1º de abril de 1964, o Dia da Mentira que durou 21 anos

Todo o dia foi consumido em indefinições e articulações, mas com Jango na presidência até o final da noite

Estudante é carregado por oficiais do exército após confronto entre militares e estudantes no Rio de Janeiro | Foto: Evandro Teixeira

As manchetes dos jornais do dia 1º de abril de 1964 entregam uma verdade indiscutível: mais uma tentativa de golpe estava em curso, mas o presidente da República, João Goulart, continuava no poder. Em sua edição de 2/4/1964, O Globo protestava por não ter circulado no dia anterior, por conta de uma invasão à sua redação por fuzileiros navais sob ordens do legalista almirante Cândido Aragão (ainda no poder, portanto!). O Jornal do Brasil noticia, em 1/4/1964, a movimentação das tropas mineiras, afirmando que “São Paulo adere a Minas e anuncia marcha ao Rio contra Goulart” e, em 2/4/1964, sequencia o tema com outra manchete garrafal: “Goulart resiste no Sul e o Congresso empossa Mazzili”. Como se pode ler, o golpe “gorou” em 31/3/1964, e, embora vitorioso no dia seguinte, seus arautos tinham dúvidas se não seriam derrotados novamente.

Fotos: Nas manchetes do Jornal do Brasil (e nos demais diários), a constatação de que, apesar das manobras golpistas, João Goulart seguia presidente

Jango presidente

Para castigo eterno dos golpistas de 64, a tomada do poder aconteceu, indubitavelmente, no dia 1º de abril, cravando o “Dia da Mentira” como sua referência histórica. Por adesão ou ignorância, escribas insistem na falsidade fardada de 31 de março como a data da derrota da Democracia. Na verdade, o assalto ao Estado de Direito só foi confirmado no finalzinho do dia, todo consumido pela indefinição, por articulações e lutas internas, tanto no campo golpeador quanto no golpeado. Jango, ainda presidente, era pressionado por seus aliados para ordenar o contragolpe; e os amotinados brigavam entre si pelo comando da sedição e para definir o nome do ditador a empossar. No Atlântico, a Segunda Frota americana apressava a marcha de seus navios de guerra rumo ao Brasil para acudir seus fantoches locais, no caso do presidente João Goulart autorizar à banda sadia das forças armadas ao contragolpe.

A mentira em seu dia

Legalmente não havia como afastar João Goulart da presidência, pois este não renunciara nem saíra do País, e inexistia número suficiente de parlamentares para aprovar um impeachment. E os militares vacilavam em se guerrear. Daí, os golpistas – em nítida vantagem na iniciativa – pressionaram as mesas diretoras da Câmara e do Senado para depor o presidente da República. Perto da meia-noite de 1º de abril de 1964, numa reunião conjunta do Congresso Nacional, convocada às pressas, e com a presença de 29 senadores e 183 deputados, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade declarou, por conta própria, “vago o cargo de presidente da República”. A sessão virou uma balbúrdia e varou a madrugada sem votar nada. Mas, naquela noite do Dia da Mentira, de fato, o Estado de Direito já era.

Ditadura no horizonte

No Dia da Mentira de 1964, o golpe contra a Democracia brasileira estava finalmente vitorioso, depois de dez anos de tentativas derrotadas, desde a deposição e suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, passando pela investida contra posse de JK (11 de novembro de 1955), pelo bloqueio da posse de João Goulart (entre 25 de agosto e 7 de setembro de 1961), pelas insurreições militares em Aragarças (10 de fevereiro de 1956), Jacareacanga (2 de dezembro de 1959), e Minas Gerais (31 de março de 1964). A partir de 1º de abril de 1964, verdadeiramente, as trevas da ditadura militar se espalhariam sobre o Brasil por 20 anos, oito meses e 15 dias, até a eleição (indireta) de Tancredo Neves e José Sarney em 15 de janeiro de 1985.

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(BL)

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