Lula reage à tarifa de Trump com nota firme e aciona lei de reciprocidade

Presidente afirma que o Brasil não aceitará tutela de ninguém e que o processo contra golpistas é competência da Justiça; carta de Trump é devolvida pelo Itamaraty

Presidente Lula faz gesto enfático durante pronunciamento; governo brasileiro respondeu com firmeza à carta de Trump que anunciou tarifa de 50% sobre produtos do Brasil. Foto: Reprodução

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu na noite desta quarta-feira (9) à carta enviada por Donald Trump anunciando uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras para os Estados Unidos.

Lula afirmou que o Brasil é um país soberano, com instituições independentes, e que qualquer medida tarifária imposta de forma unilateral será respondida com base na Lei da Reciprocidade Econômica, aprovada pelo Congresso em abril deste ano.

Horas antes, o ministério das Relações Exteriores já havia convocado, por duas vezes, o chefe interino da embaixada dos EUA, Gabriel Escobar.

No texto publicado às 19h56 nas redes sociais e no site oficial do Palácio do Planalto, o presidente Lula classificou como falsas as alegações do governo norte-americano sobre um suposto déficit comercial e rejeitou com firmeza as insinuações de perseguição política ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

“O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”, diz a nota presidencial.

Lula também ressaltou que o julgamento dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 2022 é de competência exclusiva do Judiciário brasileiro e não está sujeito a “qualquer ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais”.

A manifestação responde diretamente à acusação feita por Trump na carta, segundo a qual o ex-presidente Bolsonaro estaria sendo vítima de uma “vergonha internacional” e de uma “caça às bruxas”.

Ao abordar as críticas de Trump às decisões do Supremo Tribunal Federal envolvendo plataformas digitais, a nota afirma que liberdade de expressão no Brasil não se confunde com práticas violentas, discurso de ódio ou conteúdos criminosos. “Para operar em nosso país, todas as empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas à legislação brasileira”, diz o comunicado.

O presidente também rebateu o argumento econômico que fundamentaria a nova tarifa. Segundo Lula, os próprios dados oficiais dos Estados Unidos demonstram que o país tem um superávit acumulado de US$ 410 bilhões na balança de bens e serviços com o Brasil nos últimos 15 anos — desmontando, segundo ele, “a falsa informação” usada para justificar a medida.

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Carta é devolvida e diplomacia brasileira reage com firmeza

A resposta brasileira à ofensiva diplomática de Trump não ficou restrita à nota presidencial. Ao longo da quarta-feira, o Itamaraty convocou duas vezes o chefe interino da embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, em uma demonstração explícita de descontentamento com o conteúdo da carta divulgada por Trump e com a postura da missão diplomática norte-americana em Brasília.

Na primeira reunião, ocorrida pela manhã, Escobar foi chamado a dar explicações sobre uma nota oficial publicada pela embaixada dos EUA, que endossava as declarações de Trump e afirmava que Bolsonaro e sua família eram vítimas de “perseguição política”.

Poucas horas depois, já no fim da tarde, a chancelaria brasileira voltou a convocar o diplomata — desta vez, para comunicar formalmente a insatisfação do governo Lula com a escalada do conflito e para devolver, de maneira simbólica, a carta assinada por Trump.

A devolução do documento, gesto incomum nas relações bilaterais, foi interpretada por diplomatas como sinal claro de que o governo brasileiro considera inaceitável o tom da mensagem americana.

Na carta, Trump chama o julgamento de Bolsonaro de “vergonha internacional”, afirma que o STF emitiu “ordens secretas e ilegais” contra big techs dos EUA e ameaça o Brasil com mais tarifas caso adote qualquer forma de retaliação.

Procurada pela imprensa, a embaixada norte-americana limitou-se a dizer que Escobar participou de reuniões com autoridades do governo brasileiro e que, por política interna, “não comenta conversas diplomáticas privadas”.

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Carta de Lula na íntegra

O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém.

O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de Estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais.

No contexto das plataformas digitais, a sociedade brasileira rejeita conteúdos de ódio, racismo, pornografia infantil, golpes, fraudes, discursos contra os direitos humanos e a liberdade democrática.

No Brasil, liberdade de expressão não se confunde com agressão ou práticas violentas. Para operar em nosso país, todas as empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas à legislação brasileira.

É falsa a informação, no caso da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, sobre o alegado déficit norte-americano. As estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos comprovam um superávit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos.

Neste sentido, qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica.

A soberania, o respeito e a defesa intransigente dos interesses do povo brasileiro são os valores que orientam a nossa relação com o mundo.

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