Abel Rodrigues: ''muitas lideranças enxergam no PCdoB uma alternativa''
Numa entrevista ao boletim eletrônico ''Fortaleza em Vermelho'', do PCdoB de Fortaleza, o Secretário Estadual de Organização do partido no Ceará, Abel Rodrigues Avelar fala de sua militância, da reorganização e das perspectivas do PCdoB no atual momento.<
Publicado 23/03/2007 15:21 | Editado 04/03/2020 16:37
Poderia nos contar como começou o seu envolvimento com o Partido Comunista do Brasil?
Entrei no partido através da Ação Popular (organização política originária da Juventude Universitária Católica – JUC, que em 1972 se incorporou ao PCdoB) assim como Gilse (Gilse Cosenza, foi presidente do PCdoB/Ce até o início dos anos 90 é hoje presidente municipal do partido em Belo Horizonte), minha companheira na época. Somos de Minas Gerais. Gilse foi vice-presidente do DCE da Universidade Católica , e no mesmo período eu fui vice-presidente do DCE da Universidade Federal.
Em 1972 peço minha filiação ao PCdoB, e a grande maioria dos militantes da Ação Popular fez isso.Então, eu entro quando já estava em curso a experiência da Guerrilha do Araguaia. Em 1975, diante de uma onda repressiva pesada justamente por causa do embate do Araguaia, a repressão volta os olhos para o PCdoB e resolve fazer uma caça geral ao Partido. Na grande maioria dos estados, houve uma grande dispersão. Aqui mesmo no Ceará, muitos companheiros tiveram que fugir para outros estados, outros foram presos. Então, o Partido ficou esfacelado. A partir daí o PCdoB procurou sempre reagir e se reorganizar diante de cada ofensiva. E foi em uma reunião que o camarada Pedro Pomar, que na época era o secretário de organização nacional do PCdoB, nos propõe, a Gilse e a mim, que a gente viesse para reorganizar o Partido Comunista aqui no Ceará, que tinha sido dispersado pela ditadura, pela repressão. Pomar disse: ”Olha, tomem cuidado, o período é de alta repressão”, o período justamente em que estava mudando o governo do Médici para o Geisel, “vocês não podem ser presos, a principal tarefa é essa, nós não podemos perder mais ninguém, então ninguém mais pode ser preso, então tomem cuidado, tomem medidas de segurança, então vão lá, conheçam o estado, se integrem na vida do povo cearense, para vocês irem tomando pé, conhecimento”. E vínhamos com dois ou três contatos apenas. Era o que podia ter restado do PCdoB aqui.
Chego no Ceará em 1975. Vim com a Gilse, tínhamos duas filhas pequenas, a Juliana e a Gilda. Vim na frente, fiz as primeiras verificações de terreno, vi casa para alugar, etc., nas condições de clandestinidade daquela época. Na verdade nós já vivíamos na clandestinidade, pois Gilse já tinha sido presa, muito torturada, em Minas Gerais. Pouco tempo depois chega uma outra companheira, que era conhecida como Branca, para ficar no interior, na região de Crateús. Essa companheira é irmã de Ana Rocha (atual presidente do PCdoB/RJ) e Liége Rocha (dirigente da União Brasileira de Mulheres – UBM), dirigentes nacionais do partido.
Ficamos os três aqui e a partir daí a gente começa os primeiros contatos com muito cuidado. Por conta da repressão, tivemos de assumir outros nomes, outra profissão. Em São Paulo aprendemos e exercemos durante três anos o trabalho de fotografia, e viemos para o Ceará já na condição de fotógrafos. Era como a nossa identidade falsa nos colocava no Nordeste. Falávamos que os médicos aconselharam um clima mais estável para as meninas e então Fortaleza era a cidade que tinha nos agradado no Nordeste, era uma cidade bastante razoável, com pouca variação de clima Essa era a explicação que nós dávamos aos vizinhos, a todo mundo que estranhava, esses sulistas chegando aqui de uma hora para outra.
E fizemos um esforço, assim, hérculeo para fazer os primeiros contatos. Nós tínhamos aqui o contato de um companheiro que tinha sido do movimento estudantil e que era bancário, Benedito Bezerril, que é um camarada nosso que continua na direção do Partido até hoje. Tínhamos contato com outro estudante secundarista que quando nós chegamos aqui já era securitário. Hoje esse camarada mora no Maranhão E tínhamos algumas indicações de outros nomes. E a partir daí nós fomos então garimpando contato por contato.
Então esse é o início do PCdoB. Em agosto-setembro deste ano completam trinta e dois anos da nossa vinda para cá para o Ceará.
Nesse período seguinte, do final da ditadura, que vai até 1984, com a campanha das Diretas Já, o período em que vem a campanha da Anistia também, quais as dificuldades para estruturar o Partido?
Muitas dificuldades, por conta da repressão que era ainda muito cerrada. A gente não pode esquecer que um ano depois da nossa chegado, no final de 76, ocorre a Chacina da Lapa, já sob Geisel, que era considerado um cara mais aberto. Então, com Geisel, ocorre, já dentro da política da ditadura de abertura lenta, gradual e segura, ocorre a Chacina da Lapa. E nós tomamos um susto, nós tínhamos sido enviados pelo Pedro Pomar. Quando a gente abre o jornal, a chacina lá, um dos mortos, chacinados, era o Pedro Pomar. Então, aquilo para a gente foi um baque, a gente olhar no jornal, no meio da rua e ver lá, estampado. A gente sempre ia atrás de dar umas olhadas nos jornais do sul, na praça do Ferreira, era o único lugar praticamente que a gente tinha notícia. A gente passava sempre para dar uma olhada nas manchetes, para ver o que tinha de novidade, e quando chega um dia, tá lá estampada a chacina ocorrida na Lapa, onde morrem além do Pomar e Ângelo Arroio, o Drummond (João Batista Drummond, também militou na AP), que tinha sido meu colega lá na universidade em Minas Gerais.
