Djamila Ribeiro celebra carreira de Leci Brandão como símbolo de resistência e ancestralidade

Filósofa destaca em artigo a força artística e política da sambista. Leci Brandão é homenageada com documentário e shows em São Paulo, celebrando uma trajetória que entrelaça arte, política e defesa das causas populares

Aos 80 anos, a deputada e sambista Leci Brandão completa 50 anos de carreira em julho de 2025

A filósofa Djamila Ribeiro prestou, nesta quinta-feira (26), uma comovente homenagem à cantora, compositora e deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP) pelos seus 80 anos de vida e 50 de carreira. Publicado na coluna semanal de Djamila na Folha de S.Paulo, o texto “Leci Brandão chega aos 80 anos como quem entra numa roda de samba” combina memória pessoal, análise crítica e reverência afetiva a uma das mais importantes artistas e figuras públicas negras do Brasil contemporâneo.

Com a sensibilidade de quem cresceu ouvindo seus sambas em quintais regados a sardinha na brasa e fumaça de churrasco, Djamila reconhece em Leci uma líder que ajudou a forjar caminhos para outras mulheres negras, mesmo quando apenas anunciava a chegada de novos líderes, como no clássico “Zé do Caroço”.

Para a filósofa, a artista “permanece como uma presença inspiradora para todos nós, brasileiras e brasileiros — especialmente mulheres negras”. Djamila destacou como Leci transformou o samba em uma “arma de crítica social”, abordando temas como religiões de matriz africana, desigualdade e empoderamento feminino.

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De Madureira ao Parlamento: uma trajetória multifacetada

Nascida em 1944, na zona norte do Rio de Janeiro, Leci Brandão tornou-se uma figura central do samba brasileiro e da política paulista. Filha de Dona Lecy de Assumpção Brandão, que varria salas de aula para sustentar a família, e de Seu Antônio Francisco da Silva, servidor público e amante da música, ela carrega em sua trajetória as marcas da perseverança e da resistência.

Sua história inspirada é destaque no documentário Leci , dirigido por Anderson Lima, que retrata sua ascensão como a primeira mulher a compor na ala da Escola de Samba Mangueira, seu papel como deputada estadual por São Paulo desde 2006 e sua influência como voz crítica contra o racismo e a opressão.

Além da carreira musical, Leci Brandão se firmou como uma voz influente na política. Eleita deputada estadual por São Paulo há quase duas décadas, ela defende pautas como educação, saúde pública e direitos das mulheres. Sua trajetória, segundo a jornalista Cida Bento, “é um exemplo de como a arte e a política podem convergir para transformar realidades”.

Pioneira, baluarte e educadora afetiva

Nascida em Madureira e criada em Vila Isabel, Leci Brandão foi a primeira mulher a integrar a ala de compositores da Mangueira, escola da qual se tornou baluarte. Djamila recorda que sua trajetória é marcada por um samba que fala de amor, de ancestralidade, dos orixás, mas também de denúncia, crítica e resistência — um samba que pensa o Brasil e seus abismos raciais.

Segundo Djamila, Leci não apenas canta, mas educa com sua arte: “A compositora sempre trouxe na veia de sua obra a crítica social”, escreve. A sambista também aparece como símbolo de generosidade e afeto político, seja pelo amor à mãe, Dona Lecy — tema de sambas marcantes —, seja pelo apoio a colunistas e pensadoras negras como a própria autora.

“Ela é madrinha de muita gente”

Djamila revela um lado íntimo de Leci: a mulher que, mesmo sem filhos biológicos, é madrinha de uma multidão. Uma artista que estende a mão, apoia e vibra com os avanços das outras, sempre guiada pela ética do cuidado e pela coerência política. “Ela segura na mão e apoia quem está ao seu redor, transmutando suor em alegria coletiva”.

Ao mesmo tempo, a filósofa destaca a formação intelectual sólida de Leci, leitora assídua de jornais desde jovem, e comprometida com a defesa das mulheres, da população negra, das religiões de matriz africana e das classes trabalhadoras — tanto em sua produção artística quanto nos mandatos parlamentares.

De filha de varredora à referência nacional

O artigo também resgata aspectos fundamentais da infância e da trajetória familiar de Leci. Com orgulho, a artista sempre contou que ajudava a mãe, funcionária da limpeza escolar, a varrer salas de aula, e foi nesse cotidiano que aprendeu a força da dignidade no trabalho. Do pai, seu Antônio, herdou a musicalidade e o gosto pela ópera e pelo samba.

Essas experiências formaram uma artista popular e refinada, conectada com as raízes da cultura brasileira e com a urgência da transformação social. Djamila faz referência ainda à dissertação de Fernanda Kalianny sobre a trajetória de Leci, transformada em livro pela Editora Gota, como parte do esforço de registrar sua importância para a história nacional.

O legado vivo que canta e luta

Com dezenas de álbuns, Prêmios da Música Brasileira e participação ativa na cobertura de desfiles de Carnaval, Leci Brandão segue como figura pública ativa, generosa e necessária. Como lembra Djamila, ela permanece dizendo o que precisa ser dito, inclusive nas entrevistas recentes em que reconhece o pagode como espaço de visibilidade para o amor às mulheres negras — algo que o samba tradicional nem sempre soube fazer.

Nos próximos dias 8 e 9 de julho, Leci celebrará 50 anos de carreira com dois shows na Casa Natura Musical, em São Paulo, ao lado de mestres do samba. A ocasião também marca o lançamento do livro
Filha de Dona Lecy , baseado na dissertação de Fernanda Kalianny Martins de Souza. Para Djamila, essa é mais uma oportunidade de homenagear uma mulher que transformou sua vida em canção e sua canção em caminho para tantas outras.

“Que sua luz continue iluminando o caminho de tantas gerações”, finaliza a autora, reafirmando o papel de Leci como ancestral viva no panteão da cultura e da política brasileira.

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