faz parte do programa de desregulamentação do Estado.

O Decreto de Necessidade de Urgência (DNU) modifica ou revoga mais 350 normas e entra em vigor nesta quinta (21), assim que publicado no diário oficial do país. Para advogados constitucionalistas ouvidos pelo jornal argentino La Nacion, no entanto, Milei avança sobre as competências do Congresso.

Em cadeia nacional, o ultraliberal fez um discurso de 15 minutos defendendo que o mercado lidere o país na superação da crise econômica. O pronunciamento foi feito por um vídeo gravado na Sala Branca da Casa Rosada e o líder da extrema-direita argentina estava acompanhado de seus ministros.

Durante ao discurso, panelaços e buzinaços foram escutados em inúmeros bairros da capital Buenos Aires. O protesto continuou após a fala do presidente e durou pelo menos outros 30 minutos.

Fontes do partido La Libertad Avanza (LLA), de Milei, indicaram que o presidente optou por anunciar essas medidas mais duras antes que se esgote o período de “lua de mel” entre seu governo e os agentes de mercado que, por ora, o apoiam.

Eleito presidente com uma bancada de 38 deputados (257 deputados, no total) e 7 senadores (72 senadores, no total), o líder da extrema-direita não tem parlamentares suficiente nem para evitar um eventual processo de impeachment.

“Hoje começamos formalmente o caminho da reconstrução”, disse o anarcocapitalista . “Esta doutrina que se costuma chamar de esquerda, coletivismo, comunismo, representa um fracasso que estamos afastando da Argentina”.

Mais cedo, dezenas de milhares de manifestantes foram as ruas contra o austericídio fiscal e o pacote anti-manifestação promovido pelo ministério da Segurança, capitaneado pela candidata à presidência derrotada, Patricia Bullrich. Bullrich é aliada de Maurício Macri, principal fiador do novo governo.

Polícia bloqueia rua em Buenos Aires, apesar das orientações contra a obstrução das vias pelo governo Milei

Entre outros pontos, o decreto desregulamenta o serviço de internet via satélite e a medicina privada, flexibiliza o mercado de trabalho e revoga uma série de leis nacionais. As medidas incluem também a conversão de diversas empresas estatais em sociedades anônimas, facilitando o processo de privatização dessas instituições.

Em 10 dias de mandato, a população argentina já verifica os aumentos de preços provocados pela megadesvalorização do peso. Desde a posse, o preço dos combustíveis aumentou mais de 60%, por exemplo.

Protestos contra o protocolo

Movimentos populares e organizações sociais da Argentina protagonizaram a primeira grande mobilização contra as medidas repressivas anunciadas pelo governo Milei. O ato foi marcado cerceamento do direito de protesto, apesar do lema do novo presidente ser “a liberdade avança”.

Os manifestantes protestavam contra o protocolo “antipiquetes” do Ministério da Segurança, comandado por Patricia Bullrich.

“É uma mobilização pacífica. Não queremos nenhum tipo de confronto”, disse à rádio local Eduardo Belliboni, que lidera um grupo de protesto de esquerda. O Polo Obrero foi o primeiro a convocar a manifestação. Antes da chegada à emblemática praça de Buenos Aires, no entanto, houve um foco de confusão entre polícia e manifestantes. Duas pessoas foram detidas e um policial foi ferido no braço. Mas o ato continuou logo em seguida e a marcha seguiu em direção à Plaza de Mayo.

O ato ocorreu depois que Bullrich apresentou um “protocolo” para manter a ordem pública, que permite que as forças federais impeçam os manifestantes de realizar protestos que bloqueiem vias. Algumas organizações sociais disseram que o protocolo extrapola os limites constitucionais e compromete o direito de protestar.

Manifestantes levavam cartazes dizendo “não ao ajuste de Milei”, “abaixo ao plano motosserra de ajuste de Milei” e “não ao protocolo de Bullrich”. Na praça, as organizações envolvidas no ato leram um documento no qual avisavam que “encherão as ruas e praças de todo o país” em “defesa do direito ao protesto” e contra o “plano de ajuste e miséria” do novo governo.

Por cerca de uma hora, o presidente acompanhou o desenrolar dos protestos e o desempenho do plano de segurança de Bullrich do Departamento Central de Polícia.

Medidas anunciadas

Confira as medidas anunciadas por Milei:

  • Revogação da Lei do Aluguel.
  • Revogação da Lei de Abastecimento.
  • Revogação da Lei das Gôndolas.
  • Revogação da Lei Nacional de Compras.
  • Revogação do Observatório de Preços do Ministério da Economia.
  • Revogação da Lei de Promoção Industrial.
  • Revogação da Lei de Promoção Comercial.
  • Revogação da regulamentação que impede a privatização de empresas públicas.
  • Revogação do regime das empresas estatais.
  • Transformação de todas as empresas do Estado em sociedades anônimas para sua subsequente privatização.
  • Modernização do regime de trabalho para facilitar o processo de geração de emprego.
  • Reforma do Código Aduaneiro para facilitar o comércio internacional.
  • Revogação da Lei de Terras.
  • Modificação da Lei de Combate ao Fogo.
  • Revogação das obrigações das usinas de açúcar quanto à produção.
  • Liberação do regime jurídico aplicável ao setor vitivinícola.
  • Revogação do sistema nacional de comércio mineiro e do Banco de Informação Mineiro.
  • Autorização para transferência do pacote total ou parcial de ações da companhias aéreas argentinas.
  • Implementação da política de céu aberto.
  • Modificação do Código Civil e Comercial para reforçar o princípio da liberdade contratual entre as partes.
  • Modificação do Código Civil e Comercial para garantir que as obrigações contratuais em moeda estrangeira sejam pagas na moeda acordada.
  • Modificação do marco regulatório de medicamentos pré-pagos e obras sociais.
  • Eliminação de restrições de preços na indústria pré-paga.
  • Incorporação de empresas de medicamentos pré-pagos ao regime de obras sociais.
  • Estabelecimento das prescrições médicas eletrônicas.
  • Modificações ao regime das empresas farmacêuticas para promover concorrência e reduzir custos.
  • Modificação da Lei das Sociedades por Ações para que os clubes de futebol possam se tornar corporações.
  • Desregulamentação dos serviços de Internet via satélite.
  • Desregulamentação do setor de turismo.
  • Incorporação de ferramentas digitais para procedimentos de registro automotivo.
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