Áudios revelam que ex-chanceler da Colômbia buscou Trump para golpe contra Petro

Álvaro Leyva procurou aliados republicanos nos EUA para pressionar pela saída do presidente colombiano e substituição pela vice. Governo Trump ignorou pedido; Petro fala em “conspiração bárbara” com narcotráfico e extrema direita

O então chanceler da Colômbia, Álvaro Leyva (esquerda), conversa com o presidente Gustavo Petro durante evento no Palácio de São Carlos, em Bogotá, capital do país - 25.abr.23/Xinhua

Uma série de áudios explosivos revelados pelo jornal El País neste domingo (29) expôs uma grave tentativa de golpe de Estado na Colômbia: o ex-chanceler Álvaro Leyva tentou mobilizar apoio político internacional — em especial da ala republicana do governo Donald Trump nos EUA — para remover do poder o presidente Gustavo Petro e substituí-lo por sua vice, Francia Márquez.

Leyva, que foi ministro das Relações Exteriores até 2024 e um dos aliados mais próximos de Petro no início do governo, afirmou nas gravações que o presidente colombiano era um “homem errático” e “viciado em drogas” — acusação já feita publicamente e reiteradamente negada por Petro. O ex-chanceler viajou aos EUA em busca do apoio do então secretário de Estado Marco Rubio, tentando intermediá-lo com os congressistas republicanos Mario Diaz-Balart e Carlos Giménez, ambos da Flórida.

Segundo o El País, a Casa Branca ignorou a proposta de Leyva, que chegou a sugerir a utilização de “meios armados e não armados” para destituir o presidente colombiano. “Temos que tirar esse cara de lá. Ele não pode presidir as eleições de 2026”, diz Leyva em um dos áudios. Atualmente, ele se encontra em Madri, na Espanha, e não respondeu aos pedidos de esclarecimento da imprensa.

Petro reage e cobra explicações públicas e judiciais

Em forte resposta, o presidente Gustavo Petro classificou a tentativa como uma “conspiração canalha”, motivada por vingança. De Sevilha, onde participa da Conferência da ONU sobre Financiamento ao Desenvolvimento, Petro afirmou que todas as pessoas mencionadas nos áudios devem responder judicialmente.

Ele sugeriu ainda que Leyva teria agido em conluio com narcotraficantes e a extrema direita internacional para tentar derrubá-lo. A suposta articulação incluiria contatos com dissidentes das FARC e com o guerrilheiro Iván Márquez, de quem Leyva já foi conselheiro durante o processo de paz do governo Santos.

Vice-presidente Francia Márquez tem relação estremecida com Petro

Um dos aspectos mais sensíveis do escândalo é a relação entre Leyva e a vice-presidente Francia Márquez, indicada como peça-chave na articulação de uma transição forçada. Segundo os áudios, Leyva dizia que Márquez substituiria Petro em nome de um “grande acordo nacional”.

Márquez negou qualquer envolvimento. “Tenho a consciência tranquila, a mente clara e o coração firme”, disse neste domingo, reafirmando seu respeito à ordem constitucional e à Presidência da República. No entanto, Petro segue desconfiando da vice, com quem mantém uma relação pública estremecida desde fevereiro, quando divergências vieram à tona em uma reunião ministerial.

Escândalo une espectro político em defesa da democracia

Apesar do clima de polarização intensa no país, o escândalo uniu políticos de diferentes matizes ideológicos na condenação à tentativa de golpe. Nomes históricos como Álvaro Uribe (direita) e Humberto de la Calle (centro-esquerda) repudiaram a conspiração.

“Crítica é uma coisa, conspiração é outra. O mandato de Petro é intocável”, afirmou de la Calle. Vicky Dávila, pré-candidata presidencial mencionada por Leyva como possível aliada, rechaçou envolvimento: “Não tenho nada a ver com essas ideias. Sempre disse isso, em público e em privado.”

O ex-presidente Uribe também defendeu o pré-candidato Miguel Uribe Turbay, citado nos áudios e atualmente hospitalizado após um atentado: “Miguel é um democrata completo, não um golpista”.

Impeachment é improvável; institucionalidade prevalece

Especialistas em direito constitucional na Colômbia ressaltam que, mesmo que houvesse apoio político interno, não há tempo hábil nem base legal para a derrubada de Petro por meios legais. O país possui um sistema altamente protetivo à figura presidencial, com um processo de impeachment que pode se arrastar por anos — como ocorreu com Ernesto Samper na década de 1990.

A revelação das conversas secretas de Álvaro Leyva gerou uma onda de indignação e reforço ao compromisso democrático, mostrando que, apesar das tensões, as instituições e o pacto constitucional colombiano ainda resistem às tentações golpistas — agora vindas, ironicamente, de dentro do próprio núcleo que outrora ocupava o Ministério das Relações Exteriores colombiano.

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