Violência contra jornalistas recua, censura e assédio judicial disparam
Relatório da Fenaj revela queda nos ataques físicos em 2024, mas aponta alta preocupante na censura e no uso abusivo da Justiça para silenciar a imprensa
Publicado 21/05/2025 13:41 | Editado 21/05/2025 14:04

Apesar da redução no número total de ataques a jornalistas no Brasil em 2024, a liberdade de imprensa continua sob ameaça. O novo relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) revela uma queda de 20,4% nas agressões gerais em relação a 2023 — foram 144 casos registrados, o menor número dos últimos seis anos. No entanto, o otimismo para por aí.
Dois fenômenos preocupantes ganharam força: o assédio judicial e a censura. O primeiro, caracterizado pelo uso abusivo de processos judiciais para intimidar jornalistas, representou 15,97% das agressões em 2024. A censura, por sua vez, mais que dobrou: saltou de 5 para 11 casos, um aumento de 120%.
“Essa queda numérica deve ser vista com cautela”, adverte o relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil 2024, divulgado nesta terça-feira (20). “Persistem práticas sistemáticas de silenciamento e repressão, com destaque para a instrumentalização do Judiciário por políticos, empresários e religiosos.”
Instrumentalização da justiça como arma de intimidação
O assédio judicial foi usado como arma para sufocar denúncias e intimidar repórteres, especialmente em ano eleitoral. O período de maio a outubro, que concentrou a campanha municipal, foi o mais violento: 94 dos 144 ataques ocorreram nesses meses, quase 65% do total. Julho, em especial, foi o ápice da hostilidade.
Leia também: Imprensa bolsonarista e influenciadores foram peça-chave na tentativa de golpe
Políticos e seus aliados seguem no topo da lista dos agressores: 48 dos casos foram diretamente ligados a eles. Somados a servidores públicos e militantes de extrema direita, esses grupos respondem por quase metade (47,2%) de todos os ataques registrados.
Censura em alta e discurso de ódio
O avanço da censura institucional — muitas vezes por meio de decisões judiciais — preocupa entidades de defesa da liberdade de imprensa. Segundo a Fenaj, essas ações têm buscado cercear o conteúdo jornalístico sob o pretexto de preservar “reputações”, mas, na prática, impõem controle à informação.
Outro ponto crítico é a descredibilização da imprensa: foram 9 casos em 2024, frente aos 7 do ano anterior. O relatório reforça que a retórica antijornalismo, popularizada durante o governo Bolsonaro, ainda ecoa fortemente, especialmente nas redes sociais, hoje território fértil para discursos de ódio.
Política e violência andam juntas
O período eleitoral (maio a outubro) concentrou 65% dos ataques registrados no ano, com destaque para julho — mês mais violento do ciclo. Os principais agressores continuam sendo políticos, seus assessores e apoiadores, que juntos responderam por quase metade dos casos. A maioria desses ataques parte do campo ideológico da direita e extrema-direita.
Leia também: Para STF, uso abusivo de ações judiciais põe em risco a liberdade de imprensa
Mesmo fora do poder executivo federal, o bolsonarismo e seus ecos continuam atuantes nas redes sociais e nas ruas, alimentando discursos de ódio e ataques físicos. A polarização crescente, especialmente durante a corrida eleitoral municipal, impulsionou a violência simbólica e direta contra jornalistas.
Violência muda de forma, mas não desaparece
Houve queda em alguns tipos de agressões tradicionais, como as físicas (30 casos) e ameaças presenciais (27), mas surgiram novos episódios preocupantes: tentativas de homicídio, importunação sexual, ataque misógino e risco de morte. Também aumentaram os casos de descredibilização da imprensa (de 7 para 9), mantendo viva a narrativa de deslegitimação iniciada no governo anterior.
A violência de gênero persiste. Em estados como Santa Catarina e Paraná, os ataques a mulheres jornalistas superaram os sofridos por homens. As jornalistas seguem sendo alvo preferencial de ataques misóginos e hostilizações.
Leia também: Brasil sobe 10 posições no ranking de liberdade de imprensa
Já os profissionais da mídia digital se tornaram o principal alvo dos ataques: 63 dos 144 casos ocorreram contra jornalistas atuando nesse meio, superando pela primeira vez os profissionais de TV.
O que está em jogo
A presidenta da Fenaj, Samira de Castro, alerta: “A queda nos números não pode mascarar a sofisticação dos ataques. Censura e assédio judicial não deixam marcas visíveis, mas corroem a liberdade de imprensa com o mesmo efeito devastador.”
O relatório da Fenaj mostra que o jornalismo brasileiro está menos ferido em número, mas ainda cercado — agora por ameaças jurídicas e políticas que buscam calar profissionais pela exaustão. E apesar do Brasil não ter registrado a morte de jornalistas no exercício da profissão em 2024, a realidade segue longe de ser segura. Profissionais foram ameaçados com armas, perseguidos, baleados em casa ou durante o trabalho. A liberdade de imprensa ainda é alvo de múltiplas frentes — físicas, jurídicas e simbólicas.
“Só com uma imprensa livre e protegida será possível garantir o direito à informação e sustentar os pilares da democracia”, conclui o relatório.
Confira a íntegra do relatório aqui.