Manfredo Araújo de Oliveira: O Ceará em questão
O novo governo de nosso Estado tomou uma decisão da mais alta relevância para o futuro da democracia entre nós: convocou os diferentes segmentos da sociedade civil para um debate a respeito do que somos, do que pretendemos e devemos ser.
Publicado 02/07/2007 10:47 | Editado 04/03/2020 16:37
Há questões fundamentais que estarão pressupostas nos debates que são em princípio questões de ordem ética entre as quais a questão do Estado e de suas funções ocupa um lugar central. Para o liberalismo político, o Estado tem como função fundamental garantir as liberdades subjetivas do cidadão entendidas antes de tudo como independência em relação aos outros. É por esta razão que o Estado pretende apresentar-se como um instrumento neutro que avalia o jogo livre dos interesses econômicos, identificado, então como a defesa da legalidade. Nesta ótica, o Estado estabelece claramente seus limites com a sociedade civil entendida como a esfera em que cada um busca satisfazer seus interesses individuais sem que o Estado nela interfira.
Em contraposição a esta concepção se foi formando no século passado uma outra forma de conceber o Estado que foi denominada de Estado Democrático Social de Direito. O conceito básico aqui é o de cidadania social: cidadão é aquele que numa comunidade política goza não só de direitos civis (as liberdades subjetivas do liberalismo), também não apenas de direitos políticos (participação política, uma tese fundamental dos republicanos), mas dos direitos sociais (trabalho, educação, moradia, saúde, segurança, transporte, previdência social universal, auxílios especiais em situações de vulnerabilidade específica, etc.). Aqui, a função primeira do Estado é reconhecer e garantir a cidadania social de seus membros o que significa dizer que suas políticas, e, não por último as que são destinadas a promover o crescimento econômico, têm nisto seu objetivo e sua razão última de ser. O cidadão adquire através desta forma de organizar a vida coletiva a consciência de que há uma preocupação ativa com sua sobrevivência e com uma sobrevivência digna já que se considera como algo irrenunciável a proteção dos direitos sociais, econômicos e culturais. Criou-se com isto uma cultura política nova que considera como algo evidente que o Estado deve responder a exigências éticas fundamentais como a satisfação de certas necessidades básicas e o acesso a bens elementares.
O Estado Democrático Social de Direito se apresenta em primeiro lugar como uma forma de organização da vida coletiva que toma a justiça como seu valor fundamental, ele se legitima, portanto, como um Estado justo, ou seja, como aquele Estado que considera intoleráveis numa formação social a pobreza absoluta e as desigualdades que violam a dignidade humana e que são prejudiciais à democracia e ao próprio mercado.
Nosso Ceará é quase um deserto no que diz respeito à cidadania social.O imperativo aqui é claro: promover a busca de um novo conceito de desenvolvimento que tenha o ser humano e sua dignidade como ponto de partida e de chegada. Trata-se de pensar e implementar mecanismos que construam uma sociedade baseada num desenvolvimento solidário, porque garante direitos, promove a vida e cuida da natureza como a casa de todos. No Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento se afirma: “para que o progresso e o desenvolvimento sejam válidos e legítimos em escala nacional como internacional é preciso que sejam centrados no ser humano, que estejam distribuídos de forma eqüitativa e que sejam sustentáveis social e ecologicamente”. Isto nos conduz como conseqüência a compreender uma exigência básica em relação à economia: ela não pode ser considerada como fim em si mesma, mas apenas o pressuposto material do desenvolvimento integral do ser humano e da natureza. É a tradução desta exigência em políticas públicas conseqüentes que o Ceará inteiro espera deste debate.
Manfredo Araújo de Oliveira é Doutor em Filosofia e professor na Universidade Federal do Ceará (UFC)