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Publicado 14/08/2007 18:58 | Editado 13/12/2019 03:30
2007, ano amazônico da Campanha da Fraternidade com a Igreja ecumênica sustentável caminhando a passos largos por rios e mares nunca dantes e remando contra a maré aos setenta anos da morte do filósofo sardo Antônio Gramsi, militante anti-fascista da justiça social e da cultura da solidariedade entre os povos. Em vésperas do quarto centenário de nascimento do Padre Antônio Vieira, precurssor da teologia da libertação na Amazônia avant la lettre (2008) e do primeiro centenário de Dalcídio Jurandir na extraordinária coincidência do Fórum Social Mundial 2009 em Belém; na academia do Peixe-Frito no Ver-O-Peso Alfredo ouviu um certo caboco chamado José Varella costurar tempos e espaços diversos para inventar uma Terra sem mal para todos. Era tratamento e cura, dizia ele, da antiga esquizofrenia civilizacional desde o cativeiro da Babilônia e o sonho de Nabucodonosor com a utopia sebastianista do império universal luso-tropical. Ora, chegamos à era do Paradoxo global: a alquimia desvendada da superstição chegou à química fina e biotecnologia, a homeopatia invade o reino da filosofia pela arte da inteligência coletiva. E pode até, com Agostinho da Silva e outros filósofos da complexidade, sacudir o pó medieval para o converter em ouro pós-moderno da cultura e construir agora a história do Futuro lato senso.
Este um falava assim dum tal Jack Lang e Nelson Mandela como dois irmãos e camaradas na roda do mundo solidário que juntos com Emmanuel Laffont, antigo pároco da igreja do Suweto (África do Sul), agora missionário na Guiana; muito podem fazer como três mosqueteiros e ajudar as gentes tradicionais do mundo a inventar o futuro pós-colonial em todas regiões da biosfera, notadamente a Amazônia ribeirinha do Atlântico equatorial. Onde a corrente de rio e mar vem dar aquela explosão de biodiversidade e diversidade cultura desde o passado milenar e o lendário oral quando o viajante negro do império Mali atravessou o Mar-Oceano à frente de expedição de caiaquis e chegou a remo aqui para seguir até o Haíti, séculos antes de Colombo na tradição dos voduns e da encantaria do tambor de Mina. Louvado seja o divino Espírito Santo! Saravá!
Aquilo que outrora com outras palavras os pais da negritude Cesaire, Damas e Senghor plantaram na Terra regada a sangue, suor e lágrimas para ser convertida agora em jardins do Éden às futuras gerações descendentes dos povos lesados da mais valia na História. Vítimas da acumulação primitiva no sacrifício da antiga aliança entre o trono e o altar. Desta maneira, todo mundo deve saber que, fora dos manuais e catecismos, por obra do prodigioso acaso ou a divina provídência (teoria da inteligência coletiva, codinome o “Espírito Santo”), na conquistada terra Tapuia transformada em país das amazonas da Capadócia; o payaçu dos Índios e advogado sebastianista dos cristãos-novos, Antônio Vieira, localizou nas ilhas o lugar profetizado do Quinto Império do Mundo, na federação do Brasil, âmbito da lusofonia internacional, dentro da latinidade. Engenharia da história do futuro malmente revelada a bordo de canoa a remos levada por índios ladinos em viagem à aldeia do Camutá [Cametá], no rio dos Tocantins, donde saiu a carta das esperanças de Portugal e a condenação do padre judaizante pelo tribunal da Inquisição.
