Como o império americano decai
“As memórias do ex-presidente do Fed, Alan Greenspan [1] , colocaram-no nos noticiários destes últimos dias. Ele inquietou Republicanos com os seus comentários sobre vários presidentes, com George W. Bush a levar as pedradas e Clinton as louvações, e ao d
Publicado 25/09/2007 15:28
“Os opositores às guerras de Bush saudaram a declaração de Greenspan, pois as mesmas desnudam o pretexto moral de Bush para a agressão, deixando desmascarada a cobiça nua.
Não há dúvida de que o Iraque não foi invadido devido a ADMs, as quais a administração Bush sabia não existirem. Mas o pretexto do petróleo também é falso. Os EUA podiam ter comprado um bocado de petróleo com o milhão de milhões (trillion) que a invasão do Iraque já custou em despesas desembolsadas e em despesas futuras já comprometidas.
Além disso, a invasão de Bush do Iraque, ao piorar o déficit americano e provocar a dependência de empréstimos estrangeiros, minou o papel do dólar como divisa de reserva, ameaçando portanto a capacidade da América de pagar pelas suas importações. O próprio Greenspan disse que o dólar americano “não apresenta assim tanta vantagem” e podia ser substituído pelo Euro como divisa de reserva. No fim do ano, disse Greenspan, os bancos centrais estrangeiros já mantinham 25% das suas reservas em Euros e 9% em outras divisas estrangeiras. O papel do dólar contraiu-se em 66%.
Se o dólar perder o seu status de divisa de reserva, os EUA teriam magicamente de mover-se de um déficit comercial de US$ 800 bilhões para um excedente comercial de modo a que o país pudesse ganhar suficientes Euros para pagar as suas importações de petróleo e bens manufacturados.
As guerras de Bush são acerca da hegemonia americana, não do petróleo. As companhias petrolíferas não escreveram o Project for a New American Century dos neoconservadores, o qual apela à hegemonia americano/israelense sobre todo o Médio Oriente, uma hegemonia que convenientemente removeria obstáculos à expansão territorial israelense.
A indústria petrolífera afirmou a sua influência após a invasão. No seu livro, Hospício armado (Armed Madhouse), Greg Palast, repórter investigador da BBC, documenta que o interesse da indústria petrolífera americana é muito diferente da captura do petróleo. Palast mostra que os interesses das companhias americanas de petróleo coincidem com os da OPEP. As companhias querem um fluxo controlado de petróleo que resulte em preços firmes e altos. Consequentemente, a indústria petrolífera americana bloqueou o plano neoconservador, incubado na Heritage Foundation e destinado à Arábia Saudita, de utilizar petróleo iraquiano para arruinar a OPEP.
Saddam caiu em perturbações porque num momento ele cortava a produção para apoiar os palestinos e no momento seguinte bombeava o máximo possível. Movimentos de sobe e desce nos preços são eventos desestabilizadores para a indústria petrolífera. Palast relata que um relatório do Council for Foreign Relation conclui: Saddam é uma “influência desestabilizadora … para o fluxo de petróleo para os mercados internacionais a partir do Médio Oriente”.
O aspecto mais notável das memórias de Greenspan é a sua despreocupação com a perda da manufactura americana. Ao invés de um problema, ele vê simplesmente uma mudança benéfica em empregos da “velha” manufactura (aço, carros e têxteis) para a “nova” manufactura tais como computadores e telecomunicações. Isto mostra uma notável ignorância de dados estatísticos da parte de um presidente do Federal Reserve famoso pelo seu domínio dos números e uma completa falta de entendimento da deslocalização.
O incentivo à deslocalização de empregos americanos nada tem a ver com “velhas” e “novas” economias. As corporações deslocalizam a sua produção porque elas podem produzir mais barato no exterior o que vendem na América. Quando corporações trazem a sua produção deslocalizada para venda nos EUA, os bens representam importações.
Se Greenspan se houvesse incomodado em olhar os dados da balança comercial americana teria descoberto que em 2006, o último ano de dados completo, os EUA exportaram US$ 47.580.000.000 em computadores e importaram US$ 101.347.000.000 em computadores, com um déficit comercial em computadore de US$ 53.767.000.000. Em equipamento de telecomunicações, os EUA exportaram US$ 28.322.000.000 e importaram US$ 40.250.000.000 com um déficit comercial em equipamento de telecomunicações de US$ 11.883.000.000.
Greenspan provavelmente não pensou seriamente na deslocalização porque, como a maior parte dos economistas, acredita erradamente que a deslocalização é comércio livre e aprendeu em cursos de ciências econômica décadas atrás, antes do advento da deslocalização, que o comércio livre não pode fazer qualquer dano.
Durante a maior parte do século 21 tenho estado a destacar que deslocalização não é comércio, nem livre nem outro qualquer. É arbitragem de trabalho. Ao substituir trabalho americano por trabalho estrangeiro na produção de bens e serviços para mercados americanos, as firmas americanas estão a destruir as escadas da mobilidade ascendente nos EUA. Até agora economistas têm preferido as suas ilusões aos fatos.
Está a ficar mais difícil para economistas manter nas suas almas a ilusão de que deslocalização é livre comércio. Ralph Gomory, o distinto matemático e co-autor – com William Baumol, o último presidente da American Economics Association –, de Comércio global e interesses nacionais conflitantes ( Global Trade and Conflicting National Interests ), a mais importante obra em teoria do comércio dos últimos 200 anos, entrou no debate público.
Numa entrevista à Manufacturing & Technology News (17 de setembro), Gomory confirma que não há qualquer base na teoria econômica para afirmar que é bom destruir a nossa própria capacidade produtiva e reconstruí-la num país estrangeiro. Não é livre comércio quando uma companhia relocaliza a sua manufatura no exterior.
Gomory afirma que economistas e decisores políticos “ainda estão a tratar companhias como se elas representassem o país, e elas não o fazem”. As companhias não estão mais atadas aos interesses dos seus países de origem, porque foi desconectada a ligação entre a motivação do lucro e o bem estar de um país. Economistas, destaca Gomory, não estão a reconhecer as implicações para a teoria econômica desta desconexão.
Um país que deslocaliza a sua própria produção é incapaz de equilibrar o seu comércio. Os americanos são capazes de consumir mais do que produzem só porque o dólar é a divisa de reserva mundial. Contudo, o status do dólar como divisa de reservas é desgastado pelas dívidas associadas aos contínuos déficits comercial e orçamental.
Os EUA estão a caminho do Armagedão econômico. Tosquiado da indústria, dependente de bens e serviços deslocalizados, e privado do dólar como divisa de reserva, os EUA tornar-se-ão um país do terceiro mundo. Gomery observa que seria muito difícil — talvez impossível — para os EUA readquirir a capacidade manufactureira que entregou a outros países.
É um mistério como um povo, cuja política econômica está transformá-lo num país do terceiro mundo com os seus licenciados por universidades a trabalhar como empregados de mesa, caixeiros de bares e motoristas de táxi, pode considerar-se como potência hegemônica ao mesmo tempo que acumula dívidas de guerra que está a minar a sua futura capacidade de pagar as contas das suas importações”.
[1] A era da turbulência , Editorial Presença, Lisboa, 2007, 572 pgs., ISBN: 9789722338295
[*] Ex-secretário assistente do Tesouro na administração Reagan. Foi editor associado da página editorial do Wall Street Journal e editor colaborador da National Review. É co-autor de The Tyranny of Good Intentions. PaulCraigRoberts@yahoo.com
O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/roberts09202007.html
Fonte: Resistir