MPF quer que antigo Dops do Rio seja um centro de memória do regime militar

Imóvel na capital fluminense foi usado para prender e torturar opositores da ditadura

Dops no centro do Rio. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Prédio marcado pela dor e símbolo da violência da ditadura militar (1964-1985), a antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Rio de Janeiro poderá ganhar um novo destino. O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao governo federal que o local se torne um centro dedicado à memória das vítimas do autoritarismo, ao resgate da história e à promoção dos direitos humanos.

A recomendação — feita pelo MPF junto ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) — estabelece o prazo de 60 dias para que os dois órgãos apresentem as providências necessárias para reverter ao patrimônio da União o imóvel situado na Rua da Relação, nº 38/40, no centro do Rio de Janeiro.

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Além disso, na peça o MPF pede que o estado do Rio de Janeiro e a Polícia Civil não imponham obstáculos à atuação da União no imóvel e garantam o acesso imediato e permanente para as ações necessárias de preservação.

Originalmente, o prédio pertencia à União e foi doado ao extinto Estado da Guanabara na década de 1960, sob a condição de uso para fins policiais e com obrigação de preservação.

Entretanto, conforme explica o MPF, “o prédio não cumpriu sua destinação e está abandonado há mais de 15 anos, em estado de conservação precário”.

Parte interna do Dops. Foto: divulgação/MPF

Ainda de acordo com o MPF, um parecer técnico do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania concluiu que as condições da cessão foram descumpridas, o que justifica a reversão do imóvel ao patrimônio federal.

“A transformação desse espaço em um centro de memória é uma medida de justiça e reparação histórica”, afirma o procurador regional adjunto dos Direitos do Cidadão, Julio Araujo. Para o procurador, “locais como o antigo Dops não podem ser esquecidos ou apagados. Eles precisam ser ressignificados como espaços de resistência, lembrança e aprendizado para as futuras gerações”.

Inquérito

A situação do imóvel — que tem valor histórico e ainda guarda documentos do período ditatorial — levou o coletivo “RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação” a fazer uma representação junto ao MPF que, por sua vez, decidiu pela abertura de um inquérito, em março de 2024.

Outro ponto que faz parte do inquérito é a garantia do recolhimento e tratamento da documentação histórica do Dops, que registra a perseguição política, a tortura e as violações de direitos durante o regime militar, e que será transferido para o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (Aperj).

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O MPF destaca, ainda, que o valor do prédio vai além do período ditatorial mais recente. O local foi a sede da Polícia Central desde o início do século 20, espaço de onde saíram políticas de criminalização — por vadiagem, capoeiragem e outros “crimes” — da população negra no pós-abolição, assim como de perseguição às religiões de matriz africana. O imóvel também abrigou a polícia política na Era Vargas e em 1987 foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac).

Lugares de Memória

Uma vez finalizado o processo de transformação em centro de memória, o prédio se somará a outros pontos históricos que tratam da ditadura.

Segundo a publicação “Lugares de Memória da Ditadura Militar”, mapeamento feito pelo governo federal e divulgado em abril, atualmente existem ao menos 49 locais com essa finalidade no país:
17 no Sudeste, 15 no Nordeste, sete no Sul, seis no Norte e quatro no Centro-Oeste. Entre os estados, São Paulo concentra o maior número de locais mapeados (sete), seguido por Pernambuco (seis) e Rio de Janeiro (cinco).

Os espaços identificados incluem quartéis, cemitérios, prisões, hospitais, parques e universidades, entre outros locais associados à repressão política e à resistência democrática.