Brasil está melhor que EUA, diz autor de “Como as Democracias Morrem”

Para Steven Levitsky, “os brasileiros responderam à sua crise democrática melhor que os americanos”

Não é de hoje que o cientista político norte-americano e professor da Universidade de Harvard Steven Levitsky exalta a reação do Brasil ao 8 de Janeiro. Há exatamente um ano, nos primeiros dias de 2023, a democracia foi o alvo de uma tentativa de golpe de Estado promovida por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.

Dois anos e dois dias antes, em 6 de janeiro de 2021, os Estados Unidos passaram por um episódio semelhante. Instigados pelo então ainda presidente Donald Trump, manifestantes extremistas saquearam Capitólio, sede do Congresso. Nesse caso, porém, a tentativa era evitar a certificação e a posse do presidente eleito, Joe Biden, que tomaria posse 13 dias depois.

Coautor de Como as Democracias Morrem, ao lado de Daniel Ziblatt, também de Harvard, Levitsky compara os dois casos e diz acreditar que, em termos democráticos, o Brasil está melhor que os Estados Unidos. “Os brasileiros responderam à sua crise democrática melhor que os americanos. Particularmente a direita brasileira teve uma resposta mais saudável à crise democrática de Jair Bolsonaro do que a direita americana”, resumiu o professor ao O Globo em novembro passado.

Na ocasião, Levitsky acrescentou que “todas as principais figuras da direita brasileira aceitaram o resultado na noite da eleição” de outubro de 2022, vencida por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Já nos Estados Unidos, boa parte das lideranças do Partido republicano se calou ante a invasão do Capitólio – ou mesmo saiu em defesa dos extremistas.

A resultante da omissão é que Trump pode voltar à Casa Branca com uma plataforma mais autoritária e antidemocrática. Se no Brasil a Justiça tornou Bolsonaro inelegível e ainda pode leva-lo à prisão por crimes contra o Estado Democrático de Direito, nos Estados Unidos Trump parece se fortalecer a cada ano que passa desde sua saída da Casa Branca.

“Depois do 8 de janeiro, os políticos do Brasil, quase sem exceções, foram muito rápidos em repudiar completamente o ataque ao Planalto e ao STF e em pedir uma investigação sobre os atos. Não procuraram achar desculpas para as causas daquilo, subestimar a seriedade ou defender os que se insurgiram”, agrega Levitsky em entrevista ao Valor Econômico.

Um balanço dos retrocessos e avanços democráticos está presente em Como Salvar a Democracia, segundo livro conjunto de Levitsky e Daniel Ziblatt, lançado no Brasil em fins do ano passado. O ensaio mostra que, enquanto Bolsonaro ficou “quase isolado”, Trump virou um trunfo do Partido Republicano, que tenta “proteger e resgatar a carreira política” do ex-líder da Casa Branca.

Eis o que Levitsky aponta como a grande diferença entre os dois políticos e o que eles representam: “No Brasil, como a direita é fragmentada – ou porque Bolsonaro na prática não tem um partido claro –, seu destino é menos amarrado ao de outros políticos de direita, como os governadores de Minas e São Paulo, membros do Congresso. Eles sabem que podem continuar suas carreiras políticas com ou sem Bolsonaro. Não precisam do apoio de Bolsonaro no mesmo nível que os republicanos precisam de Trump”.

Mas a direita, por si só, não explica por que o Brasil deteve o 8 de Janeiro e impediu mais uma deposição de presidente via golpe de Estado. O livro de Levitsky e Ziblatt defende uma ação “conjunta, pública e enérgica” dos Três Poderes e das elites políticas em caso de ameaça à democracia. O fato de o País ter vivido o Golpe de 1964 – que impôs uma criminosa ditadura militar por 21 anos – ajudou a mobilizar a reação brasileira.

Os norte-americanos, por sua vez, parecem viver na fantasia do “farol da democracia”, sentindo-se imunes a ataques autoritários. “Isso se dá principalmente por causa da ignorância. Ninguém vivo nos EUA experimentou de fato ter perdido a democracia”, analisa Levitsky. “Pode ser uma ignorância baseada na crença no excepcionalismo americano, na ideia de que a democracia americana vai sempre ser forte, não importa o que aconteça.”

Da parte do Judiciário dos dois países, as reações também foram distintas. “A Corte eleitoral brasileira baniu Bolsonaro de participar da política por oito anos. Isso teria acontecido nos Estados Unidos se o Senado tivesse condenado Trump”, afirma o autor. “Enquanto Trump continua uma ameaça e pode facilmente ganhar as eleições de 2024, Bolsonaro no momento é uma figura relativamente marginal na política brasileira.”

Por fim, tanto no livro quanto na entrevista ao Valor, Levitsky compara o papel das Foças Armadas. “A intervenção militar foi um risco muito maior no Brasil do que nos Estados Unidos. Bolsonaro realmente pensou que poderia ter – e alguns oficiais queriam isso”, indica. “Em parte, as duas tentativas de golpe falharam porque precisavam que Trump e Bolsonaro tivessem o apoio dos militares. E qualquer país da América Latina sabe que não se pode dar um golpe presidencial sem o suporte deles.”

Para o autor, o empenho de Lula em revitalizar a democracia capitaliza seu terceiro mandato no Planalto. A seu ver, merecem apoio todas as coalizões lideradas pelo presidente em prol do Estado Democrático de Direito. “São coisas essenciais após o governo Bolsonaro”, conclui Levitsky. “Em última instância, o governo Lula pode vir a ser bastante mediano, provavelmente não vai ter os grandes sucessos que teve de 2003 a 2010. Mas só de restabelecer um governo competente e as práticas democráticas já é um grande passo para frente.”

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