Serviço público gastou R$ 23 bi em 10 anos com tecnologias estrangeiras
Valor alocado em 1 ano poderia pagar bolsas para 350 mil pós-graduandos. Para vencer gargalos, governo Lula investe em tecnologia nacional, nuvens soberanas e plano de IA
Publicado 09/07/2025 16:25 | Editado 09/07/2025 17:18

O avanço do Brasil na área tecnológica é um desafio fundamental para que o país possa se desenvolver de maneira autônoma e soberana, a partir de suas próprias características e de seu projeto nacional. Um exemplo de como esse gargalo histórico e estrutural tem influenciado o país pode ser constatado nos valores gastos pelo serviço público das três esferas administrativas (municipal, estadual e federal) em tecnologia da informação e comunicação (TIC). Entre 2014 e 2025, foram R$ 23 bilhões, R$ 10,35 bilhões apenas no ano passado.
Esses valores foram aplicados para a compra de licenças de software, uso de computação em nuvem, segurança digital e outras ferramentas de TIC. Os dados fazem parte de estudo inédito realizado por pesquisadores do Grupo de Estudos em Tecnologia e Inovações na Gestão Pública (Getip), da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o Grupo de Trabalho Estratégia, Dados e Soberania do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional (Gepsi) da Universidade de Brasília (UnB).
Para efeitos comparativos, a pesquisa aponta que os R$ 10,35 bilhões aportados entre junho de 2024 e de 2025 seriam suficientes para pagar bolsas integrais de pós-graduação, considerando valores da Capes/CNPq, para 100% dos 350 mil mestrandos e doutorandos do país durante um ano inteiro. Os dados que embasaram o estudo foram colhidos nos sistemas ComprasNet e Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).
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Entre janeiro de 2023 — quando tomaram posse o atual presidente, os governadores e os prefeitos — até julho deste ano, as três esferas do setor público brasileiro contrataram R$ 5,97 bilhões em licenças de software, R$ 9 bilhões em soluções de nuvem e R$ 1,91 bilhão em segurança digital.
Segundo a pesquisa, “quando observamos o quadro completo entre janeiro de 2014 e junho de 2025, quatro corporações lideram os contratos no país com o setor público: licenças de softwares da Microsoft foram negociadas a R$ 3,27 bilhões nas três esferas (sendo R$ 1,65 bilhão só no primeiro semestre de 2025); serviços de nuvem da Oracle somaram R$ 1,02 bilhões; seguido pelo Google, com serviços vendidos a R$ 938 milhões; e Red Hat, com R$ 909 milhões em serviços vendidos”.
O estudo aponta que “ao delegar infraestrutura crítica a fornecedores globais, o setor público brasileiro compromete sua autonomia tecnológica, reduz sua capacidade estratégica, compromete sua capacidade de defesa e bloqueia o surgimento de soluções públicas nacionais baseadas em soberania digital. À parte os riscos à soberania nacional em sentido amplo, uma enorme possibilidade de promoção do desenvolvimento econômico e geração de emprego qualificado é desperdiçada”.
Como contribuição para superar tal situação — em geral mais comum em estados e municípios —, o levantamento também elenca dez recomendações, dentre as quais criar um programa nacional de fomento à soberania digital; instituir uma nuvem pública federada e priorizar, nas compras públicas de TIC, soluções desenvolvidas por instituições brasileiras.
Iniciativas em curso
Esforços importantes têm sido feitos no sentido de superar essa dependência e vão ao encontro de tais recomendações. No âmbito do governo Lula algumas iniciativas recentes merecem destaque.
Uma delas é o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) 2024-2028, lançado no final do ano passado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. De acordo com o MCTI, a iniciativa — alinhada com a Nova Indústria Brasil — terá um investimento inicial de R$ 23 bilhões. Dentre seus pilares estão a busca da soberania tecnológica, a inclusão e a revolução no serviço público por meio de soluções em IA.
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Outra iniciativa-chave para impulsionar a pesquisa e o desenvolvimento em IA no Brasil é o Instituto de Inteligência Artificial do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), cuja meta, conforme o MCTI, é ser um catalisador para a criação de soluções inovadoras em IA, fortalecendo a comunidade científica nacional e promovendo a colaboração com instituições internacionais.
Ao mesmo tempo, o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), também vinculado à pasta, tem se dedicado ao desenvolvimento de ferramentas públicas nessa área.
Além disso, em junho deste ano, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), a Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) e o Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência) anunciaram serviços de nuvem do governo, disponível para mais de 250 órgãos públicos federais.
Um dos focos da iniciativa é armazenar, de forma mais segura, os dados de instituições do Executivo federal, principalmente aquelas mais sensíveis, tendo como norte dois níveis de soberania: de dados e operacional.
Já o Software Público Brasileiro é uma iniciativa mais antiga, criada em 2007, no segundo mandato de Lula. Trata-se de um tipo específico de programa livre que, segundo o governo federal, “atende às necessidades de modernização da administração pública de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e é compartilhado sem ônus no Portal do Software Público Brasileiro”.
Convergente com essas iniciativas de desenvolvimento soberano de tecnologia — e de independência em relação às estruturas do Norte global —, a declaração final da 17ª Reunião de Cúpula do Brics, realizada nesta semana no Rio de Janeiro, incluiu a proposta brasileira de se fazer um estudo para avaliar a viabilidade da construção de uma rede de comunicação de alta velocidade por meio de cabos submarinos entre esses países. Ao mesmo tempo, o Brics também defendeu o uso de código aberto para a inteligência artificial.