Governo prepara Plano de Equidade Social, anuncia Patrus Ananias

Está no forno do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome um plano voltado à promoção de uma melhor e mais justa distribuição de renda no Brasil. A informação foi dada pelo ministro Patrus Ananias, em entrevista concedida ao Portal do

Batizado provisoriamente de Plano de Equidade Social (PES), o projeto confirmará a promessa do presidente  Luiz Inácio Lula da Silva na campanha pela reeleição: que iria governar para todos, mas priorizando os mais pobres.


 


“Estamos trabalhando no sentido de apresentar ao presidente Lula, nos próximos dias, uma ação integrada e coordenada pela Casa Civil e com outros ministérios.  Um plano que tenha uma interface com o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), com o PDE (Programa de Desenvolvimento da Educação) e com as demais políticas do governo, porém com foco mais voltado efetivamente para os pobres”, antecipou Patrus Ananias.


 


Faz parte desse plano a ampliação do Bolsa Família, com a alteração da idade de 15 para 17 anos dos jovens beneficiados, a adoção do INPC integral para reajustar o valor do benefício e a concessão de um prêmio em dinheiro aos alunos aprovados na escola.


 


Além disso, o PES priorizará a transversalidade entre diversas áreas do governo, com a integração com outros programas de assistência social, saúde, educação e direitos humanos, e com as políticas de geração de trabalho e renda. 


 


Advogado e professor, Patrus foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores em Minas Gerais. Vereador e prefeito de Belo Horizonte, Patrus é reconhecido como um dos melhores gestores da capital mineira. Em 2002 foi o deputado federal mais votado do estado com mais de 500 mil votos. Assumiu o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em 2004.


 


Em seu gabinete, ao longo de uma hora, o ministro discorreu sobre os avanços obtidos no primeiro mandato, os novos desafios de sua pasta para o segundo mandato e fala ainda de suas expectativas para as eleições 2008 e 2010.


 



Leia abaixo a íntegra da entrevista:


 


O primeiro mandato do governo Lula foi caracterizado principalmente pela priorização das políticas aos mais carentes, com destaque para o Bolsa Família, que já beneficia 11 milhões de famílias.  O que o segundo mandato nos reserva nesta área?


 


Patrus Ananias: Eu penso que nós atingimos um patamar superior. Avançamos muito no primeiro mandato do governo do presidente Lula no sentido de consolidarmos no Brasil uma rede de proteção e promoção social. Vale dizer: promoção e proteção dos pobres, dos trabalhadores, na perspectiva de implantarmos no país,  sob novos paradigmas, mas dentro dos princípio da Constituição, o estado do bem estar social. E acho que avançamos no sentido da integração das políticas. Foi muito importante a criação do nosso ministério, que integra três áreas: a assistência social, a segurança alimentar e nutricional e as políticas de transferência de renda. Ao mesmo tempo, também avançamos muito na parte de avaliação dos programas de monitoramento de construção de indicadores, através da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, como também consolidamos e ampliamos parcerias tanto na esfera do próprio governo com outros ministérios, órgãos públicos, mas também com o setor privado, com empresas, sindicatos, movimentos sociais, igrejas, universidades, através da nossa Secretaria de Articulação Institucional e parceiras. E houve também um avanço em outras áreas. Nós temos consciência de que o nosso ministério cumpriu e está cumprindo um papel importante nesse processo. Mas também tivemos, no governo Lula, conquistas notáveis em outras áreas do campo social, como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o Programa Luz para Todos, os avanços nos campos da educação — com a implantação do ProUni e a aprovação do  Fundeb. E também houve uma integração entre o social e o econômico. Nós devemos cada vez mais pensar no desenvolvimento nessa perspectiva integral, holística. Porque sem a estabilidade econômica, sem o controle da inflação, nós não teríamos o êxito que tivemos.  A inflação é perversa, sobretudo com a classe média, com os trabalhadores, com os pobres. O salário mínimo, os programas de transferência de renda, o BPC (Benefício de Prestação Continuada)… esses programas ficariam fragilizados, não teriam o alcance que tiveram com a economia instável, com a inflação alta, porque os valores dos benefícios seriam corroídos. Foi um conjunto de ações que contribuíram para o êxito do governo Lula no primeiro mandato, especialmente nas conquistas sociais. Eu penso que nós partimos, portanto, de um patamar de conquistas. Nós colocamos as questões dos pobres no campo das políticas públicas, no campo dos direitos. Nós estamos superando definitivamente o assistencialismo, o clientelismo, o “quem indica”, a distribuição de benefícios e cestas básicas em períodos eleitorais, e colocando a questão dos pobres no campo das políticas com critérios, com procedimentos, normatizadas juridicamente, inclusive numa linha republicana, buscando ações integradas de cooperação com os governos estaduais e municipais, colocando o bem comum –  especialmente o bem comum dos pobres, trabalhadores – acima de divergências partidárias. Temos, cada vez mais, que estabelecer políticas comuns, criarmos sinergias, maximizarmos os recursos materiais, humanos, financeiros, tecnológicos.


