Conservadores e sociais-democratas se aliam contra extrema-direita na Alemanha
Acordo entre CDU/CSU e SPD garante maioria parlamentar e prepara Friedrich Merz para chanceler federal
Publicado 09/04/2025 15:35 | Editado 10/04/2025 13:49

A Alemanha deu nesta quarta-feira (9) um passo decisivo para evitar que a extrema-direita chegue ao poder. O conservador Friedrich Merz, líder da União Democrática Cristã (CDU), anunciou um acordo de coalizão com o Partido Social Democrata (SPD), atualmente liderado pelo chanceler Olaf Scholz. A aliança inclui também a União Social Cristã (CSU), sigla irmã da CDU na Baviera, e prepara o terreno para Merz assumir o comando do governo alemão no início de maio.
A união entre conservadores e social-democratas visa conter o avanço do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que ficou em segundo lugar nas eleições parlamentares antecipadas de fevereiro, com 20,8% dos votos. A CDU/CSU foi a mais votada (28,6%), e o SPD terminou em terceiro (16,4%).
“Novo começo” para o país
Ao anunciar o pacto no Bundestag (Parlamento), Merz afirmou que o acordo é “um sinal de um novo começo para o nosso país” e prometeu reformas e investimentos que tragam “mais segurança e força econômica” à Alemanha. O acordo de coalizão ainda precisa ser confirmado por votações internas nas três legendas, mas a expectativa é de que Merz seja eleito chanceler no início de maio.
O novo governo será formado em meio a uma conjuntura internacional tensa, com instabilidades geopolíticas e econômicas agravadas por medidas protecionistas do presidente dos EUA, Donald Trump, como o aumento de tarifas sobre produtos da União Europeia e sobre o setor automotivo — ponto nevrálgico da economia exportadora alemã.
Mudança de rota e nova agenda econômica
Apesar de tradicionalmente defensores do rigor fiscal, os conservadores da CDU/CSU surpreenderam ao apoiar a reforma do “freio da dívida”, permitindo a criação de um fundo de € 500 bilhões para defesa e infraestrutura nos próximos dez anos. A mudança é atribuída à percepção de que os EUA estão se afastando de compromissos militares na Europa e à guerra prolongada entre Rússia e Ucrânia.
A CDU assumirá o Ministério do Exterior pela primeira vez em quase seis décadas, além de outras cinco pastas, incluindo Transporte e Assuntos Digitais. Já o SPD ficará com sete ministérios, entre eles Finanças, Defesa e Meio Ambiente.
Reação à extrema-direita
O avanço do AfD nas urnas — e agora nas pesquisas de opinião, com 25% de apoio, superando a CDU/CSU pela primeira vez segundo o instituto Ipsos — foi fator decisivo para a formação da aliança. Friedrich Merz, que no passado flertou com a possibilidade de alianças com a extrema-direita, negou qualquer coalizão com o AfD após vencer as eleições de fevereiro, e passou a costurar a parceria com o SPD.
A nova coalizão foi celebrada como um freio ao avanço da ultradireita, mas também recebeu críticas de setores conservadores por ceder em pontos da agenda econômica e por retomar alianças vistas como “grande coalizão”, algo comum em décadas anteriores, mas desgastado recentemente.
Migração, cidadania e segurança nacional
A política migratória será um dos temas centrais do novo governo. Merz prometeu “acabar com a migração irregular”, com aumento do controle nas fronteiras, aceleração das deportações e limitação da entrada de solicitantes de asilo. A CSU, que comandará o Ministério do Interior, deverá liderar a aplicação dessas medidas.
Na questão da cidadania, o acordo elimina a possibilidade de obtenção da nacionalidade em apenas três anos — prevista no governo Scholz para casos de integração excepcional — mas mantém o prazo geral de cinco anos (antes eram oito) e a possibilidade de dupla cidadania.
Além disso, será criado um Conselho Nacional de Segurança, subordinado à chancelaria, para coordenar decisões estratégicas de política externa e de defesa.
Redução de gastos e incentivos à competitividade
A coalizão prevê um corte de 10% nos gastos administrativos até 2029, com exceção de áreas de segurança. Também há planos para reduzir o imposto de renda de empresas a partir de 2028 e a tarifa sobre energia elétrica, visando estimular a competitividade da indústria alemã, atualmente sob pressão por causa da crise econômica e dos custos energéticos.
Já os recursos destinados a organizações internacionais e programas de desenvolvimento devem ser reduzidos em € 1 bilhão — medida justificada como parte do enxugamento da burocracia estatal.
Uma tentativa de frear retrocessos
O pacto entre CDU/CSU e SPD é, em essência, um esforço político para impedir o retorno da Alemanha a um passado autoritário e extremista. Em um momento em que partidos de extrema-direita avançam em diversos países da Europa, a aliança representa uma tentativa de preservar valores democráticos, consolidar uma agenda comum mínima e blindar o país contra a radicalização.
Merz encerrou sua fala destacando que “iremos ajudar a moldar a mudança no mundo” e prometendo “amplo apoio à Ucrânia”.
A história recente da Alemanha ensina o valor da democracia. A nova coalizão, entre adversários históricos, aposta na responsabilidade institucional para impedir que os ventos do autoritarismo ganhem mais força.