Tiroteio comercial de Trump também atinge as empresas norte-americanas

Estratégia de Trump ricocheteia em sua própria base, conforme a taxação de Canadá e China mira em produtos e empresários de estados republicanos. Resultado é recuo tático de Washington

Governos provinciais anunciaram proibições ou restrições às vendas de bebidas alcoólicas dos EUA. Prateleiras vazias com placas de "Compre produto canadense em vez disso" em uma loja de bebidas em Vancouver em 2 de fevereiro.

A decisão de Donald Trump de suspender temporariamente as tarifas comerciais de 25% sobre Canadá e México reflete um padrão recorrente em sua abordagem às negociações internacionais: uma estratégia inicial de agressão econômica, seguida por um recuo tático quando pressionado por interesses domésticos e resistência dos países afetados.

Uma estratégia complexa, que combina pressão agressiva, negociação e cálculo político. A medida, inicialmente anunciada como uma resposta à entrada de drogas ilegais e à imigração irregular, foi suspensa após compromissos dos dois países vizinhos em intensificar o combate ao tráfico de fentanil e reforçar a segurança nas fronteiras. No entanto, por trás dessa aparente vitória diplomática, há uma série de motivações e táticas que merecem uma análise mais aprofundada, incluindo a resposta chinesa na equação.

A lógica por trás da agressividade comercial de Trump

Desde seu primeiro mandato, Trump adotou uma postura protecionista para reconfigurar as relações comerciais dos Estados Unidos. Ele frequentemente recorre a ameaças tarifárias como instrumento para reafirmar o poder de barganha dos EUA em um momento em que o país enfrenta desafios econômicos e políticos, tanto internamente quanto no cenário internacional. A estratégia de Trump é clara: ele usa a ameaça de tarifas como uma forma de chantagem econômica, forçando os países a negociar sob pressão.

Esse método tem precedentes. Em 2018, Trump usou tarifas sobre aço e alumínio contra os mesmos países para forçá-los a renegociar o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), sucessor do Nafta. No entanto, assim como no episódio atual, ele acabou recuando após obter concessões que poderia apresentar como vitórias políticas.

O contra-ataque de Canadá e México (e China)

A resposta do Canadá seguiu uma lógica similar à adotada por Pequim em sua guerra comercial com Washington: atingir setores estratégicos da economia americana e minar a base política de Trump. O governo de Justin Trudeau anunciou sanções direcionadas a produtos de estados tradicionalmente republicanos, o que geraria pressão de empresários e eleitores locais sobre a Casa Branca. Além disso, a província de Ontário suspendeu um contrato com a Starlink, empresa associada ao bilionário Elon Musk, o maior aliado político de Trump.

Já o México, sob a liderança de Claudia Sheinbaum, adotou uma estratégia de apaziguamento, prometendo reforçar a fronteira com 10 mil soldados da Guarda Nacional para conter o tráfico de drogas. Em troca, Trump suspendeu temporariamente as tarifas e comprometeu-se a tomar medidas para coibir o fluxo de armas dos EUA para o México, uma das principais preocupações do governo mexicano.

Após as conversas “amistosas”, o Canadá prometeu investir 1,3 bilhão de dólares canadenses em segurança na fronteira e nomear um “czar” para supervisionar o combate ao tráfico de fentanil. Já o México se comprometeu a enviar 10 mil soldados da Guarda Nacional para reforçar a fronteira.

O recuo de Trump: estratégia ou pressão?

O adiamento das tarifas por 30 dias não significa uma mudança de postura de Trump, mas sim uma tentativa de transformar uma escalada comercial em um ativo político. O republicano agora pode alegar que sua tática de pressão forçou Canadá e México a adotarem medidas de segurança na fronteira, algo que ele prometeu em sua campanha eleitoral, mas que sabe que terá efeitos práticos muito limitados.

A suspensão das tarifas por 30 dias pode ser interpretada como um recuo tático de Trump, mas também como uma jogada calculada. Ao ceder temporariamente, o presidente americano conseguiu extrair compromissos significativos de ambos os países, ao mesmo tempo em que evitou uma escalada imediata de tensões comerciais que poderiam prejudicar a economia dos EUA.

Contudo, essa manobra também reflete a crescente resistência contra sua política comercial. Nos Estados Unidos, grandes empresas e setores exportadores já manifestaram preocupação com os impactos das tarifas, que podem elevar os preços para consumidores americanos e prejudicar a competitividade do país no cenário global.

No entanto, o recuo também revela as limitações da estratégia de Trump. A imposição de tarifas é uma faca de dois gumes: enquanto pode pressionar outros países a cederem, também pode gerar inflação, reduzir a competitividade das empresas americanas e provocar retaliações que prejudicam a economia dos EUA. A ameaça de tarifas já havia causado preocupação entre empresários e políticos canadenses e mexicanos, e sua implementação poderia ter desestabilizado as cadeias de suprimentos altamente integradas da América do Norte.

Além disso, a suspensão das tarifas ocorre em um momento de crescente instabilidade nos mercados financeiros. As bolsas de valores reagiram negativamente ao anúncio inicial das tarifas, e especialistas alertam que uma guerra comercial prolongada poderia alimentar a inflação e prejudicar o crescimento econômico dos EUA. Além disso, a estratégia de Trump de usar tarifas como ferramenta de pressão pode ter consequências de longo prazo, como a erosão da confiança entre os parceiros comerciais e a desestabilização do sistema de livre comércio na região.

