Nirez e a memória do Doutor do Baião
Nirez relembra o dia 11 de dezembro de 1977, quando gravou com um solícito Humberto Teixeira o depoimento que se tornaria um registro histórico do doutor do baião, dois anos antes de sua partida.
Publicado 18/04/2007 11:08 | Editado 04/03/2020 16:37
Em que contexto se deu o depoimento do Humberto Teixeira? Por que, apesar de três horas de entrevista, só alguns minutos foram filmados?
Esse depoimento foi gravado em 77, dois anos antes do Humberto morrer. Essa fita ficou guardada e agora foi feita a transcrição, pela Myreika Falcão, técnica especializada, e vamos lançar pelo Arquivo Nirez. Mas essa questão da imagem, eu fiz uma abertura em vídeo, mas o que eu dispunha no momento aqui era uma câmera super 8. Foi filmado um ou dois minutos, só a abertura. Acho que a única imagem em movimento do Humberto que existe é essa, inclusive está sendo aproveitada no filme sobre ele que estão fazendo agora.
Como explicar que alguém da importância do Humberto Teixeira, que além de compositor foi deputado federal e uma liderança da música e dos direitos autorais, não tenha tido sua imagem registrada em outros momentos, como entrevistas para TV?
Humberto sempre foi ofuscado pela fama de seu parceiro, Luiz Gonzaga. No Brasil os intérpretes aparecem mais que os autores. Ele era autor junto com Luiz Gonzaga, mas Luiz é que era intérprete. Uma música que você ouve no rádio, até hoje, se dá o crédito ao intérprete.
Mas, mesmo assim, não é uma ausência muito grande de registro, das demais atividades do Humberto? Havia também um componente pessoal nisso, de não querer aparecer?
Sinceramente, não sei. Também não entendo a inexistência desse material. O homem era deputado, era o papa do direito autoral, esteve à frente das associações desses direitos lá em Brasília, e não existe uma entrevista em que ele apareça, nem sobre outro assunto. O Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro nunca chamou ele pra fazer um depoimento. O daqui, muito menos. De forma que, até onde eu sei, esse é o único que existe.
Como se deu o convite ao Humberto para o depoimento, e como ele reagiu à proposta? Ele estava interessado em contar a sua história?
Eu só gosto de fazer depoimento quando noto o interesse do entrevistado. Não adianta fazer entrevista se a pessoa não quer. Ele tinha vindo ao Ceará pra receber uma medalha no Theatro José de Alencar. Eu trabalhava no jornal O Povo e ele foi visitar a redação. Aproveitei e conversei com ele, falei da minha discoteca e vi que ele se interessou. Convidei pra ele vir conhecer, ele aceitou. Botei ele dentro do meu carro, um Caravan branco, e trouxe. Ele olhou, achou admirável, ficou entusiasmado. Eu falei: ´Vamos fazer uma gravação de um depoimento´. E ele: ´Pois não´.
E fizeram ali, na hora…
Exatamente. Por isso que não teve nada planejado, senão podia ter preparado melhor. Até fotografia, só teve uma, muito desfocada, porque quem bateu foi meu filho, que nunca tinha pegado numa máquina na vida dele. Ele bateu umas cinco, só prestou uma. Prestou não, escapou, né? Por ele ser meu filho, deu mais ênfase a mim, eu fiquei de frente e o entrevistado meio de costas. Mas começamos a conversar, e ele tinha um papo muito bom. Deixei ele extravasar mesmo, dentro da entrevista. Conversou, conversou, e só desliguei o gravador quando ele foi-se embora, já de noite. Ele foi muito gentil, pra quem nunca tinha me visto.
O que você avalia como principal destaque, ou surpresa, no depoimento?
O que mais me surpreendeu foi a maneira fácil de falar. Ele tinha uma cultura muito grande, usava termos clássicos, com muita facilidade. Me surpreendeu, porque não pensei que ele fosse tão culto, tão inteligente. No depoimento ele dirimiu algumas dúvidas sobre música popular, como é que fazia parcerias, contou histórias de algumas músicas… O que mais me surpreendeu foi o fecho, que ele fez um verdadeiro poema, falando de como fez a peregrinação dele, e de tudo que falou nessa jornada.
No depoimento ele fala inclusive sobre os comentários de que teria utilizado obras do Lauro Maia…
Eu explorei tudo isso, a parte do baú do Lauro Maia. O Lauro Maia nunca foi de guardar nada, nem gostava de responsabilidades. Tanto que, quando foi procurado pelo Luiz Gonzaga para juntos lançarem o baião, mandou Gonzaga procurar Humberto: ´Ah, faz com meu cunhado, que ele é que gosta dessas coisas´. Lauro Maia não queria responsabilidade com nada. Era tão irresponsável que a tuberculose chegou e tomou conta dos dois pulmões, e ele nem percebeu. Morreu em 5 de 02 de 50, coincidentemente o dia do nascimento do Humberto Teixeira. Um péssimo presente de aniversário.
Entrevista concedida ao jornalista Dalwton Moura, do Diário do Nordeste