 


O sr. fala muito na importância da transversalidade…


 


Patrus: Exatamente. Esse é um outro desafio que se coloca agora neste segundo momento, que é  consolidarmos a transversalidade vertical, do governo federal com os governos estaduais e governos municipais, e avançarmos também muito na perspectiva da transversalidade horizontal, dentro do próprio governo, na integração das políticas sociais, respeitando as especificidades das áreas. Cada área tem a sua identidade,  tem a sua história, suas conquistas, a educação, a saúde…



Como se daria essa transversalidade? Como as políticas de transferência de renda e todas essas outras políticas do bem estar social podem se integrar à política de geração de trabalho e renda, ao PAC…?


 


Patrus: Nós não temos um caminho pronto. Não temos, no Brasil, uma tradição de políticas sociais. Estamos avançando de forma definitiva agora, no governo Lula. Antes tínhamos algumas ações isoladas, pontuais.  Políticas sociais integradas, consolidadas em sistema como estamos fazendo com os SUAS (Sistema Único da Assistência Social), agora com o SISAN (Sistema de Segurança Alimentar Nutricional), e interagindo com os dois programas rigorosos de transferência de renda, como o Bolsa Família — essa opção preferencial pelos pobres, numa linha de políticas pública, de direitos, essa perspectivas de consolidarmos uma rede de proteção e promoção social  — é recente. Nós estamos construindo um caminho. As coisas estão dadas. É um desafio nós consolidarmos e ampliarmos essas ações transversais, a intersetorialidade. Os benefícios são visíveis. Cria sinergias, maximiza recursos, possibilita que nós aproveitemos ao máximo uma coisa notável que temos hoje, que é o Cadastro Único, com um mapeamento de 16 milhões de famílias pobres no Brasil. Tambpem  possibilita  mecanismos mais eficazes de avaliação de impactos  programas, de monitoramento, de construção de indicadores. Ou seja, podemos fazer mais com menos recursos. Na prática, não é fácil, porque é uma tradição que nós estamos começando agora a construir e porque as áreas também têm suas histórias próprias. A escola pública, a escola democrática, republicana,  o direito à educação, o direito à saúde foram conquistas, assim como a assistência social e a  segurança alimentar e nutricional. Eu costumo dizer que uma criança na escola não aprende sem ter saúde e não terá saúde se ela não tiver assegurado, juntamente com a sua família, o direito básico fundamental à alimentação com regularidade, qualidade e quantidade. Não terá saúde senão tiver água potável, saneamento básico, moradia. Uma criança não terá saúde física e emocional se ela não tiver uma família. Se os vínculos familiares e comunitários estão fragilizados, é fundamental a presença do estado através das políticas públicas de assistência social para resgatar esses vínculos familiares, comunitários ou mesmo garantir um espaço onde a criança possa ser acolhida e desenvolver-se de forma saudável.


 


Para garantir esses vínculos comunitários, as ações de bem estar social devem ser acompanhadas por medidas de desenvolvimento regional, não?


