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Colômbia perde a senadora Piedad Córdoba e sua luta pela paz

Piedad Córdoba inspirava contra as injustiças. Denunciava os paramilitares de direita e dava grande apoio para as mulheres do continente

Neste sábado (20), a política colombiana sofreu a perda de uma de suas figuras mais marcantes, Piedad Córdoba. A senadora afrocolombiana, protagonista de acontecimentos cruciais nas últimas três décadas, foi encontrada sem vida por seus seguranças em Medellín, sua cidade natal. Uma das principais figuras do Pacto Histórico, o partido que elegeu o político de esquerda Gustavo Petro, ela faleceu em decorrência de um infarto, chegando sem sinais de vida à Clínica Conquistadores, na referida cidade colombiana. Ela estava prestes a completar 68 anos em 25 de janeiro.

Conhecida por sua luta por uma solução negociada para o conflito armado com as FARC e por seu envolvimento nas negociações que resultaram na libertação de vários sequestrados, a advogada Córdoba sempre foi uma figura polêmica na política colombiana, especialmente para a direita hegemônica no país. Incomodava principalmente os paramilitares de direita que cometiam crimes atrozes contra a esquerda colombiana, denunciando a matança de sindicalistas e outras lideranças de esquerda, por exemplo.

Seu turbante, que destacava suas raízes afro, e sua comunicação direta foram duas de suas características mais distintivas. Córdoba conseguiu se destacar em Antioquia, um dos departamentos mais conservadores do país, e em um ambiente dominado por homens, em um Congresso com representação feminina muito menor do que a atual, mal chegando a 30%. Além disso, ela defendia a busca por uma solução negociada para o conflito em uma época, nas décadas de noventa e dois mil, em que essa ideia era vista não apenas como distante, mas rejeitada por grande parte da opinião pública. No entanto, como mediadora entre o governo do ex-presidente Álvaro Uribe e as FARC, ela conseguiu a libertação de sequestrados que estavam há anos na selva. Por essa atuação, em 2008, foi indicada ao Prêmio Príncipe de Astúrias da Concórdia e até mesmo postulada como candidata ao Prêmio Nobel da Paz.

Nos últimos dias que antecederam seu falecimento, Piedad Córdoba esteve hospitalizada na Clínica del Rosario, na capital antioqueña. O histórico político de Córdoba foi marcado por seu protagonismo durante os governos de Álvaro Uribe (2002-2010), especialmente nos processos de libertação de sequestrados pelas FARC. Contudo, era acusada pela senadora de direita Íngrid Betancourt, de politizar essas libertações em aliança com Hugo Chávez e Nicolás Maduro.

Em 2007, Córdoba era aliada incondicional de Chávez com quem compartilhava interesses políticos, e ela se preparava para uma candidatura presidencial, em 2007, que acabou sendo malsucedida. Durante as gestões para a libertação de guerrilheiros das FARC, como os conhecidos como Sonia e Simón Trinidad, extraditados para os Estados Unidos por Uribe, Córdoba e a insurgência argumentavam pela devolução dos guerrilheiros ao país, utilizando os reféns americanos como mecanismo de pressão.

O presidente Gustavo Petro foi um dos primeiros a reagir à sua morte, destacando-a como uma verdadeira liberal. No momento de seu falecimento, Piedad era senadora pelo Pacto Histórico, o partido com o qual Petro chegou à presidência. Ela passou quase metade de sua vida no Congresso, onde chegou como representante do departamento em 1992, tornando-se senadora até 2010, e retornando somente em 2022.

A maior parte de sua carreira foi no Partido Liberal, vindo de uma família que liderava uma corrente política nessa linha no Chocó, de onde vinha sua linha paterna. No entanto, ela se distanciou dos ideais progressistas e mais próximos à esquerda, o que a levou a fundar o movimento Poder Ciudadano Siglo XXI, como uma dissidência interna.

Nascida em 1955, se interessou ainda jovem pela política, quando se afiliou ao Partido Liberal colombiano. Seu primeiro cargo eletivo foi como vereadora de Medellín em 1988. Em 1994, ocupou pela primeira vez uma cadeira no Senado. Desde então, fez uma extensa carreira como congressista, eleita cinco vezes, inclusive no período atual, fazendo parte da bancada governista.

O presidente Petro se refere a um episódio em que a carreira política de Córdoba foi interrompida. Em 2010, ela foi destituída como senadora pela Procuradoria, chefiada por Alejandro Ordóñez, que também inabilitou Petro quando era prefeito de Bogotá, decisão posteriormente revertida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Córdoba foi acusada de colaborar com as FARC e ficou impedida de exercer qualquer cargo público por 18 anos. Seis anos depois, o Conselho de Estado retirou essas restrições por falta de provas.

O envolvimento de Córdoba com as FARC foi sugerido pelos computadores do então chanceler da guerrilha, conhecido como Raúl Reyes, morto em 2008 em um operativo militar. No entanto, as informações não puderam ser judicializadas devido a falhas na coleta de provas. Essa falha levou a justiça a restaurar os direitos políticos de Córdoba e conceder uma indenização de 2 bilhões de pesos, além de não prosperar a causa penal contra ela.

Em entrevistas recentes, ela expressou satisfação com o governo de Gustavo Petro, destacando as mudanças profundas e estruturais. Entretanto, apontou uma falha na comunicação do governo, ressaltando a necessidade de uma estratégia mais poderosa para envolver a população nas reformas propostas.

Ao ser questionada sobre sua preferência entre Álvaro Uribe e Juan Manuel Santos, Córdoba destacou discordâncias com Uribe devido a diferenças de posturas frente ao país, autoridade e governo. Quanto a Santos, reconheceu seus esforços pela paz, apesar de alegar que ele não a queria envolvida no acordo de paz.

O último ano foi especialmente desafiador para Córdoba, com a prisão de seu irmão Álvaro Córdoba, extraditado para os Estados Unidos por narcotráfico, admitindo sua culpa. Na época, afirmou à imprensa que “na verdade, estão procurando minha irmã”.

Apesar de não ser a primeira mulher afrodescendente a chegar ao Congresso, Piedad ganhou um protagonismo inédito para uma mulher de raízes negras na política nacional. Os últimos anos foram desafiadores para ela. Em julho de 2022, assumiu como senadora de um hospital em Medellín, onde estava internada devido a problemas de saúde.

Apesar das controvérsias, Piedad Córdoba deixa um legado significativo na política colombiana, tendo aberto caminho para mulheres afrodescendentes e defendido incansavelmente a paz e justiça social em seu país. Sua morte é uma perda sentida, e seu impacto na história política colombiana permanecerá.