Tarcísio consegue aprovar PEC que tira R$ 11 bi da Educação

Sindicatos, entidades estudantis e parlamentares criticam a redução no orçamento da educação por comprometer uma rede educacional já precarizada

Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ao lado do secretário estadual de Educação, Renato Feder| Foto: Fernando Nascimento/Governo do Estado de São Paulo

Nesta quarta-feira (27), a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou, em segunda e definitiva votação, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/2023, de autoria do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). A medida reduz de 30% para 25% o percentual mínimo da receita líquida do estado destinado à educação, flexibilizando a aplicação dos 5% restantes, estimados em R$ 11 bilhões anuais. A PEC teve 59 votos favoráveis e 19 contrários, superando o mínimo de 57 necessários para aprovação.

A oposição e movimentos sociais criticaram duramente a aprovação da PEC. Sindicatos, entidades estudantis e parlamentares argumentam que a redução no orçamento da educação comprometerá o atendimento em uma rede já marcada por precariedades. Para estes, a medida é “um retrocesso” que representa cortes significativos em áreas essenciais como infraestrutura escolar, contratação de professores e aquisição de materiais didáticos.

O governo justifica a medida com base em mudanças demográficas e pressões orçamentárias, argumentando que a população envelhece e exige mais recursos para a saúde, enquanto a redução no número de matrículas escolares aliviaria a demanda por verbas na educação. Durante coletiva de imprensa, Tarcísio garantiu que “não há prejuízo nenhum” e prometeu o maior orçamento da história para a educação em 2025, afirmando que a PEC apenas oferece “flexibilidade” para redistribuir os recursos.

“Inimigo da educação”

Francisca da Rocha Seixas, dirigente da Apeoesp

Em entrevista ao Portal Vermelho, a professora Francisca da Rocha Seixas, Secretária de Assuntos Educacionais e Culturais da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), criticou duramente o governador Tarcísio de Freitas e as implicações da medida para a educação pública.

Para Francisca Seixas, o corte de mais de R$ 11 bilhões anuais nos recursos da educação representa um ataque direto aos direitos da população mais vulnerável. “Esse corte é um completo absurdo. Mostra a falta de compromisso do governador Tarcísio de Freitas com a educação e com o serviço público”, afirmou. Segundo ela, a medida ameaça a possibilidade de crianças e jovens da classe trabalhadora alcançarem uma vida digna por meio da educação.

“A educação é um investimento no futuro. Nenhum país do mundo se desenvolveu plenamente sem priorizá-la. Com esse corte, sonhos de uma sociedade mais justa e solidária serão brutalmente interrompidos”, destacou.

O impacto direto da PEC ainda não está detalhado, mas analistas apontam que o corte nos recursos pode atingir desde a educação básica até as universidades estaduais, afetando programas de permanência estudantil e a modernização das unidades de ensino técnico e tecnológico. O cálculo das perdas foi baseado na receita líquida prevista pelo governo para o próximo ano, que é de R$ 227,1 bilhões.

A educadora Madalena Guasco Peixoto

A educadora Madalena Guasco Peixoto, dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), fez críticas ao estado da educação em São Paulo, apontando a precarização das escolas e um cenário de retrocessos que impactam diretamente a qualidade do ensino público.

Segundo Madalena, embora algumas propostas recentes do governo estadual não infrinjam a legislação federal, elas refletem escolhas políticas que comprometem o direito à educação de qualidade. “Trata-se de mais um retrocesso na educação do Estado de São Paulo, que se encontra, no momento, profundamente precarizada”, afirmou ao Portal Vermelho.

Precarização estrutural e analfabetismo
Madalena destacou números preocupantes que retratam a realidade educacional no estado mais rico do Brasil. “São Paulo ainda enfrenta o desafio de lidar com mais de um milhão de pessoas analfabetas, além de continuar convivendo com as chamadas escolas de lata.”

As “escolas de lata” mencionadas pela educadora referem-se às unidades escolares construídas com estruturas metálicas, marcadas por temperaturas extremas, condições insalubres e falta de infraestrutura adequada para o aprendizado. Esse problema persiste há décadas e exemplifica o que se considera uma negligência histórica na gestão educacional do estado.

