Tragédia reflete impactos da crise climática e descaso com prevenção

Estado enfrenta pior catástrofe natural de sua história. Situação reforça necessidade de investimentos na preparação das cidades para mitigar efeitos da crise

Pessoas são resgatadas de barco em Santa Cruz do Sul. Foto: Prefeitura de Santa Cruz do Sul

As fortes e constantes chuvas que caem sobre o Rio Grande do Sul, principalmente nos últimos três dias, resultaram no que vem sendo considerado o maior desastre climático do estado. Até o momento, 24 pessoas perderam a vida; 147 cidades registraram alagamentos ou deslizamentos e quase 68 mil pessoas foram afetadas. Mais de 14 mil estão fora de casa — 4,6 mil em abrigos e quase 10 mil estão desalojadas (vivendo na casa de familiares ou amigos). 

As regiões mais atingidas são a Central, dos Vales, Serra e a Metropolitana de Porto Alegre. Há, ainda, mais de 150 pontos de bloqueios em estradas e pontes e municípios com problemas no abastecimento de alimentos, água, energia elétrica e telefonia. 

Na tarde desta quinta-feira (2), o Governo do Estado confirmou o rompimento parcial da barragem 14 de Julho, no Rio das Antas, entre Bento Gonçalves e Catiaporã, na Serra. A Defesa Civil informou que trabalhava na remoção de famílias de áreas de risco.

Outro resultado das fortes chuvas foi o aumento do volume dos maiores rios do estado, entre eles o Guaíba, que margeia Porto Alegre. Segundo o Governo do Estado, o nível das águas pode ultrapassar os quatro metros nesta sexta-feira (3). 

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Já de acordo com projeção feita pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o patamar pode ir além dos cinco metros. A cota de inundação é de três metros, nível atingido hoje no início da tarde. 

O recorde até o momento foi em 1941, quando a água subiu a 4,76 metros. Em setembro do ano passado, quando o estado também sofreu com grandes precipitações, o patamar foi de 3,30 metros. Para evitar transtornos no centro da capital gaúcha, as comportas do Cais Mauá foram fechadas. 

Crise climática

Regiões do RS são tomadas pela água. Foto: FAB

Segundo explicou o meteorologista da Climatempo, Fábio Luengo, ao portal G1, o Sul do país tem condições que favorecem tempestades nessa época do ano, porém a crise climática agrava essa situação. “O oceano mais quente, como estamos vendo agora, faz com que seja gerada mais energia para a formação das chuvas. Com isso, elas chegam nesses níveis, que nunca vimos antes. A mudança no padrão do clima interfere na atmosfera e muda o ciclo dos fenômenos que aconteciam, deixando-os mais intensos”, destacou. 

Nos últimos dois anos, a situação do Rio Grande do Sul tem piorado, o que demanda ações governamentais que preparem o estado e que mitiguem os efeitos de eventos climáticos como esses, reduzindo os danos à população, ao meio ambiente e à infra-estrutura. 

Em setembro e novembro de 2023, o Estado também sofreu com fortes chuvas, que deixaram dezenas de vítimas e um rastro de destruição. No começo daquele ano, foram as secas que castigaram os gaúchos. 

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Apesar da recorrência de graves eventos decorrentes da crise climática no Brasil, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o problema foi ignorado, seja no que diz respeito às ações ambientais para combater o desmatamento, seja nos investimentos para preparar o país e evitar tragédias. O descaso com a questão pode ser medido pelo corte de 95% que o então presidente fez no orçamento deixado para 2023 para redução de desastres ambientais. 

No caso do governo de Eduardo Leite (PSDB), o orçamento de 2023 da Defesa Civil, de R$ 2,6 milhões, foi cerca de 25% menor do que o de 2015, segundo dados da Bancada do PT. Além disso, conforme mostrou a Agência Pública, o estado chegou a encomendar um Plano de Prevenção de Desastres, finalizado em 2017, mas que nunca saiu do papel.

Ainda segundo a reportagem da Pública, para 2023, “a previsão orçamentária para o aparelhamento da Defesa Civil foi de apenas R$ 100 mil reais. Tinha sido de R$ 1 milhão em 2022. Já o valor previsto para Gestão de Projetos e Respostas a Desastres Naturais passou de R$ 6,4 milhões no orçamento de 2022 para R$ 5 milhões em 2023”. 

Apoio e recursos federais

Com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, a questão ambiental e a prevenção aos desastres ganharam novo enfoque. Entre outras medidas, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional anunciou, no final de abril, que deve entregar, até junho, o primeiro Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, que vai estabelecer orientações e estratégias de atuação da Defesa Civil em cinco frentes: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. 

Para a elaboração das estratégias, estão sendo realizados, segundo o governo, levantamentos e análises de dados, bem como diagnósticos situacionais e cenários prováveis de atuação em curto, médio e longo prazos. 

Em visita a Santa Maria nesta quinta-feira, juntamente com uma comitiva de ministros, o presidente assegurou que não faltarão recursos e apoio do governo à população do RS. Ele salientou que, neste primeiro momento, a prioridade é salvar vidas e atender os atingidos; depois, os esforços devem se voltar para a reconstrução dos locais afetados, tendo em vista a necessidade de os governos se adaptarem ao novo normal, que será de crises recorrentes e clima severo. 

“Não faltará ajuda do Governo Federal para cuidar da saúde. Não vai faltar dinheiro para a questão do transporte e não vai faltar dinheiro para alimentos. Tudo o que estiver no alcance do Governo Federal, seja através dos ministros, em parceria com a sociedade civil ou através dos nossos militares, vamos nos dedicar 24 horas para que a gente possa atender as necessidades básicas do povo que está isolado”, pontuou.