Plataformas digitais precarizam condições de trabalho online, diz relatório
Estudo internacional revela que maioria das plataformas digitais de trabalho remoto não assegura padrões mínimos de justiça trabalhista, expondo precarização e falta de proteção aos profissionais.
Publicado 02/06/2025 16:15 | Editado 02/06/2025 17:13

O relatório Fairwork Cloudwork Ratings 2025, elaborado pelo Oxford Internet Institute e pelo WZB Berlin Social Science Center, avaliou 16 plataformas digitais de trabalho remoto, conhecidas como “cloudwork”, como Upwork, Amazon Mechanical Turk e Clickworker, revelando um cenário de precarização estrutural. O estudo foi divulgado neste mês. Com base em cinco princípios (remuneração justa, condições de trabalho, contratos, gestão e representação), conclui-se que apenas 12% dos trabalhadores conseguem remuneração compatível com o salário mínimo de seus países, enquanto 78% enfrentam jornadas exaustivas sem proteção social.
As plataformas digitais, antes conhecidas principalmente por intermediar serviços como transporte, entrega e aluguel por temporada, agora também contratam trabalhadores para atividades remotas online em todo o mundo, inclusive no Brasil. Essas tarefas incluem desde a alimentação de bancos de dados de inteligência artificial e criação de conteúdo até serviços especializados, como contabilidade, advocacia e arquitetura. Muitos desses serviços são pagos por projeto. Segundo o Banco Mundial, cerca de 400 milhões de pessoas estão inseridas nesse setor.
A pesquisa analisou 16 das plataformas mais utilizadas no mundo e ouviu cerca de 750 trabalhadores em cem países. O resultado foi um ranking com notas de 0 a 10, com média geral de apenas 3,5 pontos.
Os resultados indicam que a maioria das plataformas está longe de cumprir os padrões mínimos de trabalho decente. Apenas uma plataforma alcançou sete pontos em 10 possíveis, enquanto outras 12 não demonstraram evidências de atender a mais de três dos dez critérios avaliados. O estudo destaca que a expansão das big companies está associada à erosão de direitos trabalhistas, com ênfase no uso de algoritmos para intensificar a pressão sobre os profissionais.
O setor de trabalho remoto movimentou US$ 500 bi em 2024, mas 70% dos trabalhadores vivem sem direitos. “A economia digital não pode ser sinônimo de precariedade. Plataformas têm escolha — e algumas estão provando que é possível melhorar”, afirma Jonas Valente, coautor do relatório.
Remuneração e condições de trabalho abaixo do ideal
Um dos dados mais alarmantes é a remuneração média de US$ 1,80 por hora para trabalhadores de microtarefas em países como Índia, Nigéria e Brasil. Mesmo em nações desenvolvidas, como Estados Unidos e Reino Unido, 40% dos freelancers não alcançam o piso salarial local. O relatório aponta que plataformas como a Amazon MTurk mantêm valores fixos desde 2015, ignorando a inflação e o custo de vida crescente.
Apenas quatro plataformas — Prolific, SoyFreelancer, 5 Euros e Upwork — comprovaram sistemas que garantem pagamentos pontuais aos trabalhadores. Nenhuma plataforma assegurou o pagamento do salário mínimo local. Além disso, seis plataformas evidenciaram medidas para evitar níveis excessivos de competição entre trabalhadores e sobrecarga de trabalho.
Menos de 5% dos trabalhadores em plataformas de nuvem possuem cobertura de saúde, aposentadoria ou seguro-desemprego. A maioria é classificada como “autônoma”, o que as exclui de direitos básicos garantidos por CLT ou legislações equivalentes. No Brasil, por exemplo, 70% dos freelancers informais enfrentam dificuldades para acessar programas sociais, mesmo contribuindo com impostos via microempresa.
Os resultados mostram que:
- Apenas três plataformas (ComeUp, Elharefa e Translated) atingiram oito pontos em dez, garantindo salário mínimo local, contratos transparentes e mitigação de riscos à saúde.
- Nove plataformas não ultrapassaram dois pontos, e três (Freelancer, Microworkers e Amazon Mechanical Turk) não cumpriram nenhum critério mínimo.
- 56 mudanças pró-trabalhador foram implementadas desde 2023, como políticas de salário mínimo e canais de apelação, impactando 2 milhões de trabalhadores.
- Pagamento injusto: 31% dos trabalhadores relataram não receber por trabalhos concluídos, e 38% enfrentaram atrasos. Apenas 7 plataformas garantem pagamento integral.
- Salário mínimo: Apenas Elharefa, Translated e Terawork asseguram remuneração acima do piso local. Na Amazon Mechanical Turk, trabalhadores relatam ganhar menos de US$ 2/hora.
- Saúde e segurança: sete plataformas mitigam riscos (como exposição a conteúdo violento), mas em Fiverr e Upwork, trabalhadores denunciam burnout e falta de suporte.