 


Patrus: O trabalho no território não pode ser fragmentado. Nós temos aqui os consórcios de segurança alimentar e de desenvolvimento local. Para nós promovermos o desenvolvimento local, regional, nós temos que ter ações integradas que complementem a assistência social, a educação, a saúde, as políticas de segurança alimentar, nutricional, a cultura, as políticas que promovam o desenvolvimento, que promovam as potencialidades das regiões a partir das suas características geográficas, econômicas, ambientais, a partir das suas potencialidades, das suas vocações.  Cada política tem a sua marca, sua importância. Você não vai  desconstituir de seus espaços fundamentais a educação, a saúde, a assistência social, as políticas de transferência de  renda, a segurança alimentar e nutricional, a cultura, o trabalho, a Previdência Social, mas nós temos, por exemplo, um desafio importante imposto na Constituição, que é consolidarmos no Brasil  um sistema de seguridade social, que é uma integração maior das políticas de saúde, da Previdência Social e da assistência social. Isso significa nós promovermos, no sentido amplo da palavra, o desenvolvimento social. 


 


Como integrar a questão social ao PAC?


 


Patrus: No caso concreto do PAC,  existem investimentos que têm forte porte social. Nós podemos chamar de infra-estrutura social os investimentos em saneamento básico, investimentos massivos em construção de moradias populares, urbanização de vilas e favelas, transportes coletivos, conclusões de obras de metrô que irão melhorar as condições dos  transportes coletivos, a energia elétrica, que é um fator fundamental também para estimular pequenos e médios empreendedores e assegurar as condições dos desenvolvimento local. Agora, nós estamos buscando outro ponto de integração, nós estamos trabalhando aqui no ministério em outras áreas voltadas para o combate às desigualdades sociais, buscando também realizar  esse grande compromisso do segundo mandato do presidente Lula, que é a distribuição de renda. O nosso lema é crescimento econômico com distribuição de renda   e educação de qualidade. Nessa linha de integrar o crescimento econômico com distribuição de renda nós estamos buscando a integração com o PAC, no sentido da geração do trabalho e renda, pois ele vai gerar empregos, que é uma outra dimensão social do crescimento econômico. Mais do que isso, nós queremos uma integração mais afinada, nós estamos identificando onde o PAC terá mais impacto com sua obras de infra-estrutura, com a capacitação de pessoas beneficiárias do programa Bolsa Família, na linha das políticas de geração de trabalho e renda, com ações complementares de que fala a lei que instituiu o programa..Em outras palavras, construindo alternativas emancipatórias para que as famílias que nós estamos atendendo, promovendo e incluindo, através do programa, possam também cada vez mais ganhar a sua auto-suficiência econômico-financeira e caminhar com suas próprias pernas. Por isso nós estamos buscando ligação bem fina entre as obras do PAC e os beneficiários dos nossos programas, especialmente do Bolsa Família.


 


Esse ''PAC social'' de que se têm falado seria um braço social do PAC?


 


Patrus: Definitivamente, não gosto do termo ''PAC social''. O PAC é o PAC, é o Programa de Aceleração do Crescimento. O que eu estou dizendo é que o PAC, além de ser fundamental para promover o crescimento do país, o desenvolvimento, ele tem uma dimensão social forte para gerar empregos, tem a infra-estrutura social que eu mencionei. Nós estamos buscando a integração mais refinada para aproveitarmos o máximo do ponto de vista de capacitarmos e possibilitarmos a emancipação, melhores condições de trabalho, mais renda e autonomia das famílias que nós estamos atendendo. Agora, nós estamos trabalhando em outra dimensão, assim como teve o Plano de Desenvolvimento da Educação, que tem uma grande interface conosco também, não há que pensar o desenvolvimento econômico e social sem educação. Nós inclusive assinamos, no dia em que foi lançado o plano, termos de cooperação do nosso ministério com a educação e já temos o controle das condicionalidades do Bolsa Família. Estamos trabalhando um outro plano, que pode até mudar de nome se surgir um outro mais adequado, mas estamos chamando de Plano de Equidade Social. Quer dizer, é um plano mais diretamente voltado para promover uma melhor e mais justa distribuição da renda no Brasil. Um plano que confirme claramente o que disse o presidente Lula na campanha e após a reeleição, de que vai governar para todos, mas que vai sempre priorizar os pobres. Estamos trabalhando no sentido de apresentar ao presidente Lula nos próximos dias uma ação integrada e coordenada pela Casa Civil e com outros ministérios. Ou seja, um plano que tenha uma interface com o PAC, o PDE e com as demais políticas do governo, porém mais centradas, com um foco mais voltado efetivamente para os pobres.


