Linguistas estudam “direita alternativa” e como sua cultura se capilariza no Brasil

Os pesquisadores focam no 4chan, forum online, que ganhou notoriedade por ser um espaço onde ideologias extremistas encontram terreno fértil para se proliferar.

Grupo de apoiadores de Jair Bolsonaro, se concentra em frente ao MASP na capital paulista e exibem bandeira de Kekistan, símbolo de um país fictício, utilizado por grupos de extrema direita em defesa da supremacia branca nos EUA. Imagem de reprodução de redes sociais.

Uma pesquisa liderada por Paulo Roberto Gonçalves-Segundo, professor do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo (USP), e Lucas Pivetta Maciel, estudante de Graduação em Linguística na mesma instituição, oferece uma análise sobre a influência da cultura dos “chans” no discurso público, especialmente no contexto da emergência da direita alternativa, a alt-right, no Brasil. Até então, predominavam os estudos antropológicos sobre o tema, o que era insuficiente para compreender as tendências internas e a formação de uma ideologia coesa dentro da comunidade.

O alt-right é um termo cunhado pelo supremacista branco norte-americano Richard Spencer em 2010 que desde então se espalhou pela internet, designando ativistas de extrema direita que rejeitam o conservadorismo tradicional e usam a web para compartilhar suas ideias radicais.

Os “chans”, fóruns online conhecidos por abrigar discussões de nicho e transgressoras, desempenham um papel fundamental na disseminação de ideias e na criação de uma linguagem própria. O 4chan, em particular, ganhou notoriedade por ser um espaço onde ideologias extremistas, como a da direita alternativa, encontram terreno fértil para se proliferar.

A bandeira criada em fóruns na internet inspirada na bandeira dos nazistas

Criado em 2003 como uma derivação do 2chan japonês, o 4chan inicialmente focava em temas como anime e cultura japonesa. No entanto, ao longo do tempo, tornou-se um espaço influente para memes, pranks e discussões que muitas vezes eram misóginas e autodepreciativas. Sua cultura é caracterizada por uma identidade nerd autodepreciativa e uma abordagem anônima, onde a maioria dos posts é feita sob o nome de usuário “Anonymous”.

A pesquisa destaca como os usuários do 4chan se apropriam da linguagem para criar uma identidade coletiva e expressar suas ideologias. Termos como “homens redpill” e “cultura incel” são exemplos claros dos impactos dessa cultura no discurso público, muitas vezes marcados por elementos como símbolos nazistas, animações japonesas radicais e análises genéticas segregacionistas.

Um dos pontos de destaque do estudo é a análise dos neologismos criados pelos usuários do 4chan, como o termo “anão” para se referir uns aos outros. Esse termo, derivado de uma tradução homofônica de “anon”, reflete não apenas a anonimidade característica do 4chan, mas também a criação de uma identidade compartilhada entre os usuários.

Uma pessoa bem vista pela comunidade é um “chad”, enquanto a mal vista é um “virgem”. O usuário bem versado na linguagem da comunidade é “vermelhopilado” e “baseado”. Aos que não são, restam-lhes a categoria de “normie”. Um brasileiro defendendo ideias nazistas? Um “bostileiro nazipardo”.

Coesão linguística

O estudo lança luz sobre os padrões de inovação lexical dentro do discurso da alt-right brasileira, revelando dinâmicas linguísticas marcantes e preocupantes. O 4chan tem sido um terreno fértil para a disseminação de ideologias extremistas, e a pesquisa se concentrou nas interações dos usuários brasileiros no board International.

Os pesquisadores analisaram um corpus de língua portuguesa extraído do board International, observando os padrões de nomeação e predicação do “eu” e do “outro” no discurso dos usuários brasileiros. Eles descobriram que os jogos de linguagem da plataforma seguem um padrão geral, onde neologismos emergem principalmente de blends (combinações), um processo de formação de palavras que reflete as atitudes dos grupos antagonizados pela comunidade.

Um dos aspectos mais destacados da pesquisa foi a forma como diferentes grupos étnico-raciais são nomeados. Enquanto alguns grupos sociais, como judeus e negros, tendem a ser nomeados de maneira ampla e pouco específica, outros, como aborígenes e eslavos, são referidos de forma mais especializada.

Os resultados da pesquisa confirmam a existência de processos coerentes de manutenção do discurso dentro da comunidade brasileira do 4chan, destacando um movimento discursivo organizado em torno da representação antagonística de grupos sociais e da propagação de discursos racistas, antissemitas e transfóbicos.

Obscenidade e politicamente correto

A obscenidade no discurso político tornou-se uma marca registrada da nova direita em várias partes do mundo, incluindo líderes como Jair Bolsonaro no Brasil, Donald Trump nos Estados Unidos e Geert Wilders nos Países Baixos. Em um movimento que desafia as normas do politicamente correto, esses líderes frequentemente adotam discursos extremamente ofensivos e, por vezes, bizarros, como evidenciado pelo caso da médium canina de Javier Milei na Argentina, que afirmou receber mensagens do além de seu cão.

Essa tendência também é observada em comunidades online como o 4chan, onde os usuários, conhecidos como “anões”, não hesitam em usar um amplo vocabulário de insultos para atacar seus adversários. Desde termos que se referem a primatas até expressões sexuais, esses insultos são mobilizados como uma forma de construir um senso de comunidade e autenticidade entre os usuários, desafiando as convenções sociais e políticas.

Para alguns autores, essa obscenidade serve como uma forma de reafirmar identidades compartilhadas dentro da comunidade, enquanto para outros representa uma afronta ao politicamente correto e uma estratégia para chocar e provocar. No entanto, é evidente que esses dois processos estão intimamente ligados, e a obscenidade no discurso desempenha um papel crucial na consolidação da identidade e coesão da nova direita.

Apesar de sua origem em comunidades subculturais online como o 4chan, o discurso da direita alternativa está encontrando cada vez mais espaço em comunidades mais amplas das redes sociais e do discurso público em geral. Os novos termos e expressões cunhados nessas comunidades estão sendo adotados e modificados em diferentes contextos sociais, contribuindo para a ampliação das posições políticas e ideológicas da direita alternativa.

Em última análise, através de suas estratégias de nomeação, jogos de linguagem, ironia e obscenidade, a direita alternativa está avançando na capilarização e ampliação de suas posições políticas e estilos de discurso. Seus elementos estão sendo absorvidos pelo discurso público de forma desavisada, muitas vezes sem reconhecer suas origens em comunidades online subculturais.

Isso demonstra a crescente influência da direita alternativa e a necessidade de compreender suas estratégias linguísticas e discursivas. O estudo oferece uma análise sobre a interseção entre linguagem, cultura online e política, destacando como os “chans” e a direita alternativa moldam e são moldados pelo discurso público no Brasil e além.

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