A Venezuela é aqui mesmo – Por Esmael Moraes

Confira coluna produzida pelo Jornalista Esmael Moraes, sobre sua passagem recente a terra de Hugo Chavez.

Estive neste mês de novembro na República Bolivariana da Venezuela e pude observar com mais ou menos isenção a campanha eleitoral em que Hugo Chávez Frias busca a reeleição. Sem a passionalidade de quem está muito próximo e terá de fazer uma opção nas urnas daqui alguns dias, também vi bem de perto a tentativa de a direita voltar ao poder por meio da candidatura de Manuel Rosales. Minha visita ao país coincidiu com a do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que inaugurou uma moderníssima ponte de 3.156 metros sobre o Rio Orinoco – obra construída pela empreiteira verde-amarelo Odebrecht – entre os estados de Anzoátegui e Bolívar.


     Na oportunidade, Lula comparou a atuação da mídia e da elite brasileiras às da Venezuela, nação que está em pleno processo eleitoral e que poderá reconduzir Chávez a mais um mandato na presidência da República. O presidente brasileiro criticou duramente os meios de comunicação dos dois países em virtude de seu comportamento próximo ao golpismo. Ele lembrou que, em 2003, quando esteve em Caracas assistiu pela televisão a um verdadeiro massacre ao colega venezuelano. Um desrespeito a um presidente da República que ele jamais tinha visto, nas palavras do próprio Lula, que em seguida destacou que os meios de comunicação e as elites são preconceituosos. “Eu jamais imaginei que isso pudesse acontecer no Brasil. E aconteceu o mesmo. A coisa que mais consolidou a minha consciência de que nós estávamos certos é que o povo reagiu no momento certo”, desabafou o presidente.


     “Somos vítimas de incompreensões e preconceitos de pessoas que governaram durante séculos e não aceitam alguém que pensa diferente, que queira se ocupar do povo. Se acostumaram a governar para 30 ou 35% da população. Aqui ocorre o mesmo que no Brasil. Fizeram conosco o mesmo tipo de críticas que te fazem. São as velhas críticas que me fazem os banqueiros, que vem ganhando muito dinheiro aqui e lá”, disse Lula a Chávez num emocionado discurso.


     Lula tem razão do que reclamara. Pela televisão, em diversos momentos, eu também assistia pasmo à programação em que “subliminarmente” o alvo preferencial era o presidente democraticamente eleito, Hugo Chávez, através de uma raivosa campanha de desconstrução de sua imagem. Tudo o que é ruim e que fatalmente ocorre na sociedade ou um serviço oferecido com certa deficiência pelo governo venezuelano, mas possível de ser melhorado, é exponencialmente otimizado pelos meios de comunicação como fator negativo absoluto e insolúvel e é atribuído ao comandante da revolução bolivariana.


     A tentativa de desconstrução da imagem de Chávez, que é apresentado pela mídia de lá como um misto de louco e chefe de uma quadrilha corrupta, me fez várias vezes lembrar da insana campanha que a elite brasileira engendrou com o intuito de forçar um segundo turno aqui entre Lula e Alckmin. Mera coincidência ou plano coordenado e sincronizado pela CIA? Muitos na Venezuela acreditam e até afirmam que está havendo ingerência no processo eleitoral daquele país (o jornal norte-americano The New York Times, recentemente, trouxe uma matéria sobre transferência de recursos da agência de inteligência para entidades de oposição a Chávez).


     Pode ser tudo e pode não ser nada, mas me parece que o plano que está sendo implementado pela mídia venezuelana, a exemplo do que já foi realizado aqui, obedece a uma lógica e a uma técnica padrão. É possível que o Brasil venha servindo como laboratório para a América Latina de uma experiência de repetição de mentiras pelos meios de comunicação que são transformadas em verdades absolutas contra governos nacionalistas e do campo da esquerda, eleitos democraticamente. Mas para a sorte de Chávez e Lula, há muito o povo desses dois países não bota fé nos meios de comunicação que têm. Mas como diz aquele ditado popular brasileiro “cachorro mordido por cobra tem medo até de lingüiça”, Chávez fortaleceu a estatal “Venezolana de Televisión” e estimula a criação de periódicos regionais independentes (de fato) das elites econômicas daquele país.


     A criação de uma imprensa alternativa e democrática parece-me uma conditio sine qua non para que eles – Chávez e Lula – possam fazer o contraponto à visão única de mundo que os meios de comunicação tradicionais tentam impor à sociedade. Além disso, a imprensa livre e alternativa também pode servir como antídoto à malandragem dos jornalões que, quando perdem um debate, invocam com o maior cinismo a “liberdade de imprensa” (ou seria a liberdade para mentir?), dentre outras artimanhas, com o objetivo inequívoco de pautar a vida dos cidadãos e defender os privilégios de uma elite econômica acostumada ao próprio umbigo.


     No Brasil, muitos ainda se recordam do papel destacado da imprensa no “seqüestro” do empresário Abílio Diniz e na edição do debate de Lula com Collor de Mello – ambos os casos ocorridos na mesma eleição de 1989. (Não vou entrar no caso do dossiê destas eleições porque já foi bastante analisado e continua rendendo).


     Na Venezuela, a participação dos meios de comunicação no golpe de Estado em 11 de abril de 2002 foi efetiva. Eles também prestaram serviços de edição de imagens televisivas que atribuíam aos chavistas assassinatos dos próprios companheiros, que saíram às ruas para defender o mandato constitucional de Chávez. Lá, a vigarice chegou a tal ponto que as imagens correram o mundo e receberam até premiação do Rei da Espanha como “exemplo de bom jornalismo”.


     A Venezuela e o Brasil têm histórias muito análogas em relação há um passado muito próximo. Ambos os países privatizaram suas empresas estratégicas e seguiam cegamente ao receituário do Fundo Monetário Internacional e, concomitantemente, obedeciam às ordens políticas de Washington. O mesmo também ocorreu, durante boa parte dos anos 90, no Chile, Argentina, Bolívia, Nicarágua, dentre outros, que agora elegeram presidentes que destoam politicamente dos Estados Unidos. Por isso é que o presidente Lula alertou Chávez, durante a inauguração da ponte no Orinoco, sobre as intrigas que as elites fazem para separá-los e previu: “O mesmo povo que me elegeu, que elegeu Kirchner, que elegeu Daniel Ortega e que elegeu Evo Morales sem dúvida vai te eleger presidente da Venezuela”.


     Com certeza, Chávez e Lula são muito parecidos. Ambos governam para a maioria das camadas mais pobres e gozam de grande prestígio junto aos setores populares de seu país. São percebidos como homens do próprio povo, por isso inspiram a confiança dele. Reservadas as diferenças conjunturais e estruturais entre as duas nações, as elites econômicas e os meios de comunicação tradicionais não engolem o fato de os dois governos terem rompido com as privatizações e serem contra o neoliberalismo, de criticarem a política de dependência que qualificava Venezuela e Brasil como meros “quintais dos Estados Unidos”. Lula foi reeleito. Chávez também deverá ser confirmado nas urnas no dia 3 de dezembro, conforme atestam várias pesquisas de opinião, para o desespero da direita golpista. Mas informações que obtive junto a simpatizantes da candidatura de Manuel Rosales dão conta de que, se perderem a eleição, eles (da direita) pretendem contestar o resultado fazendo um lockout (paralisação patronal) já no dia seguinte, no dia 4 de dezembro. Muito provavelmente, os partidários de Chávez aprenderam com o 11 de abril de 2002 e se dizem preparados para reagir à altura de eventuais tentativas de novo golpe de Estado.