 


A ampliação do Bolsa Família faz parte deste plano?


 


Patrus: Sim. No caso do Bolsa Família, nós estamos propondo um reajuste do benefício com base no INPC integral, estamos propondo ampliar a idade de 15 para 17 anos [dos jovens que recebem o benefício], propiciando um tempo maior para que os jovens tenham condições de concluir o ensino fundamental. Estamos propondo um prêmio para os jovens que sejam aprovados, um estímulo ao estudo. É uma proposta integrada com outros ministérios. O nosso ministério ficou com a responsabilidade de apresentar ao presidente esse plano de combate às desigualdades sociais. Mas não queremos que seja um ''PAC social'' e nem também a idéia de um pacote porque estamos consolidando e ampliando políticas públicas que estão sendo construídas democraticamente, com a ampla participação da sociedade e dos conselhos.


 


Além da ampliação, do reajuste dos benefícios e do prêmio do Bolsa Família, o plano incide em outras áreas?


 


Patrus:  Sim. Dentro do ministério, por exemplo, terá a integração do Bolsa Família com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti); a integração do Bolsa Família com os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), que nós chamamos também   ''Casa das Família'' — um programa que, além do acolhimento a famílias pobres, vem se transformando em espaços importantes para capacitação profissional para geração de trabalho e renda —, além de outras políticas na linha da inclusão produtiva e a sua integração com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que tem um vínculo profundo com o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que é do Ministério do Desenvolvimento Agrário, e que tem tido um grande apoio. Tem também a integração com o programa Luz para Todos, do Ministério das Minas e Energia, além da criação da tarifa social para os beneficiários do Bolsa Família, também neste ministério, além de integração em ações do Ministério do Trabalho para capacitação profissional e de economia solidária. Procuramos integrá-lo também com os nossos programas de microcrédito, com os chamados arranjos produtivos locais, que são nucleadores dos programas de desenvolvimento local e regional. Com relação ao Peti, nós queremos estreitar as relações com o Ministério da Educação, pois o programa trabalha com duas linhas: ele repassa recursos para as famílias — e essa parte foi efetivamente assumida pelo Bolsa Família — e repassa recursos para as prefeituras desenvolverem atividades que nós chamamos de “jornada ampliada”. Nós entendemos que há um espaço grande de cooperação com o Ministério da Educação para que essa jornada tenha um caráter pedagógico de mais escolas, reforço escolar, estímulo à leitura, inclusão digital e atividades esportivas e culturais, conforme o desenvolvimento intelectual, mas também integrado ao desenvolvimento físico, psíquico e emocional das crianças e adolescentes.


 


Esse programa então já é a consolidação de uma solução para aqueles desafios que o senhor colocou no começo da entrevista…


 


