Lula e Boric defendem integração sul-americana contra instabilidade global

Em reunião com presidente do Chile, Lula convoca países da região a superarem divisões para enfrentar o cenário global

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante almoço oferecido pelo Presidente da República e a Senhora Janja Lula da Silva ao Presidente da República do Chile, Gabriel Boric. Palácio Itamaraty, 3º andar, Sala Brasília. Foto: Ricardo Stuckert / PR

A reunião entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Gabriel Boric, realizada nesta terça-feira (22) no Palácio do Planalto, marcou não apenas os 189 anos de relações diplomáticas entre Brasil e Chile, como também a primeira bilateral no ano que celebra a amizade entre os dois países. Mais do que protocolar, o encontro se transformou em uma declaração enfática sobre o papel da América do Sul no mundo — uma região que, segundo Lula, precisa superar divisões históricas para se afirmar como polo de soberania, cooperação e desenvolvimento.

Ao lembrar que a data coincide com o “descobrimento” do Brasil pelos portugueses, Lula afirmou que a história sul-americana precisa de um novo início — um que passe pela integração entre os povos do continente.

“O Brasil vivia de costas para a América do Sul”

Em um discurso de forte teor geopolítico, Lula traçou um panorama histórico das relações entre os países da região. “Por muito tempo, fomos ensinados a olhar para a Europa e os Estados Unidos e a nos enxergar como inimigos”, afirmou. O presidente brasileiro lembrou que apenas em seus primeiros mandatos o Brasil iniciou a construção de infraestruturas que de fato conectassem o país a seus vizinhos, como pontes com Bolívia e Peru.

Lula reforçou que esse isolamento foi incentivado até mesmo por setores militares. “Venezuelanos eram ensinados a ver o Brasil como ameaça. Isso precisa acabar. Temos que nos ver como aliados estratégicos, e não como adversários”, declarou.

Integração como política de Estado

Mais do que um discurso de ocasião, Lula defendeu que a integração regional seja tratada como prioridade permanente dos Estados sul-americanos. “Política externa não pode ser feita conforme o gosto de cada presidente. Tem que ser política de Estado”, disse. Ele criticou a paralisia institucional causada pela burocracia e cobrou que os acordos firmados tenham metas e prazos. “Se não tiver data, o burocrata — que é eterno — não executa. Nosso mandato tem prazo, o dele não”, ironizou.

O presidente também destacou que os países da América do Sul precisam deixar de lado as divergências ideológicas. “Não precisa gostar um do outro. Isso aqui não é casamento, é relação entre Estados”, afirmou, ao relembrar sua boa convivência com presidentes de diferentes espectros políticos, como Uribe e Piñera.

Soberania, BRICS e liderança generosa

Lula voltou a criticar o protecionismo das grandes potências e o desequilíbrio das instituições internacionais. “As regras do jogo global não foram feitas para nós. Foram feitas pelos colonizadores”, disse, mencionando a desproporção de votos no Comitê Olímpico e a sub-representação africana.

Ele reiterou que o Brasil não precisa disputar “carguinhos” com vizinhos: “O Brasil já é grande por si só. Nossa liderança tem que ser generosa, de construção conjunta.” Lula convidou Boric a participar da Cúpula dos BRICS em julho, e sugeriu que o chileno procure uma audiência com o presidente chinês Xi Jinping: “Você precisa mostrar que a grandeza de um país não está no seu território, mas na força da sua política e do seu povo.”

Por fim, agradeceu o acolhimento chileno a exilados brasileiros durante a ditadura. “O Brasil é eternamente grato ao Chile pelo que fez em 1964”, declarou.

Boric: laços estratégicos e democracia no centro da agenda

Ao lado de Lula, o presidente Gabriel Boric celebrou a “revitalização” das relações bilaterais com o Brasil, desde o retorno dele à Presidência em 2023. “Compartilhamos laços de amizade e fraternidade. E hoje, mais do que nunca, estamos trabalhando juntos pelo desenvolvimento de nossos povos”, afirmou.

Boric destacou que os 19 acordos firmados no último ano abrangem temas que vão da segurança à inteligência artificial. “Queremos políticas públicas que melhorem a vida dos mais pobres e da classe média. Esse é o centro da nossa cooperação.”

Comércio recorde e integração concreta

O presidente chileno celebrou o recorde histórico no comércio bilateral em 2024, com mais de US$ 12 bilhões em intercâmbio — superando, segundo ele, o comércio do Brasil com França, Espanha e Reino Unido. “O Brasil é nosso principal parceiro comercial na região e um dos mais relevantes no mundo”, declarou.

Ele também antecipou a participação dos dois países em um fórum empresarial e em projetos estratégicos como o corredor bioceânico, que ligará os oceanos Atlântico e Pacífico por meio da infraestrutura rodoviária compartilhada com Argentina e Paraguai. “Não é só retórica. É integração real”, disse.

Segurança, cultura e inovação no pacote de acordos

Cerimônia de assinatura de atos entre a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, e a ministra chilena da mesma pasta, Aisén Etcheverry. Palácio do Planalto, Salão Leste. Foto: Ricardo Stuckert / PR

A visita oficial culminou na assinatura de 13 acordos em áreas como segurança pública, cooperação jurídica, cultura, ciência, agricultura e defesa. Entre os destaques, está o pacto para combater o crime organizado transnacional, com troca de informações entre polícias e judiciários, e o memorando para promover produções audiovisuais conjuntas.

Outros acordos contemplam agricultura familiar, políticas migratórias, certificação sanitária e desenvolvimento de inteligência artificial com ênfase em inclusão e soberania digital.

Um novo capítulo para a América do Sul

A cerimônia no Planalto simbolizou mais do que a reaproximação de dois governos progressistas: marcou um novo capítulo para a América do Sul, que busca respostas conjuntas em tempos de guerra comercial, crises climáticas e desigualdades crescentes. Brasil e Chile apontam caminhos possíveis — com diálogo, integração e compromisso com a democracia.

Como resumiu Boric: “Temos o dever de trabalhar juntos. Aqui, na América do Sul, somos países amigos”.

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