Algoritmos excludentes: 62% dos trabalhadores não entendem como tarefas são distribuídas. Plataformas como Appen e Clickworker usam sistemas de pontuação que penalizam recusas. - Sul Global prejudicado: Trabalhadores de países como Peru e Nigéria relatam desconfiança por sotaque ou localização, reduzindo acesso a empregos.
Contratos pouco transparentes e gestão ineficiente
Somente duas plataformas, Prolific e Fiverr, foram reconhecidas por oferecer termos e condições claros aos trabalhadores. No que diz respeito à gestão, sete plataformas atenderam aos critérios básicos de processos justos para decisões que afetam os trabalhadores, mas apenas três demonstraram equidade no processo de gestão.
“Quando a gente olha para os modelos mais clássicos, está escrito no contrato aquilo o que cada parte, trabalhador e empregador, pode ou vai fazer. No caso das plataformas, encontramos os contratos, mas muitos não são claros. No caso de trabalhadores que estão dispersos, no Brasil, por exemplo, onde muitos não falam inglês, a pessoa vai ter dificuldade de entender o que ela pode ou não fazer, quais são as regras e como ela vai ser paga. Isso leva a questões concretas, como condutas que podem determinar a suspensão ou o desligamento das plataformas”, explicou Jonas Valente.
O relatório denuncia o controle unilateral das plataformas sobre condições de trabalho, com algoritmos decidindo tarefas, prioridades e até punições por “baixa produtividade”. Trabalhadores relatam bloqueios repentinos de contas sem justificativa, o que pode significar a perda de 90% de sua renda mensal em horas. Não há canais de diálogo ou sindicalização. A única ‘reclamação’ aceita é a nota de 1 a 5 dada pelo cliente.
Falta de representação e isolamento dos trabalhadores
Apenas duas plataformas, Clickworker e Jovoto, foram reconhecidas por permitir representação justa, envolvendo o reconhecimento e engajamento com corpos coletivos de trabalhadores. O relatório destaca que a natureza do trabalho em plataformas digitais pode levar ao isolamento e desumanização dos trabalhadores, dificultando a formação de solidariedades e a identificação dos clientes com as condições enfrentadas pelos profissionais.
Enquanto trabalhadores da Europa e América do Norte recebem, em média, três vezes mais que seus pares no Sul Global , a concorrência internacional intensifica a corrida para o fundo. Países como Quênia e Filipinas tornaram-se hubs de microtarefas de baixo custo, mas com altos índices de burnout . O estudo aponta que 62% dos trabalhadores dessas regiões estão em “dupla jornada”, combinando serviços digitais com empregos presenciais para sobreviver.
Desafios adicionais: Inteligência Artificial e falta de regulação
O estudo também aponta preocupações com a crescente incorporação de tecnologias de inteligência artificial nas plataformas, que podem agravar a precarização do trabalho. Além disso, a falta de regulação eficaz e a resistência das empresas em adotar práticas que garantam trabalho digno são obstáculos significativos para a melhoria das condições dos trabalhadores em plataformas digitais.
Organizações como a Internacional de Trabalhadores Precários (WIE) e o Instituto da Economia Gig exigem mudanças urgentes. É necessário regulamentar plataformas como empregadoras formais, garantindo contrato escrito, piso salarial global e direito à sindicalização. O relatório também sugere taxação progressiva sobre lucros de gig companies para financiar políticas sociais.
O relatório pressiona por:
✅ Leis internacionais que classifiquem plataformas como empregadoras (garantindo CLT digital).
✅ Fiscalização sobre algoritmos para evitar discriminação.
✅ Fundos de proteção financiados pelas próprias empresas.
No caso do Brasil, Jonas chama ainda a atenção para a regulação proposta no Projeto de Lei 12/24, que deveria incluir todos os trabalhadores em plataformas e não apenas os motoristas de transporte privado, como foi proposto.
Em nota, a Upwork afirmou que “empodera milhões de trabalhadores com flexibilidade e oportunidades globais”, enquanto a Amazon MTurk destacou iniciativas de treinamento gratuito. No entanto, ambas rejeitaram propostas de sindicalização e aumento de tarifas. “A resistência das plataformas confirma que o problema não é técnico, mas político. Sem pressão regulatória, a exploração continuará”, conclui o relatório.
A partir do projeto Fairwork, realizado desde 2023, foi oferecido suporte às plataformas para que se adequassem a padrões mínimos de trabalho justo, e 56 melhorias foram feitas.
As ações vão da atualização de contratos até a melhoria na resolução de disputas e transparência. No entanto, as mudanças ficaram restritas a poucas empresas.
Este ano, a Fairwork convidou as 16 plataformas investigadas para comentar a pesquisa. Somente três responderam, a ComeUp, a Scale/Remotasks e a Translated. Elas reconheceram problemas e informaram que continuam com o compromisso de melhorar as condições. As demais não responderam.
Foram investigadas a Fiverr, SoyFreelancer, Appen, Clickworker, PeoplePerHour, Upwork, Freelancer, Microworkers, Prolific, Terawork, Creative Words e Elharefa, além da Amazon Mechanical Turk.
Com informações da Agência Brasil