Ucrânia convoca núncio papal e expressa decepção sobre rendição à Rússia

O arcebispo Visvaldas Kulbokas ouviu do Ministério das Relações Exteriores que o Papa deveria se abster de declarações que “incentivam ainda mais desrespeitos às leis internacionais”.

Padre Visvaldas Kulbokas (ao centro) atua como tradutor enquanto o Papa Francisco e o presidente russo Vladimir Putin trocam presentes durante uma audiencia privada no Vaticano em foto de 2019

O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia convocou seu núncio papal nesta segunda-feira (11) para expressar sua decepção após comentários do Papa Francisco sobre a guerra que assola o país há dois anos. O pontífice sugeriu que a Ucrânia deveria “demonstrar a coragem da bandeira branca” e abrir negociações com a Rússia para encerrar o conflito.

A declaração admitiu, de maneira subreptícia, a superioridade militar da Rússia e a fragilidade da Ucrânia diante da devastação, ocupação territorial e perdas humanas. Embora o Vaticano tenha encarado as declarações como mais um esforço inútil por abertura de negociações de paz, autoridades aliadas da Ucrânia encararam como um favorecimento à agressão bélica de Vladimir Putin. A referência à bandeira branca, como símbolo de rendição, foi o que mais incomodou aos ucranianos.

O representante diplomático permanente da Santa Sé na Ucrânia, o arcebispo Visvaldas Kulbokas, foi informado pelo Ministério das Relações Exteriores ucraniano de que o Papa deveria se abster de declarações que “legalizam o direito do poder e incentivam ainda mais desrespeitos às leis internacionais”.

Em comunicado divulgado em seu site, o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia destacou que espera que o Papa “envie sinais à comunidade internacional sobre a necessidade de imediatamente unir forças para garantir a vitória do bem sobre o mal”.

Além disso, o comunicado ressaltou que a Ucrânia busca a paz de forma justa e baseada nos princípios da Carta das Nações Unidas e na fórmula de paz proposta pelo presidente Volodymyr Zelensky.

Decepção

Os comentários do Papa Francisco foram feitos durante uma entrevista à emissora suíça RSI, programada para ser veiculada na íntegra em 20 de março. As declarações geraram reações imediatas por parte das autoridades ucranianas, que consideraram as palavras do líder religioso como desapontadoras. Da Rússia, por sua vez, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que “é perfeitamente compreensível que ele (o papa) tenha falado a favor das negociações”.

“Infelizmente, tanto as declarações do papa quanto as repetidas declarações de outras partes, inclusive as nossas, receberam recentemente recusas absolutamente duras”, argumentou Peskov. Nos termos atuais, a Rússia quer a anexação dos territórios já ocupados, enquanto a Ucrânia tenta suportar o confronto para recuperar o leste do país.

Zelensky, por sua vez, já havia respondido aos comentários do Papa no domingo anterior, afirmando que figuras religiosas distantes não deveriam se envolver em “mediação virtual entre alguém que quer viver e alguém que quer destruí-lo”.

OTAN

O chefe da Otan, Jens Stoltenberg, também se pronunciou sobre a situação. Ele discordou dos comentários papais, e defendeu que o caminho para uma solução negociada, pacífica e duradoura envolve o fornecimento de apoio militar à Ucrânia. Em sua entrevista, o Papa justamente sugere que esta guerra visa a gerar lucratividade para a indústria de armas.

Stoltenberg também se distanciou das falas do presidente francês, Emmanuel Macron, sobre o envio de tropas para a Ucrânia, destacando que qualquer ação individual de países da Otan afetaria a aliança como um todo, dada sua natureza de defesa coletiva.

As declarações do secretário-geral da Otan foram dadas em uma entrevista à Reuters, concedida na sede da organização após uma cerimônia para marcar a adesão da Suécia à aliança militar.

O estopim do conflito que já vinha desde a anexação da Crimeia e depois o golpe que destituiu um governo ucraniano alinhado com a Rússia, foi a decisão de Zelenski ao abrir as fronteira com a Rússia para a instalação de base da OTAN mirando para Putin.

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