Mauro Vieira denuncia atrocidades de Israel contra palestinos
Na Cúpula dos Brics, Vieira exaltou a postura de países do Sul Global, que têm buscado a mediação do conflito no Oriente Médio. Saiba também quais foram os consensos do primeiro dia de cúpula
Publicado 25/10/2024 16:37 | Editado 27/10/2024 11:38
Na Sessão Plenária da 16ª Cúpula do BRICS em Kazan (Rússia), realizada em 24 de outubro de 2024, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, discursou com uma retórica sólida e direta que buscou reafirmar os valores e ambições do BRICS no cenário internacional. Na reunião com representantes de 36 países, o ministro brasileiro expressou críticas à falta de ação de algumas nações em relação à situação humanitária na Faixa de Gaza. Vieira exaltou, em contraste, a postura de países do Sul Global, que têm buscado a mediação do conflito no Oriente Médio.
Segundo o chanceler brasileiro, “foram os países do Sul Global que votaram a favor da resolução da Assembleia Geral da ONU que pede a cessação das hostilidades. Enquanto isso, o papel desempenhado por outros países tem sido, no mínimo, decepcionante, para não dizer conivente. Os que se arrogam defensores dos direitos humanos fecham os olhos diante da maior atrocidade da história recente”. Vieira também criticou a postura do Conselho de Segurança da ONU, dizendo que a resposta israelense ao conflito acabou por comprometer a integridade do direito humanitário internacional.
Em um contexto global marcado pela polarização e pelo enfraquecimento das instituições multilaterais, Vieira enfatizou a importância do bloco e a responsabilidade de seus membros na construção de uma ordem mundial mais justa e inclusiva. O tom do discurso destacou a missão histórica do BRICS como herdeiro de lutas pelo desenvolvimento e pela paz, ao mesmo tempo que criticou a atuação de outros países frente a crises humanitárias e conflitos prolongados.
Mais bombas que a 2ª Guerra Mundial
A menção à atuação da Liga Árabe, do Egito e do Catar para mitigar a crise humanitária em Gaza coloca os países do Sul Global como protagonistas na busca pela paz, enquanto os Estados Unidos são sutilmente criticados por seu veto no Conselho de Segurança, impedindo resoluções que poderiam suavizar a situação no Oriente Médio. A posição brasileira, alinhada com o apoio à criação de um Estado palestino independente, projeta o país como uma voz ativa na defesa dos direitos humanos e de soluções equilibradas para conflitos internacionais.
Além disso, a inclusão de África do Sul e Brasil como países que tomaram iniciativas formais na ONU em relação ao conflito reforça o BRICS como um espaço de alinhamento em causas humanitárias, sem necessariamente depender de orientações dos principais poderes ocidentais. Ao citar o histórico de intervenção militar e os bombardeios de Gaza, Vieira endossa um discurso de indignação que busca aumentar a pressão para que a comunidade internacional reveja sua posição sobre o conflito israelense-palestino.
Ele afirmou que “a resposta desproporcional de Israel tornou-se punição coletiva ao povo palestino”, e destacou que mais explosivos foram lançados sobre Gaza do que nas cidades de Dresden, Hamburgo e Londres durante a Segunda Guerra Mundial.
Multipolaridade e multilateralismo: Ucrânia, Cuba e as sanções unilaterais
Vieira abordou o conflito ucraniano, destacando a abordagem pacifista defendida pelo Brasil e pela China e reforçando o papel do BRICS como “um clube da paz” que promove o diálogo e a diplomacia para resolver disputas. Ao mencionar as sanções unilaterais contra Cuba, o ministro denunciou as ações coercitivas e a situação de bloqueio que há décadas afeta o país caribenho. A crítica se conecta diretamente ao princípio do Brasil de oposição a sanções unilaterais, posicionando o país em um caminho contrário à política de pressões econômicas.
Esse posicionamento reforça o apelo do BRICS por uma política internacional que privilegie o diálogo e o respeito ao direito internacional, ao invés do uso de sanções. Ao expressar solidariedade a Cuba, Vieira destaca a insatisfação do Brasil com as abordagens coercitivas e seu apoio a uma política de relações internacionais baseada na soberania e na autodeterminação dos povos.
Clima, inclusão e governança global: as prioridades brasileiras
No campo da governança global, Vieira evidenciou a necessidade de reformar as estruturas internacionais, uma prioridade tanto no G20 quanto na agenda da presidência brasileira no BRICS em 2025. O Brasil vislumbra uma revisão da Carta da ONU, o que, segundo o ministro, pode abrir espaço para uma estrutura mais representativa e menos suscetível à paralisia. Esse tema ecoa a vontade do Brasil de consolidar-se como um líder do Sul Global, utilizando sua posição de destaque no BRICS e no G20 para mobilizar esforços por uma governança internacional mais inclusiva.
Por fim, Vieira mencionou a possibilidade de convocar uma conferência geral para revisar a carta da ONU, de acordo com o artigo 109, que exige o apoio de dois terços dos membros da Assembleia Geral e nove votos do Conselho de Segurança.
O compromisso com a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e com o enfrentamento das mudanças climáticas reflete a visão brasileira de que o BRICS deve liderar uma resposta aos desafios contemporâneos, priorizando o desenvolvimento sustentável e a justiça climática. No caminho para a COP30 em Belém, Vieira exorta os membros a aumentar suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), endossando uma visão ambiciosa em que o BRICS pode emergir como um modelo de compromisso climático e inovação em transição energética.