Patrus: É um passo fundamental. O que nós estamos buscando é consolidar as políticas sociais. Muitas pessoas ainda acham, inclusive pessoas bem intencionadas e com importância no debate, até pessoas da esquerda e do nosso partido, o PT, que o Bolsa Família e que as políticas sociais, nas quais ele se inclui, são passageiras. Há uma idéia de que, se o país voltar a crescer um pouco mais — e nós queremos que ele cresça, pois o desenvolvimento econômico é fundamental —, uns cinco ou seis por cento ao ano, e se nós erradicarmos uns focos de pobreza, as políticas sociais são desnecessárias. O economicismo deitou raízes muito profundas, inclusive no campo da esquerda e das forças democrático-populares e progressistas do Brasil. A idéia de que o crescimento econômico por si só distribui renda e produz uma sociedade mais justa é um equívoco grave e nós temos de nos contrapor a isso. Os países que apresentam os maiores indicadores sociais do mundo — os países escandinavos, os países europeus, em níveis diferentes, mas todos eles, agora a Austrália, o Canadá, a Nova Zelândia —, esses países não desconstituíram as suas redes de proteção e promoção social, não reduziram seus direitos sociais, pelo contrário: na medida em que as pessoas,  as famílias e as comunidades vão tendo melhores e mais dignas condições de vida, esses programas também vão se ampliando e se universalizando numa perspectiva de assegurar que todos tenham, rigorosamente, os mesmos direitos e oportunidades. E isso implica uma vigorosa ação em todos os campos sociais, pois direitos e oportunidades iguais não são uma coisa abstrata não, começam antes da gestação. Começam com a saúde dos futuros pais e mães, com a maternidade e a paternidade responsáveis, passam pela gestação, saúde, alimentação, condições decentes de vida, moradia depois do nascimento, os cuidados médicos, as possibilidades iguais de educação desde o início, com creches públicas que assegurem que os pobres tenham os mesmo direitos que os ricos. É a busca da igualdade, esse é o ideal de que não podemos abdicar, é dessa perspectiva que estamos falando, de um socialismo democrático, de uma sociedade que assegure a todos as mesma chances e isso pressupõe políticas sociais permanentes e vigorosas. E mesmo você assegurando isso — e nós temos muito terreno ainda para caminhar neste sentido —, é importante lembrar que os países que mais avançaram continuam mantendo fortes políticas sociais. A Suécia, por exemplo, aplica 30% dos seus investimentos no social. E é importante lembrar que nós teremos sempre as pessoas fragilizadas. Pessoas que por inúmeras razões permanentes ou momentâneas, razões de saúde, de ordem emocional, psíquica, às vezes não só pessoas mas famílias e comunidades inteiras, como nós temos os indígenas, quilombolas, populações de rua, que por circunstâncias especiais estão sempre exigindo um olhar especial da sociedade e do Estado.


 


O pesquisador Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas, disse recentemente que as políticas sociais como forma de diminuir a concentração de renda já chegaram a um limite. O senhor concorda?


 


Patrus:   Sim e é neste sentido que precisamos consolidar o que já fizemos — que foi muito e a população reconheceu isto na reeleição do presidente — para buscarmos novos horizontes e novos paradigmas. Isso implica em avançarmos no campo da transversalidade, das ações intersetoriais e implica, a meu ver, em avançar de forma mais determinada na linha da distribuição de renda. Por exemplo, precisamos consolidar no Brasil um princípio histórico e civilizatório que remonta às origens da civilização cristã e que está em todas as constituições brasileira desde 1934, que é o princípio da função social da propriedade e que agora nós podemos acrescentar: o princípio da propriedade e do lucro. Ou seja, a propriedade e o lucro são direitos individuais e coletivos, o lucro é fundamental para que as empresas cresçam, ofereçam mais empregos, incorporem novas tecnologias, ampliem a produção, remunerem bem os investidores e trabalhadores e possam cumprir de forma mais ampla a sua responsabilidade social. Agora, há um limite, ou seja,  a propriedade e o lucro reconhecidos no Brasil e no mundo como importantes para desenvolvimento têm o limite nas exigências estabelecidas pelo bem comum nacional, direito à vida, dignidade humana e justiça social. Assim, a propriedade não produtiva e também aquela com lucros excessivos devem ser utilizadas pelo Estado para promover um maior equilíbrio, uma equidade ou, para usar uma palavra muito usada hoje, uma coesão social, porque a questão da justiça social não tem apenas uma questão ética, que é fundamental, mas tem também uma dimensão prática: a sustentabilidade social do crescimento econômico, assim como deve haver uma sustentabilidade ambiental. Foi o erro que o Brasil cometeu no século XX: crescemos muito, saímos de uma posição marginal no começo do século, chegamos a ser a oitava economia do mundo, diversificamos a nossa economia, o país se industrializou e vivemos um processo até um pouco desastrado de urbanização, mas o certo é que o país ganhou uma nova versão no século XX. Mas cometemos um erro básico, não distribuímos renda e não implementamos as políticas sociais que estamos implementando hoje, ou seja, não garantimos a sustentabilidade social. Isso é muito objetivo, pois ao mesmo tempo que estamos formando cidadãos e cidadãs, estamos somando consumidores, estamos consolidando e ampliando o mercado interno. Nós temos pesquisas muito interessantes que mostram o impacto altamente positivo dos nossos programas nas economias locais e regionais, pessoas que nunca compraram nada ou quase nada estão agora comprando alimentos, roupinhas melhores para os filhos, material escolar, as mulheres estão cuidando mais de si, as pessoas estão melhorando as suas casas e suas condições de vida e é isso que possibilita consequentemente o circuito virtuoso da economia. É inaceitável que um país como o Brasil, com quase 200 milhões de habitantes, não tenha toda essa população incluída em seu mercado interno. Nós ficamos buscando mercados fora  — e é importante que façamos isto, que é aliás um dos êxitos do nosso governo, as exportações e a política externa —, mas é importante também olharmos para dentro e integrarmos como consumidores de bens e serviços básicos toda a população brasileira.


