EUA e Rússia tomam à frente nas negociações sobre a Ucrânia e isolam Europa

Líderes europeus não chegaram a um consenso em Paris enquanto Washington e Moscou avançam em negociações diretas na Arábia Saudita.

O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz, se reúnem com o chanceler russo, Sergey Lavrov, e o assessor do Kremlin, Yuri Ushakov, sob a mediação do ministro saudita das Relações Exteriores, Faisal bin Farhan, e do assessor de Segurança Nacional, Musaed al-Aiban, no Palácio Diriyah, em Riad, em 18 de fevereiro de 2025. Foto: Reprodução/ Twitter

A reunião de emergência convocada pelo presidente da França, Emmanuel Macron, nesta segunda-feira (17), expôs as limitações da União Europeia frente ao conflito na Ucrânia. Sem consenso sobre o envio de tropas para o território ucraniano e com dificuldades para viabilizar um aumento substancial nos gastos militares, os países europeus ficaram à margem das negociações mais decisivas, que ocorrem nesta terça-feira (18) na Arábia Saudita, entre os Estados Unidos e a Rússia.

O encontro de Paris reuniu os chefes de governo da Alemanha, Reino Unido, Itália, Polônia, Espanha, Países Baixos e Dinamarca, além de representantes da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). No entanto, divergências internas impediram a formulação de uma estratégia clara para influenciar os rumos do conflito.

Enquanto isso, em Riad, diplomatas norte-americanos e russos realizam o encontro de mais alto nível entre os dois países desde a invasão da Ucrânia. As conversas envolvem a possibilidade de um cessar-fogo, a redefinição das relações bilaterais e potenciais flexibilizações nas sanções contra Moscou.

Europa dividida e sem consenso

A principal pauta da reunião em Paris era a possibilidade de envio de tropas europeias à Ucrânia como uma força de paz em um eventual acordo. Entretanto, a ideia foi rechaçada por países como Alemanha, Polônia e Espanha, que consideram a medida arriscada e pouco viável no momento. O único consenso entre os líderes foi o aumento dos gastos militares, que passariam do patamar de 2% para 5% do PIB em alguns países, uma decisão que esbarra na crise econômica do continente.

As divergências ficaram explícitas nas declarações de líderes europeus:

  • Keir Starmer (Reino Unido): “Há um momento geracional para nossa segurança nacional.”
  • Olaf Scholz (Alemanha): “Discutir tropas agora é completamente prematuro.”
  • Giorgia Meloni (Itália): “Enviar soldados parece a opção mais complexa e menos eficaz.”
  • Donald Tusk (Polônia): “Se falamos em garantir segurança à Ucrânia, precisamos garantir que seremos capazes de cumprir essa promessa.”

Além da falta de unidade, os países europeus enfrentam dificuldades financeiras para cumprir os novos compromissos militares. A ampliação dos orçamentos de defesa depende da flexibilização das regras fiscais da União Europeia, que limitam os déficits públicos. No entanto, economias como a da Alemanha, a maior do bloco, já enfrentam desafios estruturais para conciliar gastos militares com demandas sociais.

O chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, após a cúpula informal de líderes europeus em Paris, em 17 de fevereiro de 2025. Scholz rejeitou a proposta de envio de tropas europeias à Ucrânia, classificando-a como “completamente prematura.” Foto: Reprodução/ Twitter

A posição isolada da União Europeia no cenário geopolítico reflete um movimento maior. Desde o início da guerra, os países do bloco seguiram a estratégia dos EUA, sancionando Moscou e apoiando Kiev. No entanto, ao abrir mão dos laços econômicos com a Rússia, a Europa se viu dependente de uma aliança que agora se fragiliza com a nova administração norte-americana.

Com Trump à frente da Casa Branca, há indicativos de que os EUA reduzirão sua presença militar na Europa, mantendo apenas infraestrutura bélica em pontos estratégicos. Essa reconfiguração pode colocar o bloco diante de um dilema: buscar maior independência militar e econômica ou realinhar-se com outras potências, como a China, para preservar sua posição global.

A falta de unidade interna e a exclusão das negociações mais decisivas deixam a Europa em uma posição vulnerável, enquanto Washington e Moscou traçam os novos contornos da segurança global.

Reunião na Arábia Saudita: o futuro do conflito sem a Europa 

Paralelamente às incertezas europeias, a cúpula entre EUA e Rússia na Arábia Saudita ocorre sem a presença da Ucrânia ou de aliados europeus. O governo Trump busca negociar um cessar-fogo com Moscou, enquanto a Rússia tenta reverter parte das sanções impostas pelo Ocidente. 

A delegação dos EUA é liderada pelo secretário de Estado Marco Rubio, o conselheiro de segurança nacional Mike Waltz e o enviado especial Steve Witkoff. Do lado russo, participam o chanceler Sergey Lavrov e o assessor presidencial Yuri Ushakov. 

Além do conflito na Ucrânia, as negociações abordam um possível reaproximação entre Washington e Moscou, com a Rússia demonstrando interesse na retomada de negócios com grandes petrolíferas norte-americanas e na suspensão parcial de sanções.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, durante visita aos Emirados Árabes Unidos, onde buscou apoio para a resistência ucraniana contra a Rússia. Foto: Reprodução

O presidente Volodymyr Zelensky, que está no Oriente Médio buscando apoio, declarou que não aceitará acordos feitos “sobre a Ucrânia, sem a Ucrânia”. A posição de Trump, no entanto, sugere que o governo norte-americano pode pressionar Kiev a aceitar os termos discutidos diretamente entre EUA e Rússia. 

A exclusão dos europeus das tratativas escancara a perda de influência do bloco no conflito. “Se os EUA e a Rússia estão negociando diretamente, fica claro que a Europa não tem peso para interferir nos rumos do conflito”, afirmou um diplomata europeu sob anonimato ao New York Times.

Sauditas como mediadores e a libertação de prisioneiros 

A Arábia Saudita aproveita o encontro para se posicionar como mediadora internacional, fortalecendo sua influência no tabuleiro geopolítico. O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman tem buscado consolidar o país como um centro de negociações diplomáticas, ao mesmo tempo em que mantém boas relações com os dois lados do conflito. 

O governo saudita tem interesse em aumentar sua influência global, buscando equilibrar sua relação com os EUA e a Rússia para consolidar seu papel de potência emergente. 

O país já sediou cúpulas de paz anteriormente, mas a presença simultânea de delegações norte-americanas e russas marca um novo patamar em sua estratégia diplomática. Dias antes do encontro, a Rússia libertou o norte-americano Kalob Byers, preso por porte de drogas, e o professor Marc Fogel, trocado por um empresário russo. 

Analistas apontam que a libertação faz parte da estratégia de Moscou para criar um ambiente favorável às negociações e pressionar Washington a aliviar sanções. Para a Arábia Saudita, a reunião também representa uma oportunidade de reforçar sua relevância em outras frentes, como as discussões sobre o futuro de Gaza. 

Com Trump pressionando por uma normalização das relações entre sauditas e israelenses, o príncipe Mohammed bin Salman pode usar seu papel na mediação entre EUA e Rússia como moeda de troca para influenciar o rumo das negociações sobre o Oriente Médio. Além disso, a realização do encontro fortalece a posição saudita como uma alternativa à diplomacia tradicional do Ocidente, consolidando Riyadh como um novo polo de poder global, capaz de intermediar negociações estratégicas de grande escala.

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