Financial Times: Ortega e o longo caminho da volta ao poder

Em 1990, pouco depois de ter perdido a eleição presidencial, Daniel Ortega se dirigiu a uma das principais praças de Manágua, aceitou publicamente a derrota, e declarou que ele e o seu Partido Sandinista começariam a “governar a partir de baixo”.

Na próxima quarta-feira (10/1), quatro eleições e quase 17 anos depois, o ex-líder guerrilheiro nicaragüense de 61 anos deixará de governar a partir de baixo e voltará ao poder em um dos retornos políticos mais notáveis já presenciados na América Latina.



Hoje visivelmente mais velho, e tendo trocado detalhes que eram marcas registradas da sua pessoa, como os óculos de aros grossos e o uniforme militar, por camisas bancas sem gola e calças cáqui de algodão, aquele que tradicionalmente era considerado uma ovelha negra por Washington deve a sua vitória a vários fatores – sendo que dentre os mais importantes estão a divisão da direta nicaragüense e o estado de miséria no qual continua a viver grande parte dos 5,2 milhões de habitantes do país.



Mas ele também pode atribuir essa vitória a duas características pessoais: uma determinação inabalável e a sua capacidade de fazer acordos com praticamente todo mundo a fim de alcançar os seus objetivos.



A luta política
A determinação não deve ser motivo de surpresa. Nascido em La Libertad, a leste de Manágua, Ortega cresceu com os seus dois irmãos em uma casa repleta de conversas revolucionárias e planos para derrubar o regime do general Anastasio Somoza.



Após se mudar para Manágua, Ortega rapidamente se envolveu com grupos revolucionários, e foi preso aos 23 anos após a sua primeira operação para arrecadar verbas para o movimento sandinista: o assalto à agência local do Bank of America. Ele ficou na cadeia durante sete anos.



O período de prisão, do qual grande parte transcorreu em regime de solitária, foi um período de formação na vida de Ortega. Foi lá, por exemplo, que ele escreveu poesias e foi visitado por Rosario Murillo, uma amiga poeta, que atualmente é sua mulher e mãe dos seus oito filhos.



Quase todos que o conhecem concordam que Ortega é introvertido e sério – até os seus amigos mais íntimos admitem que ele nuca ri. Conforme diz Aldo Díaz Lacayo, ex-embaixador no México e na Venezuela durante o governo sandinista de 1979 a 1990: “Ele não é o político típico. Ortega reflete muito sobre tudo e sabe como ouvir”.



Mas essas características parecem mais do que apropriadas para um homem que lideraria o seu movimento sandinista rumo a Manágua a fim de depor a ditadura somoza em ferozes tiroteios, e que travaria uma batalha interminável com os “contras”, as forças contra-revolucionárias que atuaram na década de 1980 e que foram financiadas ilegalmente pelo governo Reagan.



Persistência
O apoio dos Estados Unidos aos contra-revolucionários durante o conflito, que certas pessoas calculam que provocou a morte de 38 mil pessoas e prejuízos econômicos de US$ 17 bilhões, acabou se constituindo em um obstáculo muito grande para o conselho de governo sandinista.



Mas a mesma determinação exibida por ele ao entrar em Manágua em 1979 o acompanhou desde então. Os analistas políticos, por exemplo, dizem que foi isso que o manteve à frente do Partido Sandinista, mesmo após três derrotas consecutivas, até a vitória em novembro passado.



Os analistas também afirmam que isso pode ajudar a explicar como ele superou um escândalo em 1998 envolvendo Zoilamérica, a sua enteada, que acusou Ortega de ter abusado sexualmente dela aos 11 anos de idade.



Mesmo assim, os críticos argumentam que na sua busca pelo poder Ortega abandonou quase toda a ideologia que o acompanhou nos anos iniciais de política. “Após 1990, tudo mudou”, diz Victor Hugo Tinoco, um ex-sandinista que deixou o partido. “Aquilo deixou de ser uma liderança coletiva e se transformou em algo controlado pessoalmente por Daniel”.



De fato, muitos dos seus ex-amigos e ex-aliados o acusam de não ter escrúpulos para conquistar o poder. A lista é longa, mas os recentes acordos firmados por Ortega incluem um pacto com Arnoldo Alemán, o ex-presidente, que atualmente está preso por corrupção.



Ele também formou uma aliança com Jaime Morales, um ex-negociador e empresário “contra”, e que atualmente é o vice-presidente de Ortega. Mais recentemente, e causando indignação internacional, Ortega apoiou uma lei defendida pela Igreja Católica, a sua inimiga tradicional, tornando o aborto ilegal para mulheres grávidas que enfrentam complicações que coloquem as suas vidas em risco.



Durante a campanha do ano passado Ortega evitou apresentar propostas específicas. Em vez disso, ele falou sobre o seu amor por Deus, pregou a reconciliação e a paz e defendeu os pobres. Ele também criticou os Estados Unidos, mas defendeu o direito à propriedade privada.



Assim sendo, o que essa mistura eclética reserva para o futuro da Nicarágua? Segundo o analista político Carlos Fernando Chamorro, ninguém pode dar uma resposta para essa pergunta. “Ortega é como o pêndulo de um relógio – ele oscila constantemente”, explica Chamorro.



Fonte: Financial Times
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