A sutileza da resposta chinesa

Diferente do ex-presidente norte-americano, que impôs tarifas de 10% sobre todas as exportações chinesas de forma abrupta, com balas perdidas para todos os lados, a resposta de Pequim foi mais sofisticada e seletiva. Xi Jinping escolheu seus alvos com precisão, atingindo setores estratégicos dos Estados Unidos. A China anunciou para o dia 10 de fevereiro a imposição de uma tarifa de 15% sobre carvão, gás e 10% sobre petróleo e equipamentos agrícolas.

Além disso, incluiu marcas norte-americanas dos setores de moda e biotecnologia em uma lista de empresas consideradas não confiáveis. Como golpe adicional, Pequim abriu uma investigação contra o Google e, para o dia 11 de fevereiro, planeja impor restrições às exportações de metais nobres, como tungstênio, telúrio e bismuto, essenciais para a indústria tecnológica dos EUA.

Pequim ainda concedeu um prazo para que o ex-presidente norte-americano encontre uma alternativa diplomática para evitar um agravamento da guerra comercial. A Casa Branca sinalizou que poderia haver uma conversa entre os líderes nos próximos dias, o que evidencia um espaço para negociação.

A postura de Xi Jinping indica que a China não deseja uma guerra comercial, pois, na prática, está se beneficiando do comércio global. Em 2024, o país acumulou um superávit comercial de US$ 1 trilhão, o maior da história para qualquer país do mundo. Com uma posição confortável, Pequim pode ditar os termos do jogo, enquanto os Estados Unidos enfrentam desafios econômicos mais graves.

O impacto dessa guerra comercial não se limita às duas potências. Países da América do Sul e Europa estão observando a disputa como uma oportunidade para fortalecer relações comerciais com Pequim. Produtores de soja e milho dos EUA já manifestaram preocupação, pois veem o Brasil como o principal beneficiado caso as exportações para a China sejam prejudicadas.

Oportunidades para o Brasil

Embora o Brasil não esteja diretamente envolvido nas sanções anunciadas por Trump, o país pode ser beneficiado indiretamente pelas disputas comerciais, especialmente no setor do agronegócio. Exportadores americanos já manifestaram preocupação de que a guerra tarifária entre Washington e Pequim pode fortalecer países concorrentes – e o Brasil está no topo dessa lista.

A taxação imposta aos produtos chineses e mexicanos pode levar a uma realocação das cadeias produtivas globais, abrindo espaço para fornecedores alternativos. No caso da soja, por exemplo, o Brasil já se beneficiou de embates anteriores entre EUA e China, aumentando sua fatia no mercado chinês. A mesma lógica pode ser aplicada a outros setores, como milho, carnes e manufaturados.

Apesar das oportunidades, o Brasil também enfrenta riscos caso a disputa comercial se amplie para outros setores. Trump já sinalizou, em diversas ocasiões, que considera o Brasil um país que impõe tarifas elevadas sobre produtos americanos. O temor de que os EUA ampliem suas barreiras tarifárias contra exportações brasileiras exige uma ação diplomática cuidadosa por parte do governo brasileiro.

Outro ponto de atenção é a possível desaceleração econômica global provocada por uma guerra comercial prolongada. Caso o protecionismo de Trump gere uma recessão nos EUA e um desaquecimento do comércio global, o Brasil pode sentir impactos negativos em suas exportações, especialmente de commodities.

Além disso, a dependência do Brasil de determinados mercados – como a China – também precisa ser gerida com cautela. Se a guerra comercial entre EUA e China se intensificar, Pequim pode buscar fornecedores alternativos para diversificar sua economia e reduzir a vulnerabilidade às sanções americanas, o que poderia impactar a demanda por produtos brasileiros.

Para minimizar riscos e maximizar oportunidades, o Brasil precisa adotar uma postura proativa no comércio internacional. Algumas estratégias fundamentais incluem diversificação de mercados para reduzir a dependência de poucos parceiros comerciais, ampliando exportações para a Europa, África e outros mercados emergentes. Avançar em negociações de tratados comerciais com blocos como a União Europeia e com países asiáticos, consolidando novas rotas de exportação.

A diplomacia ativa precisa buscar manter canais de diálogo com os EUA para evitar que o Brasil se torne alvo de tarifas protecionistas, ao mesmo tempo em que fortalece relações com o BRICS e outros grupos multilaterais. O Brasil deve reforçar seu compromisso com a OMC e outras instituições internacionais para evitar que práticas protecionistas prejudiquem o comércio global, como parte de uma estratégia de apoio ao multilateralismo.

    Estratégia de risco: o ciclo de pressão e concessão

    A estratégia de Trump nas negociações comerciais segue um padrão previsível: ameaças, escalada, retaliação dos países afetados e, por fim, um recuo estratégico disfarçado de vitória. No caso atual, a pausa nas tarifas não significa que a guerra comercial acabou, mas sim que Trump reconhece os riscos políticos e econômicos de um confronto prolongado.

    Ao longo das próximas semanas, as negociações entre EUA, Canadá e México definirão se essa suspensão temporária se converterá em um acordo duradouro ou se Trump voltará a recorrer ao seu manual de pressão tarifária para tentar consolidar sua posição nas eleições presidenciais.

    A longo prazo, a dependência de tarifas como ferramenta de política externa pode minar a posição dos Estados Unidos no cenário global, especialmente em um momento em que outros países, como a China, estão buscando fortalecer suas próprias alianças comerciais. Para Trump, o desafio será equilibrar sua postura agressiva com a necessidade de manter relações estáveis e produtivas com os principais parceiros comerciais dos EUA. Enquanto isso, o mundo assiste atento aos próximos capítulos dessa estratégia de alto risco.

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