A precarização da infraestrutura escolar

A professora Francisca também pontuou que as escolas da rede estadual já enfrentam sérias dificuldades estruturais, que serão agravadas com a redução do orçamento.

“As escolas estão abandonadas. Muitas não têm bibliotecas bem equipadas, laboratórios de ciências ou computadores para inclusão digital. Quadras esportivas e materiais adequados para educação física são raridade, e aulas de arte praticamente inexistem”, lamentou.

Ela também mencionou os desafios enfrentados pelos profissionais da educação: “Os salários estão aviltantes. Muitos professores precisam se desdobrar em jornadas extensas para sobreviver, comprometendo ainda mais o ensino.”

Cortes em disciplinas e risco ao EJA

Francisca destacou que, além do impacto financeiro, a gestão Tarcísio tem promovido mudanças que enfraquecem o papel formador das escolas públicas. “O desgoverno cortou disciplinas essenciais como História, Filosofia e Sociologia. Além disso, ameaça extinguir o EJA [Educação de Jovens e Adultos], que é crucial para milhares de pessoas que buscam uma segunda oportunidade de estudo.”

Ela denunciou ainda a ampliação do projeto de privatização da educação, que, segundo ela, precariza ainda mais o ensino público e atende apenas aos interesses de grandes corporações. “Essa gestão autoritária não respeita os profissionais, os estudantes e a comunidade escolar. Respeita apenas os interesses dos tubarões da educação.”

Um apelo por resistência

A dirigente da APEOESP conclamou a sociedade a se mobilizar contra os cortes. “É preciso lutar. Não podemos permitir que os direitos dos nossos estudantes sejam arrancados. A educação pública é o único caminho para uma sociedade mais justa. Tarcísio governa para poucos e abandona aqueles que mais precisam.”

A resistência de sindicatos, movimentos estudantis e comunidades escolares promete ser intensa diante da implementação da PEC, cujo impacto deve começar a ser sentido já em 2025.

Impacto nos serviços públicos

Organizações como o Fórum das Seis, que reúne sindicatos das universidades estaduais paulistas e do Centro Paula Souza, apontam que a mudança ameaça a qualidade da educação pública no estado. Em nota, a entidade afirmou que o argumento de “flexibilização” é falacioso, pois, na prática, a medida autoriza cortes drásticos em um setor já fragilizado. Enquanto isso, o governo vai aumentando a carteira de grandes empresas a receber renúncia fiscal no Estado.

Segundo o Fórum, a política de renúncias fiscais do governo estadual, que deve atingir R$ 77 bilhões em 2025, compromete a capacidade do estado de investir em saúde e educação sem prejudicar nenhum dos setores. A falta de transparência sobre quais empresas se beneficiam das isenções fiscais e os retornos oferecidos são alvos de críticas recorrentes.

O parecer do Núcleo da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado também condena a PEC, apontando que metas do Plano Estadual de Educação não foram alcançadas, enquanto as escolas enfrentam deficiências estruturais, salários defasados e insuficiência na inclusão de estudantes com deficiência.

Educação x Saúde: um dilema orçamentário

A oposição defende que o aumento de recursos para a saúde poderia vir de outras fontes, como a revisão das renúncias fiscais, sem comprometer o investimento em educação. Parlamentares do PT, PCdoB e PSOL alertam que a medida pode abrir caminho para a privatização da educação pública no estado, enquanto professores e estudantes denunciam o sucateamento da rede estadual.

A aprovação da PEC 9/2023 marca uma virada na política orçamentária do estado de São Paulo, mas também intensifica a mobilização de movimentos sociais e parlamentares contrários à medida. Para sindicatos, estudantes e professores, a luta agora será para evitar que cortes significativos sejam implementados e que a PEC sirva de justificativa para novos avanços da agenda de privatizações.

Embora o governador tenha prometido um orçamento maior para a educação no próximo ano, especialistas ressaltam que a desvinculação de 5% das receitas pode resultar em perda significativa de recursos nos anos subsequentes, dependendo das prioridades do Executivo.

A PEC entra em vigor a partir de 2025, mas os debates sobre seus impactos e possíveis alternativas para o financiamento dos serviços públicos em São Paulo continuam na pauta de movimentos sociais, acadêmicos e parlamentares.

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