 


Um dos resultados que chamaram a atenção na pesquisa divulgada na semana passada sobre o impacto dos programas de transferência de renda foi o fato de que, no Sul e Sudeste, as pessoas beneficiárias do Bolsa Família gastam menos do que aqueles que não recebem o benefício. Como o sr. entende este fato?


 


Patrus: O que a gente sabe e tanto as pesquisas mostram é que, por experiência direta — eu tenho viajado muito para ver de perto o funcionamento dos programas, não somente o Bolsa Família, mas o da agricultura familiar, da assistência social e a própria integração dos programas —, a gente sente claramente que no interior, na zona rural, nas pequenas comunidades e até nas médias cidades, os nossos programas têm um impacto muito mais visível. É mais fácil a integração entre eles. Está havendo uma transversalidade na base. As pessoas estão mais próximas, os equipamentos públicos estão mais próximos. Então  é mais fácil a integração, seja dos programas do ministério, seja dos programas do governo – dos demais ministérios – com programas do governo municipal, com a sociedade civil, com organizações não-governamentais, com a participação de igrejas, empresários locais, universidades. Nas grandes cidades, nas regiões metropolitanas, os desafios são maiores. Primeiro porque enfrentamos elementos desconstituidores dos vínculos, das relações familiares, comunitárias. Há o chamado crime organizado, essas máfias criminosas, a violência, o consumismo, a propaganda, os apelos… e a vida é mais cara mesmo. As pessoas gastam mais com transporte coletivo, com problema de moradia, que é muito mais cara.  Então o impacto dos programas é menor. Este é mais um desafio de nós trabalharmos a transversalidade especialmente nas grandes cidades e nas regiões metropolitanas. Como somar esforços, como integrar as políticas do nosso ministério – Bolsa Família, transferência de renda, programa de atenção integral à família, programa de erradicação do trabalho infantil, agricultura urbana, implantação de restaurantes populares, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos – com outros programas e outros equipamentos da cultura, da educação, da saúde, do esporte, do trabalho, para podermos fazer um esforço comum integrado e marcar a presença mais vigorosa do Estado, do poder público, junto a essas comunidades, inclusive fazendo um contraponto a essas forças desconstitutivas dos vínculos familiares e comunitários.


 


O sr. esteve recentemente no VI Fórum de Ministros do Desenvolvimento Social da América Latina. De que forma a união dos países pode ajudar no combate à fome e à miséria?


