Documentário explora a arte de Abidoral Jamacaru

Abordar a trajetória de um dos grandes músicos do Cariri e contextualizar a história recente da música popular na região. Essa é a proposta de um documentário que vem sendo rodado sobre o cantor e compositor Abidoral Jamacaru.

Violão em punho, caminhando pelas ruas do Crato, cruzando esquinas, encontrando amigos, tirando alguns acordes, desferindo impressões, fiando juízos, contando histórias, a começar da sua própria. Assim Abidoral Jamacaru, cantor, compositor e um dos mais reconhecidos representantes da música popular produzida na região do Cariri, se mostra ao público em uma prévia do que deverá vir a ser um documentário sobre sua trajetória e o contexto musical da região Sul do Ceará nas últimas décadas.


 


Uma amostra do futuro documentário, somando perto de nove minutos, já está disponível no site de vídeos You Tube e traz o título de ´Abidoral Jamacaru – O Homem e o Tempo´. A iniciativa do registro é do pianista, compositor, webmaster de sites como o Portal do Jazz e, agora, recém-descoberto cineasta Dihelson Mendonça, que chama de ´trailler´ o vídeo postado com o resultado das primeiras tomadas em digital com Abidoral, realizadas há cerca de um mês.


 


´Geralmente, é difícil conseguir extrair muita coisa dele, fazer com que ele se sinta à vontade pra falar. Mas, pra esse filme, ele está bastante empolgado, tem cooperado, muito´, relata Dihelson, contando que a idéia de registrar em filme o pensamento, a música e as freqüentes ´tiradas filosóficas´ de Abidoral veio no contexto de um trabalho de divulgação da música, da arte e da história do Cariri através de diversos sites e blogs, como o Cariri Cult, o Zoom Cariri e o Blog do Crato. ´São instrumentos que procuram divulgar os eventos culturais e as notícias da região. Há muitos anos envolvido nesse intuito de preservar a cultura, a música de qualidade, seja o jazz, o erudito ou a música do Cariri, tivemos essa idéia de começar esse ano um trabalho diferente, procurando registrar a música dessa geração que me precedeu´, relaciona, citando como possíveis protagonistas de uma série de futuros documentários nomes como Pachelly Jamacaru, irmão de Abidoral, João do Crato e Luís Carlos Salatiel, um dos grande agitadores culturais do Cariri, hoje residindo no Rio de Janeiro, mas mantendo vínculo com a região através do site Cariri Cult. ´Se a gente não tiver cuidado, essa geração vai passar despercebida às gerações futuras. O objetivo maior é preservar a memória desses trabalhos´, afirma o músico.


 


Segundo Dihelson, a idéia é abordar o contexto cultural de manifestações musicais do Cariri, a partir da década de 70, através do olhar de alguns dos seus principais protagonistas. ´Nos anos 70 e 80 aconteceram diversos grandes festivais da canção e o Salão de Outubro, que chegou a ter cerca de 20 edições do Salão de Outubro, reunindo música, artes plásticas, literatura… Nesses eventos surgiram os grandes nomes da música do Cariri, pessoas fazendo trabalhos de vanguarda, influenciadas pela Bossa Nova, pela Tropicália e também pela atmosfera política e artística do tempo da ditadura´, aponta o produtor, ressaltando a necessidade de um contraponto à atual realidade da música popular. ´Hoje em dia, aquilo que se chama de forró, que era a música autêntica, representante da cultura do povo nordestino, está sendo massacrado, desvirtuado, pela indústria do forró. Salvo exceções pontuais, aqui no Interior não temos mais opção: você liga o rádio e às vezes tem o desprazer de escutar a mesma música em duas ou três estações ao mesmo tempo. É nesse contexto que o filme se encaixa, mostrando um outro lado´, relaciona.


