Em tom quixotesco, Milei alerta ocidente para os perigos do “coletivismo”

Em Davos, presidente argentino exaltou o capitalismo e chamou empresários de “heróis”, além de criticar o feminismo, o socialismo e o Estado.

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O presidente da Argentina Javier Milei discursou nesta quarta (17) no principal salão do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. O autodeclarado “anarcocapitalista” fez um discurso em exaltação ao modo de produção capitalista, atacou o movimento feminista, além de fazer alertas quixotescos ao Ocidente diante de ameaças como o “coletivismo”.

Durante aproximadamente 23 minutos de discurso, Milei pouco mencionou a situação calamitosa da Argentina, apesar de criticar todas as lideranças políticas do país nos últimos 100 anos.

Ao mesmo tempo, diante da elite empresarial do mundo, o ultraliberal chamou os empresários de herói e disse que “o problema é o Estado”.

“Hoje, o Estado não precisa mais controlar diretamente os meios de produção para controlar todos os aspectos da vida dos indivíduos. Com ferramentas como emissão monetária, dívida, subsídios, controlo de taxas de juro, controlo de preços e regulamentações para corrigir supostas “falhas de mercado”, pode controlar os destinos de milhões de seres humanos”, disse.

“Não se deixem intimidar pela casta política ou pelos parasitas que vivem do Estado. Não se entreguem a uma classe política que só quer permanecer no poder e manter os seus privilégios”, alertou Milei em mensagem direta aos empresários presentes.

“Vocês são benfeitores sociais. Vocês são heróis. Vocês são os criadores do período de prosperidade mais extraordinário que já experimentamos. Não deixe ninguém lhe dizer que sua ambição é imoral. Se você ganha dinheiro é porque oferece um produto melhor por um preço melhor, contribuindo assim para o bem-estar geral. Não ceda ao avanço do Estado. O estado não é a solução. O estado é o problema em si”, elaborou.

Ironicamente, o discurso de Milei coincide com a divulgação de um estudo da Oxfam que constata que dois terços de todas as novas riquezas geradas no mundo, nos últimos dois anos, foram acumulados por 1% da população.

Divulgado no último domingo (15), a Oxfam estima que as fortunas bilionárias crescem atualmente 2,7 bilhões de dólares por dia. Enquanto isso, 1,7 bilhão de trabalhadores vivem em países onde a inflação cresce acima dos seus salários.

“Vocês são os verdadeiros protagonistas desta história e saibam que a partir de hoje têm um aliado inabalável na República Argentina”, concluiu.

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Quixotesco: neomarxismo, coletivismo e feminismo ameaçam ocidente

Lutando contra moinhos de ventos imaginários, Javier Milei repetiu a fórmula da extrema-direita pelo mundo ao deslegitimar as diversas matizes do pensamento político e econômico e encaixotá-las como socialismo.

“É assim que chegamos ao ponto em que, com diferentes nomes ou formas, boa parte das ideologias política geralmente aceitas na maioria dos países ocidentais são variantes coletivistas”, iniciou o delírio quixotesco de Milei.

“Quer se declarem abertamente comunistas, ou socialistas, social-democratas, democratas-cristãos, neo-keynesianos, progressistas, populistas, nacionalistas ou globalistas. Basicamente não existem diferenças substanciais: todos sustentam que o Estado deve dirigir todos os aspectos da vida dos indivíduos. Todos defendem um modelo contrário àquele que conduziu a humanidade ao progresso mais espetacular da sua história”, disse.

Líderes como os ex-presidentes do Brasil e dos Estados Unidos, Jair Bolsonaro e Donald Trump, utilizam da mesma estratégia para polarizar o ambiente interno de seus respectivos países ao demonizar a política.

Tendo que aprovar dois megas projetos no Legislativo argentino, Milei inicia seu mandato seguindo a mesma trilha de seus correligionários pelo mundo. O anarcocapitalista já chegou a declarar que não negociaria os termos da lei ônibus com os grupos políticos do Congresso da Argentina.

Milei ainda discorreu sobre uma suposta mudança de agenda dos socialistas depois do “fracasso retumbante dos modelos coletivistas e os avanços inegáveis ​​do mundo livre”.

“[Os socialistas] deixaram para trás a luta de classes baseada no sistema económico para substituí-la por outros supostos conflitos sociais igualmente prejudiciais à vida comunitária e ao crescimento económico”, elaborou.

Para o anarcocapitalista, a primeira destas supostas novas batalhas foi a “luta ridícula e antinatural entre homem e mulher”.

“O libertarianismo já estabelece a igualdade entre os sexos. A pedra fundamental do nosso credo diz que todos os homens são criados iguais, que todos temos os mesmos direitos inalienáveis ​​concedidos pelo criador, entre os quais estão a vida, a liberdade e a propriedade”, disse.

Para Milei, a agenda feminista deseja uma maior intervenção do Estado para dificultar o processo econômico. “A única coisa em que esta agenda do feminismo radical resultou foi uma maior intervenção do Estado para dificultar o processo económico, dando trabalho a burocratas que em nada contribuem para a sociedade, seja na forma de ministérios da mulher ou de organizações internacionais dedicadas a promover esta agenda”, disse

O líder da extrema-direita argentina ainda teve tempo para negar o aquecimento global e as consequências das mudanças climáticas acarretadas pelo homem, sobretudo após a eclosão da revolução industrial.

“Outro dos conflitos que os socialistas levantam é o do homem contra a natureza. Afirmam que os seres humanos prejudicam o planeta e que este deve ser protegido a todo o custo, chegando mesmo a defender mecanismos de controlo populacional ou a sangrenta agenda do aborto”, disse.

Para Milei, estas ideias prejudicam o mundo ocidental, que foi, segundo ele, cooptado pela agenda feminista, coletivista e ecológica.

“Infelizmente, estas ideias prejudiciais permearam fortemente a nossa sociedade. Os neomarxistas conseguiram captar o bom senso do Ocidente. Conseguiram isto graças à apropriação dos meios de comunicação, da cultura, das universidades e, sim, também das organizações internacionais”, concluiu.

Perplexidade e estupor na plateia do salão principal em Davos

A elite econômica e política presentes, nesta quarta, no salão principal em Davos ficaram perplexos e surpresos com o teor retórico do discurso do presidente da Argentina, Javier Milei.

O jornal La Nación qualificou desta forma a reação dos ouvintes no Fórum Econômico Mundial, sobretudo quando Milei listou o que para ele são os inimigos da liberdade. De acordo com o correspondente do jornal, a audiência ficou de “boca aberta” durante a fala em que o argentino igualou sociais-democratas, comunistas e progressistas a fascistas e nazistas.

“Bizarro. Ninguém se salva com ele!”, disse um empresário britânico ao La Nación. “É um delírio absoluto”, disse seu vizinho, um jornalista alemão que não conseguia acreditar no que acabara de ouvir.

Outros dois pontos causaram espanto: a afirmação de que a subjugação da mulher é uma invenção dos inimigos da liberdade, bem como o perigo representado pela defesa do meio ambiente.

A correspondente do jornal, ainda chegou a afirmar que Milei não foi fotografado junto a outros líderes políticos presentes em Davos. A chamada “photo op” (oportunidade fotográfica, na tradução), uma foto protocolar – um tapinha no ombro e um aperto de mão, onde ambos os líderes sorriem sem dizer nada depois – poderia ter sido feita com o presidente francês, Emmanuel Macron.

O francês, no entanto, não deu espaço para este tipo de diplomacia depois do discurso delirante do argentino.

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