Julgamento de policiais é alívio contra impunidade, diz Lancellotti
Policial militar foi condenado por matar testemunha do massacre do centro de São Paulo, ocorrido em agosto de 2004. Outros três policiais devem ir a julgamento. “Espero que agora acabe a impunidade”, diz padre Júlio Lancellotti.
Publicado 06/07/2007 16:57
Condenado pela Justiça a 19 anos e 20 dias de prisão, o policial militar Francisco Eduardo da Silva é co-responsável pela morte de uma testemunha do massacre dos moradores de rua que chocou São Paulo, no ano de 2004. Ele foi julgado na segunda-feira (2) pelo crime contra Priscila Machado da Silva, que presenciou o assassinato de Maria Baixinha, uma das sete pessoas em situação de rua mortas na chacina, ocorrida entre 19 e 22 de agosto daquele ano. A tragédia, que também deixou oito feridos, se arrasta na Justiça há três anos, sem julgamento por falta de provas.
Além de Francisco, outros três policiais estão sendo acusados pela Justiça. O policial Renato Artilheiro deve ser o primeiro a ser julgado, por reconhecer sua participação do crime, mas não o motivo apresentado pela Justiça. Ele também é suspeito de matar Maria Baixinha, mas não deve ir a júri pelo caso por falta de provas. Também serão julgados os policiais Fábio Moreira e Sandro Cornélio, que alegaram problemas mentais e de saúde e tiveram seus casos adiados.
Na opinião do padre Júlio Lancellotti, que pertence à Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, a sentença deu esperança aos que esperam que seja feita justiça, já que nenhum dos acusados pelo massacre foi julgado. “São três anos em que pouco mudou no caso do julgamento da chacina. Espero que agora acabe a impunidade”. O padre explica que o policial condenado não é um dos principais envolvidos e que há outros que ainda não foram julgados. “Nas próximas semanas devem ser chamados pelo tribunal”, afirma.
Priscila, segundo uma amiga, foi procurada duas vezes por um grupo de policiais na pensão em que morava. Ela morreu com três tiros no peito que teriam sido dados pelo policial Sandro Cornélio, sob um viaduto no centro de São Paulo, em 23 de maio de 2005. O motivo do crime, segundo alegam os advogados dos policiais, foi o roubo de um celular de Sandro Cornélio. A alegação foi contestada pela promotoria do Tribunal do Júri, que contou com o depoimento de uma testemunha anônima.
Para a advogada Michael Nolan, que acompanha o caso, os policiais acreditaram que sairiam impunes do crime. “O fato de o policial não ser julgado em um tribunal especial, militar, em si já é muito importante”, diz ela. Michael refere-se ainda à sentença como “um avanço excepcional da Justiça”, pelo fato da vítima ser uma moradora de rua e o autor do crime, Francisco, um agente da Polícia Militar.
Priscila não tem família e nem parentes conhecidos, e o caso poderia cair no esquecimento se não fosse a intervenção da sociedade civil organizada. Para Rose Nogueira, presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), órgão ligado à Secretaria Estadual de Justiça, o julgamento foi um passo para acabar com a impunidade, “mas o massacre em si nunca foi julgado”. Ela considera absurdo que o assassinato da testemunha, ocorrido um ano depois da chacina, tenha sido julgado mais rapidamente do que o crime contra os moradores de rua.
“Os policiais confessaram o crime, então ocorreu o certo, eles têm que ser condenados”, afirma a advogada Michael. Ela espera de que este julgamento abra o caminho para outros casos de violência policial que ficaram impunes. “Os crimes de maio [mais de cem mortes ocorridas na repressão ao PCC, em maio de 2005] continuam impunes, não há nenhum policial suspeito que sequer foi indiciado”, diz.
Segurança clandestina
De acordo com o ex-secretário estadual de Justiça Hédio Silva Júnior, que acompanhou o inquérito do massacre em 2004, antes de assumir a pasta, a investigação apontava dois caminhos: os crimes teriam ocorrido por disputa do tráfico de drogas ou de um esquema clandestino de segurança que existe no centro. “A única hipótese que eu descartaria era a de crime avulso, que não estivesse ligado a um dos dois motivos citados”, diz ele.
A advogada Michael Nolan crê na segunda hipótese, de que o massacre tem relação com o esquema de segurança clandestino. “Eu não tenho dúvida disso. Na época, havia uma disputa pelo controle deste esquema de corrupção e também policiais envolvidos”. De acordo com a advogada, muitas delegacias do centro de São Paulo estavam envolvidas na “cobrança de propina de casas de bingo e de taxas de segurança que os lojistas eram obrigados a pagar”.
Michael crê que os policiais acusados quiseram dar um aviso aos lojistas e aos outros que faziam parte do esquema fraudulento: de que estavam dispostos a fazer uma “limpeza” no centro para acabar com os moradores de rua. “Eles queriam mostrar que eram capazes de eliminar as pessoas que vivem nas ruas e assim ter a simpatia dos ‘clientes’ que se sentem incomodados”.
“Esta é a ponta do iceberg de um esquema de segurança que existe ainda hoje”, acusa o padre Lancellotti, que crê que a corrupção atinge “gente com altos cargos do poder público”. Ele explica que os comerciantes do centro “pagam uma taxa de cerca de R$ 50 por mês para um grupo que faz o policiamento clandestino”. Segundo o padre, os que não pagam são quase sempre vítimas de assaltos.
Fonte: Agência Carta Maior