Com dívidas de R$ 329 bilhões, ENEL piora serviços de energia na América Latina

Dimensão global da Enel e precariedades em vários países revela os limites de governos locais em garantir que a privatização do serviço não vire uma bomba no colo do consumidor.

São Paulo - SP, 18/03/2024, Um apagão na manhã desta segunda-feira deixou bairros da região central da capital sem energia elétrica. Foto: Paulo Pinto/ Agência Brasil

A falta de respostas efetivas da Enel à precariedade do serviço prestado na cidade de São Paulo traz a tona os problemas graves do trabalho da empresa em outros países. Com isso, o processo de privatização, em 1998, que prometia ser um avanço em relação ao que se tinha com a estatal Eletropaulo, tem explodido no colo do consumidor, que se vê impotente diante dos limites dos agentes públicos envolvidos. Mas os problemas da empresa começam na Itália, onde é gerida pelo governo de ultradireita de Georgia Meloni.

A Enel, gigante italiana do setor energético e controladora da Enel Brasil, enfrenta uma situação constrangedora em meio a sua posição de destaque na Bolsa da Itália, com um valor de mercado de impressionantes 61 bilhões de euros (cerca de R$ 329 bilhões de reais). No entanto, a empresa, controlada pelo governo italiano com 23% das ações, está mergulhada em uma dívida de 60,2 bilhões de euros, conforme revelado em seu relatório de resultados divulgado em fevereiro.

Além disso, o nome da empresa está associado a cortes de energia em capitais da América Latina, incluindo um grave incidente recente ocorrido na maior delas, São Paulo. A crise em São Paulo tem gerado implicações políticas, em ano eleitoral, com cobranças do consumidor sobre a capacidade do poder público fiscalizar e cobrar a qualidade da prestação do serviço.

A dívida significativa da Enel, que equivale a seu valor de mercado na Bolsa italiana, tem sido um fator preocupante, resultando em uma queda acentuada de mais de 50% em seus papéis desde 2021. A empresa viu uma ligeira mitigação dessa queda com a venda de alguns ativos, como a Enel do Peru, mas ainda assim registra uma redução de 30% nos últimos três anos, com uma queda de 9,57% somente em 2024, para 6,07 euros por ação.

Apesar dos desafios financeiros, os ganhos da Enel aumentaram, com o lucro principal crescendo 12% no ano passado. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização atingiu a marca de 22 bilhões de euros (cerca de R$ 118,8 bilhões) em 2023.

Pelo menos Santa Cecília, Higienópolis, e Vila Buarque foram afetados. Comerciantes e restaurantes sem energia na Alameda Barros. Foto: Paulo Pinto/ Agência Brasil

Padrão internacional de falhas

A Enel mantém uma ampla presença global, distribuindo energia em 29 países, incluindo os Estados Unidos, Europa, América Latina, África, Rússia, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia. No Brasil, a empresa atua em parte dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará, enquanto na América Latina, o Brasil e o Chile representam seus maiores mercados.

Contudo, a Enel enfrenta críticas e penalidades em alguns países onde opera. Na Argentina, foi multada em US$ 5,1 mi por apagões frequentes e ameaçou deixar o país. Com a chegada da ultradireita de Javier Milei ao poder, a empresa controlada também pela ultradireitista Giorgia Meloni resolveu repensar a decisão. No Peru, a empresa chegou a definir uma agenda de apagões, antes de partir. Nos Estados Unidos, uma de suas subsidiárias foi condenada pela Justiça a desmontar uma estrutura de geração de energia eólica após um processo movido pelo povo indígena Osage.

A mudança de liderança na Enel, com a ascensão de Giorgia Meloni ao cargo de primeira-ministra em 2022, resultou em uma diminuição nos investimentos em energias renováveis. A empresa reduziu seu plano de investimentos, priorizando a disciplina financeira e a geração de caixa. Para reduzir sua dívida, a Enel planeja vender ativos no valor de 21 bilhões de euros, incluindo a concessionária cearense no valor de R$ 3,5 bi. A empresa já havia deixado as operações da concessão de distribuição elétrica em Goiás em 2022.

A punição sobre a concessão

Neste contexto, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostra que a empresa no Brasil demitiu 36% de seus funcionários, diminuindo dos 23.835 em 2019 para 15.366 em 2023. Mesmo assim, seu próprio balanço divulgado mostra que o número de clientes atendidos pela empresa subiu 7%, dobrando o lucro de R$ 777 mi para R$ 1,4 bi.

Em São Paulo, cerca de 7,8 milhões de domicílios são atendidos pela empresa italiana, com contrato até 2028. A Enel tem sido resistente em associar os longos apagões ocorridos na cidade à falta de profissionais para restabelecer a energia.

Especialistas consideram que a caducidade da concessão é uma punição pouco provável de acontecer, uma vez que a empresa vem cumprindo requisitos mínimos de qualidade no fornecimento e de equilíbrio econômico financeiro da concessão exigidos pelo regulador. Esta medida poderia levar à judicialização do processo, o que, sob todas as perspectivas, tornaria a situação dos paulistanos um longo calvário. Mesmo com a caducidade, o governo teria que licitar nova concessão para uma empresa que também terá suas limitações no atendimento aos problemas.

Aparentemente, resta ao governo fiscalizar a situação internamente, por meio de processo administrativo, para garantir que a empresa apresente um plano de resultados restabelecendo as condições para a prestação adequada do serviço. As punições também precisam ser estabelecidas antes de medidas mais drásticas. A empresa já foi multada em R$ 165,8 mi pela Aneel pelo apagão de novembro em São Paulo.

Diante desses desafios, a Enel busca uma abordagem mais seletiva em relação aos investimentos, visando maximizar a lucratividade e reduzir os riscos, enquanto São Paulo se vê, pela primeira vez, paralisada pelos problemas operacionais deste vasto império energético global.

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