Comunidades dos EUA e México rejeitam muro na fronteira
Em parte, devido aos imensos ganhos econômicos desfrutados nos últimos cinco anos em ambos os lados da fronteira, este trecho da fronteira Texas-México se tornou um grande ponto de protesto contra o muro de fronteira de 1.100 km sancionado em lei federal
Publicado 07/01/2007 20:12
É quase meia-noite e os compradores no cavernoso Wal-Mart fazem longas filas nos caixas. Bandeiras americanas e do Texas estão penduradas sob as luzes fluorescentes, mas provavelmente deveria haver uma terceira: a tricolor do México, o país cujos consumidores sustentam esta loja e grande parte da cidade de fronteira de Eagle Pass.
Em parte, devido aos imensos ganhos econômicos desfrutados nos últimos cinco anos em ambos os lados da fronteira, este trecho da fronteira Texas-México se tornou um grande ponto de protesto contra o muro de fronteira de 1.100 km sancionado em lei federal em outubro.
O crescimento no setor manufatureiro do outro lado da fronteira, no Estado mexicano de Coahuila, criou uma classe de consumidores ávida pelos produtos americanos mais baratos e de maior qualidade. E as cidades de fronteira texanas, que antes sofriam um problema crônico de desemprego, estão prosperando.
Há cinco anos, Eagle Pass tinha uma taxa de desemprego de 25% e uma das menores rendas per capita do Estado. Mas a receita do imposto sobre vendas saltou 35% entre 2000 e 2005. O valor de novos imóveis saltou de US$ 16 milhões em 2000 para pouco menos de US$ 50 milhões em 2005. Em um sinal dos tempos, a cidade receberá seu primeiro Starbucks neste ano.
Eagle Pass e a vizinha Del Rio estão ligadas às suas cidades mexicanas irmãs do outro lado do Rio Grande por histórias familiares de longa data e sucessos econômicos compartilhados. Os prefeitos das duas cidades estão liderando o esforço para convencer as autoridades federais a mudar de idéia em relação ao muro, que foi sancionado há alguns meses em meio ao debate em torno da segurança na fronteira e reforma da imigração.
A última coisa que os políticos da fronteira desejam é um muro impopular que possa alienar os consumidores mexicanos. “Por que daríamos um tiro em nosso pé?” disse o prefeito de Eagle Pass, Chad Foster. “Eu vou levantar um muro entre minha casa e a casa da minha irmã? Isto não faz sentido.”
Os prefeitos da fronteira estão otimistas de que o Congresso democrata não votará pela construção do muro de US$ 6 bilhões, para o qual ainda não foram destinados recursos. Assim, muitas autoridades locais esperam convencer o Congresso a usar o dinheiro para construir um muro virtual de sensores e câmeras e aumentar a verba para a Patrulha de Fronteira federal.
Do outro lado do rio, prefeitos das cidades mexicanas promoveram vários protestos, incluindo uma marcha de 88 km pelo deserto. Esta parte do sudoeste do Texas fica distante da violência das drogas que provoca caos nas economias de Laredo, Texas, e Nuevo Laredo, México.
Um casal mexicano de meia-idade, Alejandro Ocaña e sua esposa Maria del Refugio, cruzam a fronteira uma vez por semana de sua casa em Piedras Negras, enfrentando filas que levam horas na ponte para fazer compras nos supermercados Wal-Mart e H.E.B. em Eagle Pass.
Eles são atraídos pelos preços mais baixos e coisas como papel higiênico, sabonete e refrigerantes. Mas se o muro na fronteira for construído, eles disseram que poderão não atravessar, apesar de ambos terem vistos. “Nós teríamos que repensar nossa vinda porque seria como se não nos aceitassem aqui”, diz ela. “Nós mudaríamos nossos hábitos. É discriminação.”
Em frente ao novo Wal-Mart Supercenter, placas de carro de Coahuila predominam no estacionamento lotado do Mall de las Aguilas. Consumidores mexicanos representam 57% das vendas do shopping center, que cresceram 30% nos últimos dois anos, disse o gerente de marketing, Juan Rodriguez. “A preocupação aqui não é o muro físico em si – nossos clientes não estão atravessando ilegalmente”, diz ele. “Mas sim uma mudança de sentimento. O lado mexicano poderá cooperar menos em nossos esforços para atrair clientes. Há muita coisa envolvida nesta decisão.”
A explosão do varejo transformou Eagle Pass, criando centenas de novos empregos e aumentando o valor dos imóveis. Onde antes mato cobria a paisagem, bairros planejados ao estilo suburbano estão surgindo a uma média de 400 novas casas por ano, um aumento significativo em uma cidade de cerca de 35 mil habitantes.
Eagle Pass não é a única área ao longo da fronteira desfrutando de bons tempos há muito esperados. A revista “Fortune” nomeou recentemente a cidade de McAllen, no Vale do Rio Grande, como a melhor oportunidade de investimento em imóveis do país em 2007. Outra cidade de fronteira, El Paso, ficou em segundo lugar.
O prefeito de Del Rio, Efrain Valdez, disse que a realidade do Texas é muito diferente daquela de lugares como o Arizona e Califórnia, onde a fronteira passa pelo deserto aberto. “Aqui nós temos o Rio Grande, nós já temos uma fronteira natural”, disse. “Nós dissemos (às autoridades federais): 'Antes de destinarem o dinheiro, permitam que nós da fronteira tenhamos algo a dizer'.”
Para os moradores da fronteira, cruzar o rio faz parte da vida cotidiana. Na cidade irmã de Del Rio, Ciudad Acuña, Nicolas Lopez e sua família levam uma vida binacional: suas duas filhas acordam cedo toda manhã para freqüentar a escola do outro lado da ponte, em Del Rio.
O engraxate de 34 anos, que morou vários anos em Round Rock, Texas, trabalhando como carpinteiro e que tem família em Atlanta, alerta que o muro poderia ter algumas conseqüências indesejadas. “Ele poderia criar um tipo de racismo – os mexicanos pensarão mal dos americanos”, disse ele. “O muro nos diz: nós não queremos vocês mexicanos.”
O prefeito de Ciudad Acuña, Evaristo Lenin Perez, que caminhou os 88 km pelo deserto para protestar contra o muro, pediu um boicote à sua cidade irmã em maio para demonstrar o poder econômico dos consumidores mexicanos. Ele disse que cerca de 3 mil carradas participaram de seu boicote por um dia, custando a Del Rio cerca de US$ 300 mil em vendas. “Os Estados Unidos dependem do México tanto quanto o México depende dos Estados Unidos”, diz.
No lado do Texas, o crescimento econômico permitiu que a região contivesse um êxodo de décadas de jovens com boa formação educacional, que tradicionalmente trocavam Eagle Pass por locais como Austin e San Antonio. “Antes eles diziam: 'O que vou fazer, ser caubói?” disse Foster. “Agora há oportunidades reais aqui.”
Fonte: Cox Newspapers
Tradução: George El Khouri Andolfato / UOL Mídia Global