Esse período é ainda de repressão pesada, produzia na sociedade, e inclusive nos nossos filiados, muito receio. Quem tinha ficado aqui, no Ceará, com exceção desses que assumiram o compromisso com a gente, o contato, e comemoraram nossa vinda, como Benedito Bezerril, o Edson, estava apavorado com a repressão, com os assassinatos. Companheiros como o cunhado do Lula Morais, o Rui Frazão (dirigente do PCdoB no Nordeste, foi preso em Pernambuco, torturado e morto), tinha sido assassinado pela ditadura militar. Então essa questão é até difícil para a gente explicar porque naquele período havia uma cultura de terror. Falar com uma pessoa, expressar idéias mais progressistas, em um papo qualquer, em mesa de bar, no aniversário de um amigo, demonstrar um maior conhecimento, já deixava as pessoas receosas. A ditadura militar impôs um clima de terror na sociedade. Em ônibus era todo mundo meio sisudo, as pessoas evitavam entabular conversa sobre questões mais políticas, ou de reivindicações do povo. Se trancavam, porque sabiam que ali podia ser um policial disfarçado, querendo sondar a opinião da pessoa.
Esse clima de terror na sociedade perdura até o final da década de 70, especialmente até a anistia que ocorre só em 1979. Então até a decretação da anistia, mesmo já tendo uma onda, um sentimento na sociedade que ia crescendo, de resistência, era ainda muito calada, muito surda. Isso só vem eclodir mesmo depois da eleição de 1982, quando inclusive se elege algumas personalidades mais avançadas através do PMDB e o movimento pelas Diretas Já vai ganhando mais espaço, 82, principalmente em 83,84 mais fortemente, que foi o estouro da campanha pelas Diretas Já, até a disputa no colégio eleitoral em 1985, onde se encerra a ditadura militar.
Portanto, até o início da década de oitenta, as condições de trabalho político eram muito precárias. Ainda era clandestinidade absoluta. Eram contatos individuais. O Patinhs (Carlos Augusto Diógenes Pinheiro, presidente do PCdoB/Ce) chega no Ceará um pouco depois da anistia.
Com a anistia já houve um processo de ação um pouco mais aberta, você podia dizer o seguinte, você sai da dura clandestinidade, até 1979, e entra em uma fase de semi-clandestinidade, que você era clandestino, mas já podia se permitir algumas ações mais ousadas. Tinha surgido no Ceará um jornal como o Mutirão, com uma atitude mais explícita de oposição à ditadura e aos coronéis. E era perseguido, tinha represália, mas não era a mesma coisa do período anterior. Já havia mais apoio na sociedade, várias pessoas progressistas admiravam, você fazia uma venda militante, havia uma abertura maior.
Para finalizar, qual a perspectiva atual de crescimento, de transformar-se em um partido de porte médio, de avançar, de ampliar o número de seus militantes, suas atividades?
Aqui no Ceará, temos tido uma atitude muito ampla, buscando sempre a unidade e luta com os aliados. O Partido chegou aqui com três pessoas e nesses 32 anos de reorganização já é um partido razoável, que consegue depois 61, eleger o segundo senador do Partido Comunista do Brasil, que consegue ter uma votação espetacular, são mais de 162 mil votos para Chico Lopes, uma liderança popular. Nós não temos esquemas, nós não temos recursos materiais, nós temos a militância, que é heróica, aguerrida, nós temos a figura dessas pessoas, autênticas, com compromisso, que são reconhecidas pela população.
Abrimos uma perspectiva muito grande de crescimento para o Partido. A liderança do Inácio se consolida depois dos problemas enfrentados na eleição de 2004, onde, houve um jogo sujo em relação ao Partido e ao próprio Inácio. Uma campanha difamatória. A eleição para o Senado confirma a liderança do Inácio e vai mostrando perspectivas de crescimento. Creio que não é à toa que muitas lideranças enxergam no PCdoB uma alternativa. Temos sido procurados por quadros já formados originários do PT e que vêem o Partido com outra perspectiva. O PCdoB tem de fato um compromisso com o movimento popular, com os trabalhadores. Vêem mais coerência, toda a sua trajetória, toda a sua história de 85 anos. Vêem no PCdoB um partido onde realmente há unidade, quer dizer, há um projeto comum para todos. Vêem um partido que tem unidade e ampla democracia. Então tudo isso vai mostrando que o PCdoB é diferente.
Temos a consciência de nosso papel militante, como peças de uma máquina. Às vezes um carro, se não tiver um parafuzinho ali no lugar dele, para de funcionar. Então, da mesma forma temos consciência que somos uma pequena peça em toda a máquina do Partido, mas para a gente é muito gratificante. Nós chegamos aqui há quase trinta e dois anos atrás, 1975, e que a partir dali, daquele esforço que você nem via, anos e anos que a coisa parecia não mudar nada. Se você pegar de 75 até 80 é como se nada tivesse mudado. Você ia atrás de um contato, e o sujeito desconversava, morria de medo, marcava um contato para dali a um mês, dois meses, não aparecia mais. Então, foram cinco anos que parece que demoraram cinqüenta. Então, ver hoje o Partido, com a influência política que tem, com a respeitabilidade que alcançou, sem sombra de dúvida é um reconhecimento da força, da influência do PCdoB, do respeito que merece ter.
Por Felipe Pena Forte e Andréa Oliveira