 


Sem grandes pretensões


 


O filme sobre Abidoral Jamacaru será, de acordo com o direitor, centrado no objetivo de mostrar um pouco da vida e da obra do cantor e compositor, privilegiando o conteúdo à forma. ´O filme em si não tem grandes pretensões cinematográficas. Pode até vir a ter, dependendo de possíveis apoios, patrocínios que vamos tentar e parcerias com grupos de cinema. Hoje temos um grupo muito bom de jovens cineastas, fazendo um trabalho belíssimo no Cariri, com quem deveremos trabalhar pra dar um toque mais artístico ao filme´, adianta Dihelson. ´Por enquanto, vem como um documentário pra mostrar a obra de Abidoral e também a questão humana: como vive o músico, como se dá a sua criação, como é o seu dia-a-dia, qual a sua opinião sobre questões como a vida, Deus, a morte…´, diz, abrindo o leque das ´provocações´ com as quais tem instado Abidoral a falar diante da câmera.


 


´É a vida do Abidoral, o enigma que ele é, a pessoa exótica, muito introvertida, que tem uma vida interna muito forte, um processo de criação como os grandes artistas do passado tinham. Abidoral é uma pessoa muito mística, filosófica. Faz caminhadas pelas trilhas da Chapada do Araripe, onde se inspira pra compor. Fala muita coisa que a gente leva e fica tentando digerir depois´, ressalta o produtor, citando quatro horas de depoimentos em áudio já colhidos para o filme. ´Ele fala da música como ele conheceu, antes até do Luiz Gonzaga, do baião, do xote, do folclore, que ele acompanhou, viu isso acontecer, o reisado, a cultura popular mesmo, sem aquela visão acadêmica. Foi nesse clima que ele buscou elementos pra fazer a música que faz, sendo reconhecido hoje em dia por grandes nomes da música brasileira, como Nelson Motta, Zeca Baleiro… Queremos mostrar o papel dele nesses movimentos culturais do Cariri e o legado que ele deixa e, por outro lado, a obra que continua. O filme procura retratar esses diversos lados do artista´.


 


Citando tarefas como a gravação de externas e de depoimentos com contemporâneos de Abidoral, Dihelson, que em cinema guarda a experiência de ter composto a trilha sonora para o documentário ´A Padaria Espiritual´, de Felipe Barroso, estima para o primeiro semestre de 2008 a finalização do filme sobre Abidoral Jamacaru, que pretende disponibilizar em DVD.


 


Mais informações: Confira trechos da história de Abidoral Jamacaru, contada por ele mesmo, na prévia do documentário sobre o cantor e compositor, já disponível em www.youtube.com.


 


Retrato do artista por si mesmo


 


Abidoral Jamacaru é engraçado, porque envolve vários aspectos, aspecto histórico, aspecto antropológico, sociológico, filosófico, religioso… Eu acho que eu sou uma soma, como todo mundo, não sou especial não, um somatório de todas essas coisas. Mas uma pessoa que nasceu numa cidade do interior do Nordeste e a princípio pensava que o Crato era uma grande cidade, porque a nível de Ceará ela se destaca. Mas que é uma cidade pequena, relativamente pequena, e teve a felicidade de despertar em algumas pessoas um senso artístico, do qual eu me beneficiei.


 


Me envolvi na música, não sei nem dizer, foi circunstancial, fui me envolvendo, quando percebi já tava lá dentro. Sou uma pessoa que tem uma pendência para a questão mística também, não gosto muito de falar disso, mas já que se trata de um documento que tô considerando importante, vou colocar esse dado. Muitas vezes as pessoas não compreendem isso, até zombam de certo modo, mas eu tenho muito esse lado de atentar pro lado místico das coisas.


 


Sou muito voltado, apreciador da arte em todos os sentidos. Filosoficamente, parto do princípio de que o melhor lugar do mundo é aqui e agora. Você tem que fazer a vida a partir do instante que você está vivendo.


 


Claro que a vida depende do que passou, você realizar no presente uma coisa que vá vingar no futuro. Essa relação do tempo acaba existindo. Você não pode desprezar o passado nem o futuro. Mas é importante você viver com todas essas letras o presente, sem se apegar ao passado e ao futuro. Abidoral é uma pessoa meio fora do tempo e, ao mesmo tempo, dentro do tempo, em outro sentido. É meio complicado´.


 


Fonte: Diário do Nordeste