Garnier se esquiva de evidências e “esquece” muitos “detalhes”

Ex-comandante disse, ainda, não ter recebido minuta golpista e que documento apresentado em reunião teria apenas “considerações” para conter uma possível “insatisfação popular”

O ex-comandante da Marinha, brigadeiro Almir Garnier. Foto: reprodução/TV Justiça

Nesta terça-feira (10), segundo dia dos interrogatórios do Supremo Tribunal Federal (STF) com os réus do núcleo crucial da trama golpista, o primeiro a falar foi o ex-comandante da Marinha, brigadeiro Almir Garnier Santos. Embora tenha confirmado sua participação em reuniões com o ex-presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2022, ele procurou minimizar que houvesse alguma planejamento de golpe e negou ter colocado as tropas à disposição de Bolsonaro.

O ministro Alexandre de Moraes presidiu a sessão. Logo no início, tratou da reunião do dia 7 de dezembro de 2022 — quando Bolsonaro discutiu a minuta do golpe, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República.

Sobre isso, Garnier explicou que na ocasião teriam sido tratados vários assuntos, dentro os quais o principal seria a “preocupação que o então presidente tinha, e que também era nossa, das inúmeras pessoas que estavam, digamos assim, insatisfeitas, e se posicionavam no Brasil todo, normalmente em frente aos quartéis do Exército, e que aquilo poderia trazer alguma dificuldade para a segurança pública”.

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Depois, disse que houve a apresentação de “alguns tópicos de considerações que poderiam levar, talvez — não foi decidido isso naquele dia — a decretação de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) ou de necessidades adicionais, principalmente visando a segurança pública”.

Questionado por Moraes se teria sido mostrada uma minuta, respondeu que não viu. “O que eu vi foi uma apresentação num telão”, afirmou. “Quando o senhor fala em minuta, em penso em um papel, em um documento que lhe é entregue. Eu não recebi esse tipo de documento”.

O brigadeiro afirmou, ainda, não se lembrar dos detalhes do documento exposto, mas sustentou que além da “pressão popular nas ruas”, constavam “considerações acerca, talvez, do processo eleitoral, alguma coisa ligada à forma como algumas questões eleitorais aconteceram”.

E acrescentou: “Sinceramente, não me lembro dos detalhes, porque, como disse para o senhor, foi algo apresentado numa tela, em que não se aprofundou em nada, mas era parte de uma análise do cenário político e social naquele momento”.

Tropa à disposição

Tendo como base afirmação feita pelo general Freire Gomes, então comandante do Exército, Garnier foi interpelado por Moraes sobre a informação de que ele teria sido o único chefe das Três Forças a colocar “as tropas da Marinha à disposição de Bolsonaro”. Garnier respondeu “não, senhor”.

Na sequência, perguntado se não teria tocado neste assunto, Garnier disse: “Senhor ministro, como lhe disse, não houve deliberações, o presidente não abriu a palavra para nós. Ele fez as considerações dele, expressou o que pareciam para mim mais preocupações e análises de possibilidades do que propriamente uma ideia ou intenção de conduzir alguma coisa em uma certa direção”.

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O brigadeiro seguiu explicando que “a única (coisa) que percebi, que me era tangível e importante, era a preocupação com segurança pública para a qual a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) é um instrumento adequado dentro de certos parâmetros, que senhor bem sabe. Eu, como é normal na minha atitude, eu me atenho às minhas funções e responsabilidades”.

Próximo do final de seu interrogatório, questionado novamente, agora pelo ministro Luiz Fux, sobre a possibilidade de colocar as tropas à disposição de Bolsonaro, disse que “nunca usou essa expressão”. E também não soube explicar porque, em troca de mensagens, fora elogiado por sua postura pelo general Walter Braga Netto naquele momento.

Reunião “estranha”

Sobre reunião convocada pelo ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, no dia 14 de dezembro de 2022, Garnier foi questionado se teria sido apresentado algum documento, com a minuta do golpe. Em resposta, afirmou: “A minha lembrança dessa reunião é que estávamos os três (os comandantes das Forças Armadas) e que não houve apresentação de nenhum documento durante a reunião. Se o senhor me perguntar de uma apresentação, eu não lembro de ter sido apresentado nenhum documento”.

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Depois, disse que “essa reunião foi, para dizer no mínimo, estranha” e que ela “meio que se encerrou antes de começar”. Ele afirmou ter ficado “com a impressão de que eu tinha chegado um pouquinho depois dos outros dois colegas e que algo poderia ter acontecido antes.

“Estavam os três sentados, essa é a minha lembrança. Quando eu entrei, eu já percebi que tinha havido algum tipo de desentendimento, ou de alguma discussão que tinha acontecido, e a reunião foi encerrada. O ministro (da Defesa) não abriu nenhuma pauta adicional, parecia estar chateado e a reunião foi encerrada. Eu não tive nem participação ativa nenhuma dessa reunião, porque eu não vi assunto.”

Os interrogatórios continuam nesta terça-feira (10). Após de Almir Garnier, foi a vez de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Os primeiros a falar foram o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator, Mauro Cid, seguido de Alexandre Ramagem. As sessões devem continuar até esta sexta-feira (13) e são feitas em ordem alfabética dos nomes dos réus. Bolsonaro é o sexto a falar.