Cabral Filho rompe com o casal Garotinho
Governador do Rio de Janeiro e ex-aliados tornam públicas suas diferenças. Nomeação de Benedita da Silva (PT) e fim do Cheque-Cidadão provocaram a ruptura. Rosinha acusa sucessor de “jogo sujo” e “amarga traição”.
Por Maurício Thuswohl, na Carta Ma
Publicado 18/01/2007 19:30
Ao acompanhar, na manhã desta quinta-feira (18), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a assinatura da medida provisória que libera R$ 60 milhões para obras de infra-estrutura na Favela da Rocinha, a maior do Rio de Janeiro, o governador Sérgio Cabral Filho sacramentou publicamente seu rompimento com os ex-governadores Anthony Garotinho e Rosinha Matheus. Recusada há menos de um mês por Rosinha, que não autorizou a contrapartida de R$ 12 milhões que deveria ser dada pelo Governo do Estado para as obras, a ajuda federal foi prontamente aceita pelo novo governador e selou a ruptura com os antecessores que já se desenhava depois que Garotinho e Rosinha referiram-se publicamente às primeiras medidas tomadas por Cabral Filho no governo com termos como “jogo sujo” e “amarga traição”.
Realizada no Palácio Laranjeiras e repleta de petistas, a cerimônia de assinatura da MP se transformou num ato de exorcismo do casal Garotinho. Depois de afirmar que “agora o Rio pode voltar a ser tratado com seriedade” e que o governo federal “passará a ter uma ligação umbilical” com o governo fluminense, Lula foi duro em sua análise: “Não existindo pequenez política de parte a parte, a possibilidade de acertar é muito grande. O que está em jogo é a recuperação da dignidade e da auto-estima do Rio. O potencial do Rio estava sendo jogado fora por alguns políticos que passaram pelo governo”, disse o presidente, sem citar nomes. Cabral Filho, por sua vez, repetiu o bordão de que “daqui pra frente, a relação do Rio de Janeiro com o governo federal entra em um novo patamar histórico”.
Segundo interlocutores, a “falta de reconhecimento” do novo governador ao que foi feito em seus governos é o que mais têm magoado Garotinho e Rosinha. Além de não gostarem do teor crítico das recentes declarações públicas de Cabral Filho, os ex-governadores teriam ficado contrariados com a nomeação de petistas para o primeiro escalão do governo, sobretudo no caso da também ex-governadora Benedita da Silva, desafeto do casal, nomeada para a Secretaria de Ação Social. A gota d’água para o mal-estar dos Garotinho foi o anúncio, feito por Benedita na semana passada, do fim do Cheque-Cidadão, carro-chefe dos programas sociais do governo nos últimos oito anos, que será extinto e integrado ao Bolsa-Família do governo federal.
O Cheque-Cidadão atende a 100 mil pessoas, que recebem do governo estadual R$ 100 por mês para trocar por alimentos ou artigos de higiene pessoal. Com o fim do programa, esse contingente será incluído no Bolsa-Família que, segundo o governo federal, já atende a 450 mil pessoas no Rio de Janeiro: “Nossa intenção é dobrar esse número, fazendo com que todas as famílias que estejam abaixo da linha de pobreza sejam incluídas no Bolsa-Família. Não é uma mudança apenas de nomenclatura, mas uma mudança de política”, disse Benedita. O governador assina embaixo: “Não se trata de uma disputa de slogan. O projeto da secretária Benedita da Silva vai permitir um melhor atendimento ao cidadão”, disse.
A secretária de Ação Social avisa que o Estado estuda a possibilidade de bancar com recursos próprios a diferença no benefício daqueles que migrarem do Cheque-Cidadão para o Bolsa-Família, uma vez que o valor máximo do auxílio federal, dependendo do número de filhos em idade escolar, é de R$ 95: “Encontraremos uma solução”, disse. Ao menos uma grande mudança Benedita já anunciou: a distribuição dos benefícios não ficará mais a cargo das igrejas evangélicas, como vinha sendo feito durante todo o governo de Rosinha Matheus: “Temos quatro meses para concluir o processo de transição. Ao fim desse período o governo terá maior controle sobre a distribuição”, afirmou Benedita, que deve se reunir na semana que vem com o ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social) para tratar desse assunto.
“Jogo sujo” e “amarga traição”
Rosinha, por sua vez, preferiu atacar o sucessor em carta enviada às redações dos principais jornais: “Não esperava isso do Sérgio Cabral. Começar seu governo tirando logo a comida da mesa dos pobres? Eu e Garotinho sempre pedimos ao Sérgio a manutenção dos projetos sociais. E ele nos dizia que eram intocáveis. Se [o fim do Cheque-Cidadão] vier a acontecer mesmo, será uma amarga traição”, escreveu a ex-governadora.
Dias antes, por conta do bate-boca causado pelos recursos deixados no caixa do governo, Rosinha já havia irritado Cabral Filho ao afirmar à imprensa que o novo secretário estadual de Fazenda, Joaquim Levy, teria “aplicado no mercado financeiro” o dinheiro destinado ao pagamento dos servidores que, segundo ela, chegaria a R$ 634 milhões.
“Como posso aplicar recursos que não existem?”, reagiu Levy. Cabral Filho foi além: “Infelizmente, recebi um caixa muito menor do que foi anunciado pelo governo anterior. Não chega nem perto dos R$ 600 milhões. É um caso de irresponsabilidade fiscal”, disse o governador. Em outra nota enviada aos jornais, Rosinha reafirmou as acusações ao governo do sucessor: “Garanto que existe dinheiro para pagar em dia os servidores. O que pretendem é aplicar por alguns dias os recursos no mercado financeiro, prejudicando a vida de milhares de cidadãos. Isso é jogo sujo”, disse.
“Não tenho tempo para ti-ti-ti”
Calado até então, Anthony Garotinho decidiu também partir para as críticas a Cabral Filho. No dia 14 de janeiro, quando sua filha Clarissa Matheus tomou posse na presidência da Juventude do PMDB do Rio de Janeiro, ele desfiou um rosário de reclamações e acusou o atual governador de montar um governo “elitista e udenista”, que nomeou de “República do Leblon”, em alusão ao bairro chique da Zona Sul do Rio onde mora Cabral Filho: “Existe um núcleo no atual governo que é bem elitista, que ignora o interior do estado e que parece decidido a trabalhar em direção contrária a um governo popular”, disse o ex-governador, antes de externar sua irritação aos correligionários: “Como ele pôde nomear a Benedita e deixar ela acabar com o Cheque-Cidadão?”, disse.
Reconduzido à presidência regional do PMDB, Garotinho pretende usar o partido para combater politicamente Cabral Filho. Para isso conta com a ajuda de figuras públicas como a mulher e a filha, que devem ser candidatas em 2008 à Prefeitura de Campos e à Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, respectivamente. Em Brasília, o braço de Garotinho para disputar o comando regional do partido será o fiel aliado Geraldo Pudim, eleito deputado federal mais votado pelo PMDB, com 272,4 mil votos.
O realinhamento das tropas dos Garotinho, no entanto, parece não tirar o sono do atual governador, que procura demonstrar não dar muita importância aos agora oficialmente ex-aliados: “Não tenho tempo a perder. Não tenho tempo para ti-ti-ti”, disse, por intermédio de sua assessoria.