Quem melhor do que Nelson Mandela para anunciar o novo mundo sem males a partir do recado inesperado da ilha do Marajó, na “última fronteira da Terra”? Mas, disse uma senhora cabocla acostumada à sina da imigração clandestina desde menina; carece bom portador do bilhete da gente ribeirinha para atravessar a ponte Norte-Sul no Oiapoque. O Alfredo não fez segredo do que lhe ia ao pensamento, enquanto lembrava a árvore Folha-Míúda da infância de Dalcídio face ao chalé na beira do rio, povoada de sonhos, estrelas e passarinhos, ele falou sem medo: não há melhor portador do que Jack (dizia com intimidade o nome do grande ministro da latinidade universal), que na fazenda na beira do rio Camará ligou o telefone ao Rio de Janeiro, pra mandar aquele abraço a Gilberto Gil e pedir ao amigo, não esqueça a obra de Dalcídio Jurandir…
Dizendo isto, a criatura dalcidiana ficou impossível!… Queria saber do Zé: se o Jack não iria se chatear do encargo pedido pela boa gente papa açaí com peixe frito? O Zé respondeu: espera lá rapaz, eu não sou pajé! É melhor perguntar isto ao Mauricio francês, que está parando de novo em Paris, o cara quis morar em Ponta de Pedras e trocar o rio Sena pela rive gauche do Marajó-Açu… Ele sempre que pode dá bons-dias ao ministro, madame Lang; ao nobre amigo do povo Aymeric e à ilustre senhora Koko; que vieram de surpresa ao Marajó no dia do Natal conversar com os caboclos na prelazia de dom José Luiz, bispo dos pescadores e artesãos… Sabe como é, caboclo é bicho chato. Não lhe podem dar a mão que ele já quer o pé…
Mas, valeria a tentativa e o risco da desfeita pela boa causa. O Jack é no primeiro mundo arauto do rei Nelson Mandela, o campeão mundial contra o Apartheid global. Portanto, não será estranho que um combatente humanista de tal porte seja defensor da Amazônia ameríndia, quilombola e cabocla ribeirinha. Este foi o voto unânime dos comedores de peixe com farinha d'água, talvez por obra da necessidade de nosotros latino-americanos de longínquas migrações paleolíticas asiáticas em busca do Novo Mundo, com o acaso da Europa de ultramar e África nég marron na ilharga do Oiapoque e vizinhança antiga do Caribe.
Nem é sem fundamento da justiça que a velha Europa deve querer o bem desta gente descendente de povos tradicionais que ela mesma, com fúria e loucura colonial; dizimou para edificar a sua glória: trata-se, portanto, em memória do dia da Paz do rio dos Mapuá (26/8) entre índios e latinos – a completar 350 anos no Centenário de Dalcídio Jurandir e no FSM 2009 em Belém do Pará – assinalar, meritoriamente, a iniciativa marajoara como tributo ao caminho da paz mundial apelando ao excepcional concurso do trio Jack Lang, Emmanuel Laffont e Nelson Mandela irmanados pelo destino na busca comum de um mundo mais feliz para todos.
Que nem a deriva da vida do insubmisso jesuíta italiano Giovanni Gallo, descendente espiritual do Padre Antônio Vieira na república universal da latinidade. Aquele Galinho das crianças da vila pesqueira de Jenipapo, no lago Arari ancestral, que Dalcídio incentivou a ser escritor: instrumento mágico da renascença da cultura marajoara com o museu do Marajó no fim do mundo. Tão por acaso renascida no bojo da ditadura da água, quanto não do ventre da maré na necessidade do de comer há 1500 anos. Será? Indagou Alfredo, com fingida dúvida da boca pra fora, quando já havia certeza no fundo do coração.
