Sindicalista iraquiano relata dificuldades no país
Em entrevista ao site Pravda.ru, Falah Alwan, presidente da Federação de Conselhos de Trabalhadores e Sindicatos do Iraque, declarou que a questão do Iraque é internacional e por isso a sua resolução deverá passar pela comunidade internacional e as suas a
Publicado 09/10/2007 10:17
“No tempo em que Saddam Hussein era todo poderoso no Iraque, Falah Alwan já trabalhava nos bastidores secretamente, organizando comissões de trabalhadores, tentando angariar fundos para compensar as famílias em caso de acidentes, porque no Iraque de Saddam Hussein, os sindicatos eram proibidos. Eleito em 2005 e pela segunda vez, Presidente da Federação de Conselhos de Trabalhadores e Sindicatos do Iraque, Falah Alwan continua a lutar contra os velhos decretos de Saddam, utilizados por um governo fantoche que continua a praticar muitos dos abusos do antigo regime, continua a dificultar a formação de sindicatos e que não é mais do que o braço político das várias facções armadas no país, cuja autoridade está restrita à Zona Verde em Bagdá.
Em Lisboa a convite do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, Falah Alwan falou em entrevista exclusiva ao Pravda.ru
Pravda.ru: Qual é a situação atual do movimento sindical no Iraque?
Falah Alwan: As autoridades continuam a evocar os decretos de Saddam Hussein, que esmagou tentativas de formar sindicatos de trabalhadores, por isso continua a ser uma luta constante que precisa do apoio dos movimentos internacionais. Começamos com o Sindicato dos Desempregados e tivemos 13 manifestações com a lema “Emprego ou Segurança Social”, movimento que obrigou as autoridades a instalarem um fundo de desemprego, embora elas refiram a isso como extensão do sistema que já existia e nunca admitiriam que fosse uma vitória nossa. Continuamos na Federação de Conselhos de Trabalhadores e Sindicatos do Iraque a trabalhar ativamente a construir Comissões de Trabalhadores para coordenar as suas atividades com Conselhos de Trabalhadores.
E como se pode descrever a vida diária do cidadão no Iraque de hoje?
Além da violência, o desemprego aumentou em flecha. As pequenas fábricas do tempo de Saddam Hussein, que empregavam principalmente mulheres, na área de têxteis, desapareceram, e as grandes indústrias que empregavam milhares de homens também, levando a uma situação em que as autoridades admitem uma taxa de desemprego de 30% até 35%, mas a cifra real seria de 50% ou mais.
O custo das necessidades básicas subiu muito, o custo de combustível, num país que produz tanto, aumentou e em grandes áreas nem há electricidade, por isso as firmas paralisaram. Isso é o resultado da ocupação, que não serve para nada. E para dar um exemplo do dia a dia, por exemplo, no centro de Bagdá, uma viagem de táxi do centro da cidade até ao aeroporto, uma viagem de meia hora, custa US$ 60, por ser tão perigoso, e o caminho se chama “caminho da morte”. Há assassinatos, há raptos, há ataques com bombas, todos os dias.
E o quê faz o governo e as tropas de ocupação para reduzir a violência e criminalidade?
O governo não está interessado no desenvolvimento de segurança porque se houver segurança, muitas facções no governo perderiam a sua posição porque não são mais do que o braço político das facções armadas, que por sua vez são as facções armadas das formações políticas no governo.
Estas facções no governo falam com as facções armadas e discutem como reter o poder e as suas posições, como manter o equilíbrio de poder. E quanto aos americanos, ficam nas suas bases, porque sabem que não conseguem manter a paz. A violência é um resultado direto da ocupação. E está a ficar pior.
A sociedade iraquiana está dividida como nunca antes, está dividida entre seitas, religiões, línguas, grupos étnicos que pela primeira vez assumem importância. Dentro de Bagdá há uma muralha entre as várias seções da sociedade, como uma Muralha de Berlim dentro de Bagdá.
E esta situação não existia no Iraque de Hussein?
Esta divisão não existia mas também Hussein tinha perdido o poder antes da invasão, uns anos antes e os americanos sabiam-no. A qualquer altura, um governo revolucionário socialista poderia ter surgido e não teria sido difícil derrubar Hussein nos últimos tempos do seu regime, era uma questão de quando, não se. Talvez para neutralizar a ocorrência deste tipo de governo no Iraque, e as ondas de choque que teria tido na região, eles invadiram. Lembremos que 70% dos iraquianos vivem nas cidades, muitos são operários.
Relativamente aos sindicatos e movimentos operários internacionais, têm recebido apoio?
Sim, recentemente quando o Ministro de Petróleo decretou que os organizadores de uma greve neste setor deveriam ser presos, houve uma onda de indignação de movimentos nos Estados Unidos, Reino Unido e outros países, que fizeram com que o Ministro recuasse, foi em julho. O governo em si nada faz para nos ajudar porque nos trata como ilegais e impede os operários de se organizarem utilizando medidas draconianas do tempo de Hussein. Mas o governo representa a si próprio e na Zona Verde.
No discurso do governo, seus inimigos são terroristas ou os restos do regime de Hussein, quando de fato cada facção no governo tem sua milícia. Pode dizer-se que este governo depende em grande parte da milícia controlada pelo Irã, mas mesmo dentro das milícias há tantas divisões e mini-facções.
Os britânicos recentemente saíram da Basra e disseram que “o trabalho estava feito”…
Vou dar-lhe um exemplo. Quando em Basra uns militantes estabeleceram um ponto de controlo e queriam espancar uma mulher que não usava o véu, esses soldados britânicos disseram que não tinha nada a ver com eles, pois eram costumes locais e não defenderam a mulher. Que o trabalho está feito em Basra? Bem, eu diria que a cidade de Basra e aquela região está sob a influência do Irã, seus agentes e gangues criminosos. Quem manda aí são grupos armados de milícias e o Reino Unido não fez nada para impedi-los de se impor na cidade.
E o caminho para a frente?
Está no interesse dos operários e trabalhadores terminarem a ocupação o quanto antes. Isso interessa a muitos setores. Há que mudar o equilíbrio de poder político, de estabelecer um poder político secular e não Islamistas políticos, que é o governo de hoje maioritariamente. Temos de impor um modelo diferente, de progresso social e temos aqui o potencial para os classes de operários organizar a sociedade iraquiana em base secular, polarizando à volta dos interesses dos trabalhadores, criando uma sociedade justa e de benefícios a todos.
Queríamos expandir o movimento secular dos trabalhadores e para isso precisamos de criar laços internacionais,e por esta razão estou aqui hoje. A invasão é uma questão internacional e daí, tem de ser a comunidade internacional a resolver a questão do Iraque. É altura para o resto da comunidade internacional intervir. A nossa questão é como criar uma coordenação internacional para continuar a apelar pelo apoio de organismos e instituições que zelem pelos direitos dos operários, que já alcançaram as suas metas nos seus países. Nós estamos no início e precisamos de apoio.
Precisamos de apoio para estabelecer um modelo humanitário, um movimento internacionalista e um movimento secular que constitui uma alternativa viável, primeiro no Iraque. É altura para uma Nova Esquerda intervir.