André Singer: O efeito Jobim
A designação de Nelson Jobim para o Ministério da Defesa constitui uma daquelas situações em que a política abre caminhos onde a administração desembocou em impasse. Depois de um início assertivo com o lançamento do PAC – em que a decisão do presidente Lu
Publicado 31/07/2007 15:13
Uma aparente crise gerencial, que se arrasta há meses, ameaça um projeto vencedor em 2006, ainda que o significado dessa vitória irrite a direita e, muitas vezes, passe despercebido a certo público progressista ao qual a comunicação do Poder Executivo nunca conseguiu chegar. Agora, ao escolher um possível candidato presidencial para o Ministério da Defesa, Lula cria um fato novo, o qual pode ter conseqüências não só no que se refere ao transporte aéreo como também ao futuro do bloco histórico que sustenta o governo. De imediato, a indicação colocou em posição de alta visibilidade um personagem capaz de conversar com a classe média e dialogar com segmentos importantes da política paulista. Daqui para frente, Nelson Jobim, um quadro do PMDB outrora ligado a Ulysses Guimarães, porém com sabidos vínculos no PSDB, terá que tomar decisões.
Ao substituir uma figura querida e respeitada da esquerda brasileira -Waldir Pires-, o novo ministro citou um conservador inglês do século 19. Espera-se que a alusão não indique identidade doutrinária. Pois se engana quem imagina meramente técnicos os problemas que estão na mesa de Jobim. Para dar um rumo ao setor aéreo terá que fazer escolhas de princípios e enfrentar interesses organizados. A começar pela gestão militarizada da aviação civil.
Em que pesem os quadros de alto nível e a dedicação que caracterizam a FAB, as dificuldades que vieram à tona com o acidente da Gol, em setembro de 2006, denotam um longo processo de insulamento na administração da área. O perigoso conflito sindical em organização marcada pela hierarquia militar foi sintoma de esgotamento do modelo. Nesse passo estará em jogo a constituição real da pasta da Defesa. Se Jobim lograr a desmilitarização da aviação civil, terá realizado o movimento fundamental para dotar o Brasil de um ministro civil com comando sobre as Forças Armadas. Caso não o faça, adiará a criação efetiva do ministério.
Em segundo lugar está a relação com as companhias aéreas. Predomina nesse mercado -como em tantos outros- a disposição de ir até o limite para aumentar as margens de lucro. Será impossível colocar ordem na casa enquanto as empresas não sentirem que serão punidas com energia pelos excessos cometidos. Nesse ponto, Jobim terá que escolher entre duas visões sobre o papel das agências reguladoras. Elas tanto podem atuar como representantes das empresas no Estado como têm potencial para funcionar como defensoras dos direitos dos cidadãos diante das empresas.
Trata-se de um conflito objetivo de interesses, uma vez que a lógica capitalista empurra a iniciativa privada para os abusos, submetendo, assim, o usuário a constrangimentos que só podem ser contrastados pelo poder público. Por fim, põe-se a realização dos gastos públicos em infra-estrutura aeroportuária. É provável que ações emergenciais de curto ou médio alcance precisem ser tomadas com vistas a desafogar pontos críticos e permitir a volta a uma condição tolerável até que o PAC, que previa investimentos de 3 bilhões de reais em aeroportos até 2010 em todo o território nacional, comece a surtir efeito.
Para ter uma idéia, apenas a construção do “expresso aeroporto” em São Paulo, que tornaria rápida a ligação entre a capital e Cumbica, está orçada em 3,4 bilhões de reais. Jobim terá que disputar esse dinheiro com centenas de necessidades sociais por trás das quais se encontram os respectivos grupos de pressão. Para implementar tal programa, cujo êxito tiraria o governo das cordas e credenciaria o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal a ser um protagonista na eleição de 2010, Jobim precisará de coragem e habilidade para reunir apoio. Mas são raras as chances como essa. A verificar se e como será aproveitada.
* Jornalista e cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da USP e da Fundação Getúlio Vargas; foi secretário de Imprensa e porta-voz da Presidência da República (governo Lula); fonte: Folha de S.Paulo