Alfredo queria saber mais do Zé: ao trazer, de surpresa, pela rota das Guianas o mensageiro de Mandela (de modo quase clandestino, tanto quanto imigrantes brasileiros se refugiam da pobreza na zona do euro além Oiapoque), o que queria o camarada Maurice Gey, senhor de castelo em Lyon enamorado das amazonas? Este gaulês-marajoara naturalizado amazônida de coração, veio filmar o carnaval devoto no Círio de Nazaré e foi ficando no Ver-O-Peso entre malandros e urubus até ver o peso do pôr do Sol no imaginário popular de uma Terra sem males, desde a reponta da maré sobre o sítio de Missunga, no Paricatuba, rio Marajó-Açu. Queria ele, paresque, ser apanhador de açaí da beira de igarapé? Era a “invasão” francesa na estória-geral do Curralpanema? Começada outrora com um tal La Ravardière da França equinocial, em São Luís do Maranhão, levado pela aventura de Charles des Vaux com o bon sauvage tupinambá… Eram pois, Jack e Maurice na saga marajoara depois do batizado da América do Sol, a modo de pobres cavaleiros templários no circo da chuva molhados até a alma no mundo dos pajés Sakaka: ressureição daqueles dois vassalos do roi Cristianíssimo no país das amazonas? E o Quixote de Ponta de Pedras, montado no Rocinante das idéias com o Sancho teuto-marajoara que achou Alfredo encharcado à beça nas páginas do romance Chove nos campos de Cachoeira a inventar o futuro a bordo duma universidade popular, livre como a brisa e chamada Unilivre-MAM…
Fala sério Zé Varela!… Alfredo protestou mais alto do que a zoada da feira na beira do Guajará, botou de lado a cuia de açaí e a paciência, com o indefectível caroço de tucumã à mão, dizendo ele: esse negócio de misturar história e ficção é um barato no marquetingue do turismo literário e dá charme à filosofia meandrosa de Edgar Morin desde as especulações de Vico e o panteísmo herético de Espinoza, poderia até embalar a rede pós-industrial do Ócio criativo de Domenico De Masi. Mas, na política global Norte-Sul (como diria a madre superiora) é uma merda (com o perdão da palavra)…
Quando o zen-bubuia do Zé se manifesta no caminho do tao caboco, parece a Esfinge montada a búfalo. Tormento da imaginação de Alfredo, que nem no Chove os olhos do defunto Eutanazio brilham na escuridão da primeira noite do mundo. Por que, antão, o grande Professor do mundo solidário tinha se abalado de Paris pra vir conhecer o humilde Museu do Marajó e a casa do escritor marajoara que ganhou o “Machado de Assis”, como os reis magos buscaram no dia de natal o berço do Menino Deus? E São Pedro Safadinho não quis melhorar o tempo, pra varar o alagado àquelas horas só montado em riba de búfalo… A modernidade vai a pique na periferia da periferia. Pena que meninos e meninas esperassem com bandeirinhas do Brasil e da França para saudar os visitantes, ensaiando com esmero a Marselhesa tanto quando a estrófe nacional Ouviram do Ipiranga às margem plácidas… no rio Arari.
Pois com o desconforme aguaceiro o chaveiro do paraíso estragou a festa nos campos de Cachoeira… Ah, por Deus! Tem cada coisa na vida que a gente não entende e, portanto, carece proteção do glorioso São Sebastião e a bênção de São Benedito da Praia do Bruno de Menezes… Às vezes para ser viajante nestas ilhas apartadas do mundo é melhor tomar Alfredo por guia e se preprar de fato à ditadura da água… Como era possivel existir no mundo lá fora um homem grande como esse rei africano tão próximo dos negros da terra da Amazônia ribeirinha, que até paresque ele podia ser considerado um avô ou parente mais velho de Alfredo como também daqueles meninos e meninas de Cachoeira, Ponta de Pedras, Salvaterra e Soure, Muaná até Gurupá nas ilhas de dentro e de fora, por fim a baixada e demais subúrbios encharcados de Belém do Grão-Pará; a ninhada de caboclos, pretos e índios do Amapá; exilados da ilha da Madeira, Canárias, Cabo Verde, degredados açorianos, lavradores da Galiza e norte de Portugal no fim do mundo igualmente “negros da terra” au-délà da melanina, imigrantes clandestinos de Caiena, contrabandistas da necessidade e raparigas desvalidas de Paramaribo… Por que, antão, a notícia desse rei negão com o livro que o ministro trouxe em mão não circula junto ao povo nas escolas do Interior?
Eras! A infinita sorte panema desta nossa gente ribeirinha. A boa nova é que o nosso camarada Neuton Miranda está com pé na estrada d'água e cuida de quebrar antigas cadeias da servidão da gleba, mediante a regularização da terra que “os rios roubaram” no dizer do padre Vieira com elegância de profeta amazônico; a gente pediu ao Presidente Lula fosse restituída aos descendentes dos nheengaíbas um dia. Com reforço dos poderes do céu e da terra; quando o povo depois da missa foi se queixar ao bispo das Ilhas: que na verdade, são dois Cosme e Damião, valentes como leão e teimosos como búfalo quanto cisma de arrebentar a cerca e o curral.