FMI e Banco Mundial: gêmeos em crise

Depois de várias anos de uma permanente campanha de desprestígio contra a ONU, agora são as chamadas instituições gêmeas de Bretton Woods – o Banco Mundial (Bird) e o Fundo Monetário Internacion (FMI) – que se encontram em crise política e econômica. Inst

Agora, depois de uma década de contínuas acusações sobre corrupção, ineficiência e esbanjamentos das Nações Unidas (que foi obrigado a reduzir em um terço seus efetivos, apesar de custar menos que os bombeiros de Nova York), os refletores passam de NY a Washington. Ao final, as grandes acusações sobre a ONU se reduziram a dois fatos concretos: que o filho de Kofi Annan havia ganhado quase US$ 80 mil de maneira duvidosa e que o funcionário encarregado da operação Petróleo por Alimentos, Benon Savan, registrara de maneira misteriosa US$ 140 mil em sua conta pessoal.



Na verdade, o escândalo dos subornos na venda do petróleo do Iraque alcançava os US$ 12 bilhões, e a operação estava nas mãos dos países envolvidos, em particular de companhias norte-americanas.



Essa abrupta perda de imunidade se deve a três causas que, se bem separadas, finalmente confluíram devido ao festival midiático criado em torno do ex-presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz.



A primeira vem se desenvolvendo desde a queda do Muro de Berlim e a conseqüente revanche do capitalismo selvagem, através da ofensiva da globalização neoliberal, que faz do mercado o único critério válido para as relações internacionais, e prescreve ajustes internos em cada país. A base conceitual desse tipo de globalização é o chamado Consenso de Washington, pelo qual o governo dos EUA e as criaturas de Bretton Woods postularam durante duas décadas uma minuciosa revisão das políticas monetárias e econômicas, além de exigirem ajustes estruturais para minimizar o papel do Estado, privatizar todo o possível, eliminar custos sociais não produtivos (como ensino e saúde) e as tarifas aduaneiras com a finalidade de abrir as portas para os investimentos estrangeiros. Essa política, que foi levada adiante com fervor ideológico, é hoje reconhecida como a causa principal da crise monetária asiática dos anos 90.



Enquanto antes apenas as organizações da sociedade civil, os sindicatos e algumas forças de esquerda denunciavam os estragos causados pelo Consenso de Washington, as críticas do ex-chefe de economistas do Banco Mundial e prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, fortaleciam a imagem unitária do establishment.



A segunda causa é que a campanha contra o multilateralismo lançada pela administração Bush atingiu de raspão as instituições de Bretton Woods. O porta-voz do privado contra o público, o Wall Street Journal, impulsionou uma campanha defendendo que com a globalização e a ascensão do mercado como parâmetr único das relações internacionais, poderia-se prescindir dessas instituições.



A terceira causa é que a sociedade civil global já é uma realidade, ainda que sem uma estrutura real. O Fórum Social Mundial é só a ponta de um iceberg. Calcula-se que atualmente não há menos de dois milhões de organizações não-governamentais integradas por mais de cem milhões de cidadãos. É um mundo de idealismo e de compromissos solidários cada vez mais influente nas relações internacionais, que dedica uma constante crítica radical àquelas instituições, acusadas de falta de transparência, de políticas equivocada, na qual Washington detém um peso desmesurado nos mecanismos de votação.



O Bird se encontra em uma crise financeira da qual não teria se salvado, ainda que Wolfowitz não tivesse caído acusado de corrupção. Teria que reunir pelo menos US$ 16 bilhões para restabelecer seu capital operacional.



Mais grave é o caso do FMI. Seus ingressos baixaram de US$ 3,1 bilhões em 2005 para US$ 1,3 bilhões em 2006, que cairão neste ano para metade. O déficit se deve ao fato de que cada vez menos países solicitam ao Fundo seus créditos condicionados. Nações como Argentina e Brasil liquidaram suas dívidas e quase a metade dos créditos do FMI foram outorgados a um só país, a Turquia. Portanto, minguam os juros que recebe por seus empréstimos.



Além disso, no último dia 5 de maio dez países da Associação do Sudeste Asiático, além de China, Japão e a Coréia do Sul, criaram um fundo para a mútua prevenção de crises financeiras, respaldado por suas reservas monetárias, despedindo-se assim do FMI. Dias depois, os países do Mercosul aderiram à proposta venezuelana de um banco sul-americano que persegue propósitos semelhantes. O FMI, isolado e deficitário, terá agora que aplicar em sua própria carne as políticas de ajustes estruturais que impôs aos países do Terceiro Mundo.



A crise de Bretton Woods é o último ato da crise da arquitetura financeira internacional. Ao fim da Primeira Guerra Mundual, o mundo, sob liderança dos EUA, soube criar a Sociedade das Nações. Ao final da Segunda Guerra Mundial, sempre orientado por Washington, soube criar a ONU e os gêmeos de Bretton Woods. Depois da Guerra Fria, os Estados Unidos mudaram de rumo, se dedicaram a impor a globalização e a resistir a todas as reformas do sistema internacional.



Agora a crise chegou em sua própria casa e convulsiona seus instrumentos privilegiados. É evidente que não há governabilidade quando o setor financeiro, que é 20 vezes maior que a produção de bens e serviços, não tem mecanismos de governo e de auto-controle. Com a ONU relegada basicamente às políticas de desenvolvimento e as instituições de Bretton Woods diante de uma profunda revisão, serão os dramáticos temas das mudanças climáticas suficientes para criar uma nova consciência de que o mercado sem regras não soluciona os problemas de uma governabilidade internacional para todos os cidadãos, ricos e pobres?



* Roberto Savio é presidente emérito da Agência IPS e membro do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial


 


Fonte: Rebelión