 


Patrus: Estamos caminhando nessa direção. Participei de dois eventos internacionais muito importantes nas últimas semanas. Um deles foi um encontro dos ministros da área social dos países árabes e da América do Sul. E esse outro na Argentina, com os ministros da área social da América Latina e do Caribe. É um momento muito importante porque a agenda social está muito forte nesses países. Com diferentes características, de governos, estilos. Há governos na América Latina hoje que efetivamente têm compromisso social. É inegável que a questão social está pautada em Cuba, na Venezuela, no Brasil, no Chile, na Argentina, Equador, Nicarágua, Panamá, Bolívia… É claro que com estilos diferentes. Mesmo governos que seriam, digamos, mais conservadores, a pauta está colocada. México, Colômbia, Peru estão também tratando esta questão. Porque os pobres estão reivindicando, a questão social está se impondo. Então podemos dar um avanço muito grande nas questões sociais e no desenvolvimento social, no combate à pobreza, em busca de cumprir os objetivos do milênio proposto pela ONU e superar essa fase ‘pré-histórica’ da fome, da desnutrição, da pobreza extrema e das desigualdades tão gritantes como nós temos na América Latina.


 


Há algum plano concreto de realizações?


 


Patrus: Não é um processo fácil. O desafio mais de curto prazo é a implantação Mercosul social. Eu devo ir a Assunção (Paraguai) no próximo dia 15 para o encontro dos ministros do Mercosul. Criar um espaço, uma oficina, um escritório, uma secretaria específica para acompanhar os programas, trabalhar alguns projetos comuns. As preocupações são muito comuns. E algumas políticas são muito convergentes: questões como transferência de renda, mas buscando também integração com outras políticas sociais, buscando também a perspectiva de ações emancipatórias, que possibilitem uma maior autonomia das famílias atendidas; a questão do desenvolvimento local,  a interface com esses programas que estimulem o cooperativismo, o empreendedorismo  individual, mas também familiar, comunitário, na linha da economia solidária, da inclusão produtiva… A questão da intersetorialidade está muito presente e foi muito forte no encontro na Argentina. Agora, há desafios, porque os ritmos são diferentes, estilos diferentes. A posição do Brasil é muito avançada hoje no contexto americano.


 


O sr. é o condutor de programas sociais muito bem sucedidos no primeiro mandato, permaneceu no segundo, é um petista histórico e é natural do segundo maior colégio eleitoral do Brasil. Tem, portanto, um enorme capital político. Quais são suas pretensões políticas? Há quem cite seu nome entre os possíveis sucessores do presidente Lula. Como o sr. vê isso?


 


Patrus: Para ser sincero, não vejo. Eu não consigo exercer uma função – sobretudo uma função relevante, de altíssima responsabilidade, como ser ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e com os desafios que o nosso ministério enfrenta hoje –  pensando em outra função.  Temos desafios sérios no ministério. Já conversei com o presidente e com nossos colegas ministros da área econômica sobre isso. O MDS tem hoje 1.300 funcionários, sendo 600 terceirizados, mas está presente, com seus programas, em todos os municípios do Brasil, atendendo aproximadamente 60 milhões de pessoas. Além disso, não temos sede própria. Estamos em cinco diferentes lugares em Brasília, e mesmo assim somos a maior concentração de servidores por metro quadrado em Brasília. Então somos poucos, dispersos, amontoados, a grande maioria mal remunerada e muito demandados. Todas as minhas energias, toda minha motivação está voltada para consolidar o ministério e ampliar e aperfeiçoar, na linha do que conversamos, inclusive na perspectiva da intersetorialidade, das parcerias, as ações do ministério. Não consigo ocupar um cargo pensando em outro. Quando fui prefeito de Belo Horizonte, era assim. Eu achava muito importante eu ser prefeito de Belo Horizonte. E todas as minhas energias estavam voltadas a isso. Agora eu acho muito importante ser ministro do presidente Lula, vivendo esse momento histórico que estamos vivendo no Brasil. Eu me sinto comprometido a mobilizar todas as minhas energias dentro do ministério para ajudarmos o presidente a corresponder cada vez mais as expectativas do povo brasileiro, especialmente a confiança e as expectativas do povo pobre – os trabalhadores, os humildes. Considero cedo, não é bom para o governo nem para o Brasil começarmos a discutir a sucessão do presidente Lula. O presidente está começando o segundo mandato. Estamos começando um novo governo. Temos que discutir prioridades de governo, integração de ações, como quer e vem orientando, determinando e liderando o presidente.  E, depois, 2010 está distante. Como diz o povo da roça, ‘tem 2008 entremeado no meio’. E 2010 será uma eleição muito ampla: presidente, governador, vice, deputado federal, estadual, senadores… Há que se considerar as mudanças econômicas e sociais que o país está vivendo,= e também ajudar o combate à corrupção – o país está sendo passado a limpo em várias frentes. Tudo isso vai ter um impacto no processo. Então, uma coisa está clara para mim: eu não sou candidato, não tenho uma meta que não seja fazer o melhor aqui no ministério e corresponder à confiança do presidente Lula. Agora, posso falar com absoluta franqueza: eu estou com 55 anos, comecei minha militância política com 13 anos e continuarei tendo minha militância política, o que obrigatoriamente não implica cargos públicos. Eu fiquei 6 anos sem mandato, e muitas pessoas acharam que minha carreira política estava encerrada. Quando voltei, voltei com votação bem razoável para deputado federal (mais de 520 mil votos). Por quê? Porque durante o tempo que não tive mandato continuei exercitando minhas atividades, exercitando minha cidadania. De uma coisa não vou abrir mão: de manter e ampliar a minha interlocução com o povo – aliás, a nossa, já que ninguém faz política sozinho; é uma dimensão coletiva, daí também que ninguém pode ser candidato de si mesmo. É muito cedo para dizer quem vai ser candidato se as candidaturas devem ser coletivas, construídas e compartilhadas. Uma coisa  é muito clara: vou manter essa dimensão de interlocução permanente com o povo mineiro, especialmente, mas também agora com o povo brasileiro. Exercer plenamente minha cidadania. Isso que sempre fiz dentro do PT, mas que sempre fiz também como cidadão. Advogado trabalhista, sindical, assessor de movimentos sociais, comunidades eclesiais de base, pastorais. Estarei sempre participando das lutas, dos movimentos sociais, colocando minhas experiências na vida pública como gestor, como legislador, as minhas leituras, as minhas reflexões a serviço do povo brasileiro, do nosso projeto. Nesse sentido, minha idéia é manter e consolidar essa interlocução, mas numa dimensão coletiva. E o futuro, portanto, será construído coletivamente, considerando as condições objetivas e subjetivas de cada momento.


 


O PT sai unido em Minas em 2008?


Patrus: Nós temos que trabalhar nessa perspectiva. Acho importante que a gente saia unido. Todo meu esforço será nesse sentido: de que o partido, respeitando as diferenças e o pluralismo, o que é próprio do PT, saia unido e afirmando alguns compromissos básicos. Acho fundamental que o PT resgate alguns compromissos fundamentais. Por exemplo: temos que afirmar categoricamente perante a sociedade mineira e brasileira que jamais utilizaremos recursos que não sejam rigorosamente legais, éticos e transparentes. Precisamos ter maior transparência interna também. Acho que o PT tem que implantar, na sua gestão, o Orçamento Participativo. Aquilo que fizemos tão bem nas nossas administrações, vamos fazer internamente. É importante que os filiados discutam onde os recursos devem ser aplicados. O PT deve firmar também maior respeito à militância, aos filiados, aos simpatizantes, no sentido também de avançar na linha da formação política – não de uma formação autoritária, de fazer a cabeça das pessoas, mas no sentido de formar quadros, inclusive para que possamos ter gestores e parlamentares mais competentes. O PT tem que discutir mais os grandes temas postos no Brasil hoje. A questão do projeto nacional, a questão das políticas públicas numa perspectiva de transversalidade, a questão do conceito de desenvolvimento incorporando todas essas dimensões que mencionamos. Penso que, em torno de alguns pontos básicos, sem jogar pedra no passado, mas aprendendo com as experiências do passado para construirmos o futuro, trabalharei muito a perspectiva de que estejamos unidos em 2008 e, a partir daí, em 2010.


 


Fonte: Portal do PT