Um ponto central do discurso foi a reafirmação de que o BRICS está intrinsecamente ligado aos valores defendidos por agrupamentos como o G77 e o Movimento Não-Alinhado, que foram cruciais na construção de uma “Nova Ordem Econômica Internacional” nas décadas passadas. Vieira retratou o BRICS como um sucessor desses movimentos, agora posicionado como protagonista na busca por um mundo mais equitativo e sustentável. A menção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) reforça o compromisso com metas globais que visam erradicar a pobreza e enfrentar as mudanças climáticas, posicionando o bloco como um agente de mudança capaz de atrair o interesse de outras nações do Sul Global.
O BRICS e o futuro da governança global
O discurso de Mauro Vieira na Cúpula do BRICS reflete uma visão robusta de um Brasil empenhado em redefinir seu papel internacional e fortalecer o BRICS como um protagonista da ordem multipolar. As críticas ao comportamento de grandes potências ocidentais e o chamado à solidariedade e cooperação entre países do Sul Global sugerem que o Brasil está engajado em liderar uma nova fase de diplomacia internacional.
Ao enfatizar questões como a crise climática, as reformas de governança global e a paz, o Brasil projeta o BRICS como um espaço alternativo e construtivo, capaz de dialogar com potências estabelecidas, mas determinado a defender uma agenda independente e orientada para o desenvolvimento inclusivo e sustentável.
Primeiro dia: consensos e expansão do bloco
O ministro Mauro Vieira realizou uma entrevista coletiva ao final do primeiro dia da Cúpula do BRICS, abordando temas de relevância como a expansão do grupo, as questões de governança global, conflitos internacionais e o papel do Brasil no cenário multilateral.
Em relação à guerra na Ucrânia, o ministro destacou que o documento final da cúpula reflete um consenso entre os países-membros. Vieira mencionou a iniciativa sino-brasileira, promovida durante a última Assembleia Geral da ONU, que visa fomentar um espaço de negociação e cessar as hostilidades no leste europeu. A iniciativa foi descrita como uma “plataforma aberta” para novos países, reforçando o papel de mediação da coalizão.
Uma questão central da cúpula foi a expansão do BRICS, que recentemente passou de cinco para dez membros. Vieira comentou que a inclusão de novos países será regida por critérios discutidos em Kazan, incluindo adesão aos princípios de governança global e multilateralismo. Segundo o ministro, uma lista de potenciais membros ainda será formalizada e debatida, com consultas lideradas pela presidência russa.
Indagado sobre possíveis candidaturas, como a da Venezuela, Vieira esclareceu que o grupo BRICS seguirá o princípio do consenso, o que requer o apoio dos dez membros atuais antes da adesão de novos parceiros. Ele frisou que o Brasil se mantém comprometido com uma expansão moderada e responsável, garantindo que o BRICS continue uma plataforma eficiente e ágil, sem uma expansão desmedida.
Questionado sobre as posições brasileiras diante dos conflitos no Oriente Médio, Mauro Vieira reiterou o compromisso do país com o diálogo diplomático, descartando uma possível ruptura de relações diplomáticas, mesmo em situações de violência extrema, como ocorre atualmente na Palestina. Ele enfatizou que romper relações diplomáticas agrava tensões regionais e, portanto, não está entre as opções discutidas pelo governo brasileiro.
O ministro também refutou a ideia de que a dependência tecnológica e de defesa com Israel influencie a postura brasileira. “Existem alternativas para isso”, afirmou Vieira, reforçando que o posicionamento do Brasil é fundamentado em valores diplomáticos e humanitários.
Com relação à percepção de um possível desengajamento do Brasil nas reuniões do BRICS, o ministro foi enfático ao reafirmar a importância do bloco para a política externa brasileira. Ele ressaltou que a presença de uma delegação brasileira robusta demonstra o compromisso do país com o BRICS, uma “plataforma de cooperação econômica e desenvolvimento” que, segundo Vieira, serve de instrumento para promover interesses comuns entre os países em desenvolvimento.
Para o ano que vem, durante a presidência brasileira do BRICS, temas prioritários serão a reforma das instituições internacionais e a criação de um sistema de pagamentos entre os membros, que possibilite o uso de moedas locais, reduzindo custos e dependências cambiais.
Em suas observações finais, o ministro Vieira defendeu a reforma da governança global. O Brasil, assim como outros países do BRICS, considera prioritário democratizar as instituições financeiras internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, para aumentar a representatividade dos países em desenvolvimento. Ele destacou a importância de evitar que continentes inteiros fiquem sub-representados nessas instituições e criticou o desequilíbrio de poder atual, que privilegia alguns países desenvolvidos em detrimento das economias emergentes.
Vieira apontou que a crescente adesão de países ao BRICS reflete um interesse comum entre as nações do Sul Global em promover a convergência e a sinergia de seus interesses econômicos e políticos. Ele descreveu o BRICS como um bloco que não é “contra ninguém”, mas sim a favor do desenvolvimento dos países-membros. O ministro também destacou que a convergência de interesses verificada na cúpula de ontem é um importante indicador do potencial do grupo para impulsionar mudanças na ordem mundial.
A Cúpula do BRICS em Kazan, que ainda prossegue por mais dois dias, deverá definir outros aspectos centrais para o desenvolvimento econômico e social das nações envolvidas, com enfoque em temas de inovação tecnológica e sustentabilidade.
Veja o discurso do ministro Mauro Vieira e depois a entrevista coletiva: